O banco de macroalgas, que não existia há 10 anos, agora une a África ao Caribe ao longo de milhares de quilômetros
Por Miguel Ángel Criado, no El País
Em sua viagem à América, Cristóvão Colombo se deparou com o pior mar que um navegante podia encontrar, o dos Sargaços. Situado a leste da costa dos atuais EUA e a nordeste da ilha de Cuba, lá flutuavam grandes bancos de algas, e o movimento das correntes quase paralisava as águas. Durante séculos, todos os marinheiros o temeram. Agora, os satélites descobriram que há menos de 10 anos outro enorme mar de sargaços está emergindo no Atlântico. Embora sua origem ainda não esteja clara, provavelmente é favorecido por fertilizantes naturais e também artificiais.
O sargaço é um gênero de algas marrons (Sargassum) que crescem em águas tropicais. A maioria finca suas raízes no fundo do mar, mas há algumas espécies, como o S. fluitanse o S. natans, que flutuam livremente na superfície, graças às suas bolhas cheias de gases. Podem crescer vários metros, e seus caules vão se entrelaçando e formando uma rede. Criam assim frondosas selvas marinhas onde a vida prolifera. Entretanto, em excesso elas podem provocar a morte não só dos marinheiros, como ocorreu com velhos navios a vela, mas também de muitas espécies, em especial quando uma dessas massas vegetais chega às praias.
Há alguns anos, os episódios de turistas que não conseguem chegar até a água por culpa de uma barreira de sargaços de até um metro de altura e quilômetros de frente se repetem das costas do sul da Flórida, ao norte, até a ilha Margarita (Venezuela), ao sul, passando pelas turísticas praias do México. Poderia pensar-se que as algas procediam do mar dos Sargaços, mas os diferentes modelos alimentados com as correntes da região indicavam que deviam vir de outra parte.
Agora, o estudo de 19 anos de observações usando vários satélites indica que a cada ano emergem milhões e milhões de sargaços no Atlântico Central, muito longe do mar original. Agitados pelas correntes, movem-se entre as costas africanas, ao sul das Canárias e do golfo da Guiné, e as americanas, ao sul das Antilhas e até a foz do Amazonas. Seu ciclo biológico chega ao máximo nesta época, verão boreal, para ir desaparecendo no final do ano.
A análise destes dados, publicado na revista Science, mostra que este novo mar dos sargaços começou a surgir no verão de 2011, chegando a alcançar 8.850 quilômetros em julho do ano passado. A estimativa de sua massa é ainda mais impressionante: 20 milhões de toneladas de biomassa vegetal.
“Antes de 2011 já havia pequenas quantidades de sargaços no Atlântico tropical”, diz Chuanmin Hu, professor de Oceanografia Óptica da Universidade do Sul da Flórida (EUA) e coautor do estudo. “Mas só neste ano desenvolveram proliferações maciças”, acrescenta. De fato, em 2000 (primeiros dados disponíveis), os satélites Terra e Aqua da Nasa não detectaram aglomerações significativas destas macroalgas.
Por que então desde 2011? A resposta, esclarece Chuanmin Hu, não é simples e deve ser buscada em um conjunto de condições “que não foram favoráveis até aquele ano”. Os sargaços dependem da radiação solar e, nestas latitudes, esta está garantida. O fator temperatura, apontado por alguns estudos, não parece ser a chave. “O aumento da temperatura da superfície do mar é um processo lento, nos últimos 100 anos se elevou em 1,5o C”, recorda Chuanmin. Uma média de 0,15o C por década não deveria afetar tanto essas algas. Mas os sargaços, como qualquer organismo vegetal, necessitam também de uma fonte de nutrientes minerais, em especial nitrogênio e fósforo. Aqui é onde poderia estar a anomalia.
Nos extremos da área onde estão proliferando estas macroalgas confluem duas grandes contribuições de nutrientes: a oeste, as enormes quantidades de sedimentos arrastados pelo Amazonas, o Orinoco e outros rios americanos. A leste, o afloramento de águas profundas na região que vai das Canárias até ao sul do arquipélago de Cabo Verde. Não são as únicas, mas sim as principais fontes de vida no Atlântico Central.
“O oceano é uma máquina natural de reciclagem, a água não se movimenta só horizontalmente, mas também na vertical; as águas superficiais afundam, e as profundas afloram”, explica o diretor do Instituto de Ciências do Mar de Barcelona, Josep Luis Pelegrí. Nesse processo vertical, os nutrientes acumulados nas profundidades pela mineralização da matéria orgânica depositada a partir da superfície emergem e “se produz uma explosão de vida”, acrescenta Pelegrí. No complicado circuito de correntes desta zona do oceano, águas ricas em nutrientes se deslocariam para as costas americanas.
No extremo contrário, a oeste, o Amazonas descarrega até 200.000 metros cúbicos por segundo no Atlântico. Junto com essa água vão toneladas de sedimentos que mudam a cor do mar, e na última década a quantidade e composição desta descarga está mudando. Procurando aí a chave, os autores do estudo analisaram a média anual de desmatamento desde 2000, os padrões de consumo de fertilizantes no Brasil, que aumentou em 67% no período 2010-2018 com relação a 2000, e colheram amostras durante vários anos do nitrogênio e o fósforo na margem oeste do Atlântico central.
Embora seus dados sejam preliminares e ainda careçam de mais estudos, tudo indica que o processo que vai do desmatamento à agricultura, passando por um maior arrasto de sedimentos agora enriquecidos, estaria alterando a química oceânica, dopando a água com um extra de nutrientes que fazem os sargaços prosperarem. Pelegrí, que não participou do estudo, sugere outra possibilidade: que o aquecimento esteja estratificando a coluna de água e, uma vez que os nutrientes a dominam, param ali, “favorecendo um reduzido número de espécies, como os sargaços”. Mas tampouco descarta uma combinação de ambos os processos.
O pesquisador do governamental Instituto de Ciências Oceânicas do Canadá, Jim Gower, foi um dos primeiros a notarem um estranho sinal novo nos dados captados pelos satélites ao passar sobre esta zona do mundo. Já em 2013, ele publicou um trabalho sobre a primeira grande emergência dos sargaços, a de 2011. Como os autores do estudo, diz que ainda é preciso confirmar a hipótese, mas sua suspeita é de que “o aumento da produção e o despejo (no mar) de fertilizantes artificiais são a causa”. “Mas ainda temos poucos dados concretos”, conclui.
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Imagem: Banco de sargaços em frente às costas da Flórida. BRIAN LAPOINTE INSTITUTO OCEANOGRÁFICO BRANCH HARBOR