Nota de solidariedade da RENAP à família de Fernando Santa Cruz

“Eu vivo em tempos sombrios. /Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, /uma testa sem rugas é sinal de indiferença. /Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.” (Bertolt Brecht)

A Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares/RENAP, tendo compromisso com as causas sociais e os movimentos populares, coloca-se na defesa incondicional dos direitos humanos. Sendo assim, não compactua com o rumo que toma o governo federal, contrário a dispositivos da Constituição, nem com as manifestações de seus representantes, que exortam violações, preconceitos e também causam danos muitas vezes irreparáveis.

Repudia-se, então, a fala do Presidente Jair Bolsonaro, quando afirma saber informações sobre o paradeiro da morte de Fernando Santa Cruz, militante político brasileiro desaparecido desde o dia 23 de fevereiro de 1974[1]. Se o Presidente da República realmente teve acesso a informações sobre o que houve com Fernando Santa Cruz, pai do atual Presidente da OAB, tem o dever de depor sobre tais circunstâncias, sob pena de estar sendo cúmplice do crime. De outra feita, se está sendo sarcástico com o fato, deve ser responsabilizado judicialmente.

Estaria o Presidente da República cometendo crime contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, previsto na Lei de Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950). A referida norma tipifica como estes crimes servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua; e incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (artigo 7º). O Estado brasileiro deve informar às famílias e à sociedade sobre os crimes que cometeu, um primeiro passo para a reparação cabível. Ademais o acesso à informação é um direito fundamental (artigo 5º, XXXIII, da CF), inclusive, com lei específica sobre a matéria (Lei nº 12.527/2011).

Não é compatível com o cargo postura desrespeitosa e injuriosa, como também a contumaz criação de falsas histórias, sem nenhuma base em fatos e documentos para população. Não se pode admitir a fantasiosa hipótese de que Fernando Santa Cruz teria sido vítima do próprio grupo de resistência armada à Ditadura, do qual faria parte. Os documentos da época[2] demonstram que Aeronáutica registrou sua prisão em 22 de fevereiro de 1974[3]. Há também as ligações que os familiares receberam naquele ano, informando que Fernando estaria preso no DOI-CODI, um órgão subordinado ao Exército.

A RENAP coaduna com a posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos/CIDH de que a aplicação da lei da Anistia (Lei 6.683/1979) não possui validade para os agentes públicos e pessoas a serviço do estado de exceção que cometeram crimes naquele período. Neste sentido, a lei vai de encontro à Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Assim se posicionou a CIDH no julgamento do caso Julia Gomes Lund e outros (caso da Guerrilha do Araguaia) e no caso do jornalista Vladimir Herzog.

Por fim, a RENAP solidariza-se com Presidente Felipe Santa Cruz e sua família, pois a dor não pode servir de escárnio e crimes não são argumentos válidos para o debate político. A OAB tem papel precípuo na defesa da democracia e dos direitos humanos (artigo 44, I, do Estatuto da OAB), e este ataque a seu Presidente visa atingir princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (artigo 1º, da Constituição Federal).

[1]Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/29/se-o-presidente-da-oab-quiser-saber-como-o-pai-desapareceu-no-periodo-militar-eu-conto-para-ele-diz-bolsonaro.ghtml. Acesso em: 30 jul 2019.

[2]Disponível em: http://pesquisa.memoriasreveladas.gov.br/mrex/consulta/login.asp. Acesso em: 30 jul 2019.

[3]Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/o-que-dizem-documentos-oficiais-sobre-a-morte-de-fernando-santa-cruz/. Acesso em: 30 jul 2019.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

Comments (1)

  1. Estamos vivendo em tempos sombrios e tenebrosos, uma tsunami de maldades assolou o Brasil desde o resultado das ultimas eleições, a qual elegeram um desqualificado, desconectado com o País, um fascista. O sanguinolento Bolsonaro ameaça de morte todos os seus desafetos, aqueles e aquelas que destoam de suas ridículas posturas estão fadados (as) a morte. O Brasil tornou-se refém das instituições que deveriam corrigir e punir nos rigores da lei o desenfreado e aloprado presidente da republica, Bolsonaro. Pra que serve a lei? A lei é seletiva?

    Solidariedade a família SANTA CRUZ que a dezenas de anos buscam resposta para o desaparecimento de Fernando Santa Cruz , sucumbido pela ditadura militar.
    Se Bolsonaro tem resposta para esse desaparecimento, deve ter também para o sumiço de Queiroz, e o nome do mandante da morte de Mariele Franco e seu Motorista, Anderson Gomes.

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