Vale a pergunta se nesses tempos de redes sociais e de difusão tão rápida da informação trazem também um aumento da velocidade do próprio fluxo da História
Por Ion de Andrade, em GGN
A síntese formulada pelo deputado Glauber Braga na Comissão de Constituição e Justiça quando da sabatina ao Ministro da Justiça sobre a Lava Jato foi um fato maior. De forma simples, objetiva e por sua analogia ao futebol, compreensível a todos, a Lava Jato foi conceituada para a História. A fala do deputado compõe como peça central o entendimento pelo qual a sociedade brasileira conhecerá a Lava Jato no futuro.
Era previsível que a História começasse a falar, tratei desse tópico num artigo de janeiro 2018, publicado aqui no GGN, “Lava-Jato, História e descida aos infernos”, embora por motivos diferentes dos que estão vindo à tona pelo trabalho do Intercept e que eram desconhecidos à época. Mas, esses outros motivos de ruína para o nome e o conceito da Lava-Jato e tratados nesse artigo também emergirão. Prova disso, a última fala pública de João Carlos Saad, presidente do grupo Bandeirantes, por exemplo, sublinha o efeitos da operação no que toca à destruição da economia nacional. O que ele disse é parte do mesmo conceito expresso por Glauber Braga, sobre o mesmo objeto, a Lava-Jato, apenas por um outro ângulo.
A que serve a História nisso tudo?
Para responder isso, vale uma pequena incursão no conceito Hegeliano de Espírito, como a apropriação de uma Ideia, de um conceito, pela Sociedade que tem papel dinamizador na construção da História numa dada direção a partir de um dado momento. É esse Espírito Objetivo, que se alimenta desses conceitos sedimentados e que modela e materializa, segundo Hegel, a Sociedade como a conhecemos. Ou seja, o veredito da História, não é um parágrafo num livro, é uma força bruta e atuante.
Marx abandonou essa ideia de Espírito, substituindo-a pela ideia da evolução da História pela dialética das lutas entre as classes sociais, que produzem um Poder e uma iniciativa pelo polo dominante. Porém, a ideia do Espírito Hegeliano nunca pôde ser esquecida por completo pelos marxistas, talvez por exprimir, de forma mais clara, os consensos que vão sendo sedimentados ao longo da história e que finalmente produzem o protagonismo dominante, ou de autor, que vai desenhando a Sociedade como ela é.
A analogia de Glauber Braga pelo impacto que teve parece ter exprimido esse conceito definitivo a partir do qual tudo pode ser compreendido de forma cristalina. Já não é necessário explicar os detalhes, basta conhecer a analogia e esses detalhes serão todos claros, sem explicação suplementar, cada um, em seus devidos lugares de forma simples e transparente. Eis a razão pela qual a fala do deputado foi um terremoto. Houve um Fiat Lux!
Mas a que serve isso, se o Poder continua nas mãos daqueles que foram os protagonistas e os beneficiários da dita operação?
De fato, trata-se quase de uma questão geológica, não somente na força impositiva da mudança que virá, como também no que toca à imprevisibilidade do tempo. Mas em algum momento ocorrerá a separação entre o transitório e o definitivo, como quando a rocha submersa que reaparece na maré baixa e define, também na maré alta um caminho proibido para as embarcações, ou semelhante ao diamante que resiste à erosão do tempo e finalmente saí do bloco de pedra onde estava incrustrado: a verdade, ou o consenso histórico que não pode ser obscurecido. Esse é o conceito que o Espírito Objetivo, que move a História, segundo Hegel, vai sedimentando e isso se aplica também ao desastre que se abateu sobre o Brasil. A fala de Glauber Braga não serve a algo, ela marca um momento, é um sintoma, uma rachadura inapagável no monolito que foi a Lava-Jato. O Rei está nú!
Eu mesmo previ, num artigo de janeiro de 2018, “Lava-Jato, História e descida aos infernos” que isso ocorreria por outros motivos, diferentes dos que estão vindo à tona e que eram desconhecidos à época. Mas aqueles outros motivos tratados no artigo também emergirão, como atesta a fala de Saad.
Não é coisa misteriosa, a História, com a sua rudeza, funciona como a bateia que vai separando o material mais pesado no fundo. O Intercept nesse caso funcionou como uma lanterna que deu a conhecer logo o que teria demorado muito mais tempo para emergir. Vale a pergunta se nesses tempos de Redes Sociais e de difusão tão rápida da informação trazem também um aumento da velocidade do próprio fluxo da História, a ver.
É verdade portanto que esse Poder Velho, que ficou ainda mais velho depois do material publicado pelo Intercept, da fala do deputado Glauber Braga, ou do discurso de João Saad, teimará em não ir embora e se esforçará para não permitir que um Novo surja. E é verdade que isso pode demorar, como demorou em tantos países.
É o momento em que surgem os monstros, como diria Gramsci.
Porém há coisas emblemáticas que não deixam dúvidas sobre para onde seguimos, como a recomendação consensual de afastamento do Ministro da Justiça pela OAB ou como um manifesto de apoio de juízes à Lava Jato que só conseguiu reunir duzentos e tantos magistrados dentre mais de 15.000 totais.
É importante entender o que essas maiorias, que de alguma maneira vão desde já interpretando esse Espírito da História e falando por ele, querem realmente exprimir, pois a inércia que carregam e da qual já são portadores é a de um mastodonte, é imparável e cedo ou tarde brotará por todos os poros, o que não é o caso hoje. São essas maiorias, soldadas por um consenso, que poderíamos adivinhar mas não sabemos ainda, que construirão essa próxima etapa de que não sabemos nem quando virá, nem de quê será feita. Elas construirão também os veículos de sua vontade coletiva materializando o país que sucederá a tudo isso no plano dos partidos, das instituições e dos seus funcionamentos.
Os que querem dar pressa à História devem, mais do que nunca, ter ouvidos de ouvir.