Ministério Público, espírito de corpo e a democracia

Por Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros e Julio José Araujo Junior*, no Estadão

A chamada “Vaza Jato” tem suscitando reações distintas, que podem ser agrupadas em dois campos bem claros. O primeiro campo destaca a liberdade de imprensa e procede à análise detalhada das conversas, ressaltando eventuais ilegalidades na relação entre os membros do MP e do Poder Judiciário. O segundo realça a proteção da intimidade para questionar o acesso ilegal a telefones celulares e aponta eventual adulteração de mensagens, porém não constata qualquer ilegalidade no teor dos diálogos divulgados.

A exposição de conversas de membros do Ministério Público provoca indignação entre os pares por indícios de que seu acesso tenha ocorrido de forma ilegal. Essa conduta deve ser investigada, observado o devido processo legal, com vistas à proteção não só da intimidade, mas da própria segurança institucional.

Por outro lado, eventual investigação não pode jamais vulnerar a liberdade de imprensa. Independentemente dos meios obtidos, a publicação do conteúdo não pode ser confundida com prática criminosa, de modo que a tentativa de associar um direito fundamental a uma prática ilícita pode indicar um nível baixo de compromisso com a responsividade da instituição e com a própria democracia.

Afinal, a liberdade de imprensa é um meio de efetivação da democracia, e sabemos que a proteção da intimidade de agentes públicos está sujeita a um âmbito menor de proteção, sobretudo quando remete a assuntos de interesse da sociedade. Levando isso em consideração, o cenário impõe-nos debater aquilo que as notícias suscitam: a legalidade ou não de procedimentos dos órgãos do sistema de justiça.

Nesse ponto, cabe observar que o espírito de corpo deve conter-se em respeito ao direito de crítica e ao controle que a sociedade deve fazer das instituições. Escudar-se no argumento da ilegalidade do acesso às mensagens para evitar a discussão sobre procedimentos significaria repetir a postura daqueles que procuram cercear o Ministério Público em várias de suas pautas – como a corrupção, a violação de direitos humanos e a omissão em direitos sociais – para limitar-se a atacar o acusador, ignorando a questão de fundo e seus desdobramentos.

O Ministério Público, instituição muito maior do que seus membros e do que qualquer atuação específica, não pode furtar-se à discussão com a sociedade sobre os seus erros e acertos. Tratando-se de um debate com um olhar democrático, sem o viés da mordaça ou do emparedamento, não há razão para o corporativismo falar mais alto. Em tempos sombrios nos quais recrudescem práticas autoritárias que pareciam já estar superadas, a Constituição é o norte a ser seguido.

*Jorge Luiz Ribeiro de Medeiros, procurador da República, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Autor do livro A Constitucionalidade do Casamento Homossexual. Julio José Araujo Junior, procurador da República, coordenador do Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar do MPF, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor do livro Direitos territoriais indígenas: uma interpretação intercultural.

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