A Amazônia brasileira perdeu mais de uma Alemanha em área de floresta entre 2000 e 2017. São cerca de 400 mil km² a menos de área verde, de acordo com estudo de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Oklahoma publicado na revista científica Nature Sustainability.
por Hyury Potter, em BBC Brasil
O resultado apontado é mais que o dobro da área de 180 mil km² registrada no mesmo período pelo sistema de monitoramento de desmatamento anual adotado pelo Inpe, o Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes).
O conceito de floresta desmatada e a qualidade das imagens analisadas pelo satélite utilizado na nova pesquisa, com menos interferência de nuvens e sombras, são apontados como fatores para a discrepância nos resultados.
O mesmo estudo diz ainda que o tamanho de toda floresta na Amazônia é subdimensionado em 15%. Dados sobre desmatamento servem de base para a elaboração de políticas públicas e acordos internacionais do governo brasileiro.
O artigo revela ainda que as unidades de conservação da Amazônia perderam 20 mil km² de floresta entre 2000 e 2017. Daria para colocar quase quatro Brasílias nesse espaço.
Mas a pesquisa aponta um avanço no reflorestamento entre 2001 e 2013. Considerando reflorestamento como áreas verdes regeneradas e que assim permaneceram por pelo menos quatro anos, a Amazônia teve um ganho de 21% de floresta do que foi desmatado no mesmo período.
O método
O método utilizado pelos pesquisadores da Universidade de Oklahoma considera dados de um radar (PALSAR), que obtém imagens mesmo com presença de nuvens, adicionados a imagens diárias de um satélite (MODIS).
Os dados são analisados em um algoritmo que considera um pixel como área verde ou não-verde durante o ano inteiro. O estudo afirma que 99,7% dos pixels analisados por esse método, chamado de PALSAR/MODIS, apresentaram boa qualidade para análise.
Por outro lado, a pesquisa aponta que no sistema de monitoramento adotado pelo Inpe, o Prodes, que utiliza principalmente um satélite (LANDSAT) que faz imagens de uma determinada área a cada 16 dias, teve entre 5% e 15% das imagens cobertas por nuvens ou sombras.
Nesses casos, analistas do Inpe fazem análise visual de imagens de outros três satélites (LANDSAT 8/OLI, CBERS 4 e IRS-2) para calcular uma estimativa de perda de floresta nas áreas cobertas. Em seu site, o Inpe afirma que “a estimativa do desmatamento sob nuvens corresponde em média a apenas 5%”.
Essa imprecisão nas imagens ainda seria responsável por um subdimensionamento da floresta amazônica. O método PALSAR/MODIS identificou 3.750.000 km² de floresta em 2010, um número 15% maior do que o Prodes apontou no mesmo ano.
Xiangming Xiao, chefe da pesquisa e professor doutor do Centro de Análises Espaciais da Universidade de Oklahoma, explica que outros estudos já haviam apontado inconsistências nos dados do Prodes, mas pela primeira vez isso é mostrado com imagens de melhor qualidade.
“Pesquisas anteriores já identificaram as imprecisões nos dados do Prodes, no entanto, essas publicações atribuíram os problemas sob a perspectiva de algoritmos e relatórios. Nosso artigo avança este argumento principalmente da perspectiva dos dados com qualidade melhor de imagem, o que garante que nossa análise de dados tenha poucas lacunas”, diz o professor Xiao, que começou a se envolver em projetos de monitoramento da Amazônia em 2002.
Foram quatro anos de monitoramento e análise de dados para que os 14 pesquisadores apresentassem os resultados sobre desmatamento na Amazônia. Dois brasileiros, servidores da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe, Yosio Shimabukuro e Egidio Arai, participaram dos estudos.
Conceitos diferentes sobre floresta
Além da qualidade das imagens de satélite e o tipo de algoritmo utilizado na análise dos dados, os pesquisadores afirmam que a definição de cobertura florestal interfere no resultado final.
Na pesquisa da Universidade de Oklahoma eles consideram a perda de área verde como desmatamento. Já o Prodes utiliza apenas o conceito de floresta primária para desmatamento.
Ou seja, após uma área ser desmatada, mesmo que ela seja reflorestada posteriormente, essa área não é mais analisada pelo sistema de monitoramento, explica o pesquisador Carlos Souza, do Imazon, instituto que faz análises sobre desmatamento na Amazônia.
“Uma vez que detecta o desmatamento, o Prodes não olha mais aquela área. Ele só indica desmatamento de floresta primária. O Imazon fez um estudo utilizando uma metodologia que chamamos de MapBiomas, com imagens do satélite LANDSAT, que apontou 12 milhões de hectares (120 mil km²) de floresta em regeneração em 2017”, diz Souza.
Para Claudio Almeida, chefe da Coordenação do Programa Amazônia (COAMZ), departamento do Inpe que faz o monitoramento de imagens da Amazônia, ela “tem hoje cerca de 20% de sua área em algum grau de regeneração, isso representa aproximadamente 140 mil km²”.
“No Prodes nós consideramos essa área como uma máscara que não é analisada. Essa parte da verificação é feita por outro sistema do Inpe, o Terraclass, que monitora a ocupação da terra após o desmatamento”, afirma Almeida.
Dinâmica da floresta
A pesquisa faz ainda uma análise da dinâmica do desmatamento na floresta. Em 2010 e entre 2015 e 2016, houve um crescimento acentuado no desmatamento por fatores climáticos.
O El Niño trouxe um clima mais seco para a região, o que facilitou a propagação de queimadas, que em média são responsáveis por 70% do desmatamento de áreas verdes na Amazônia. Em anos secos o total desmatado chegou a 3,7 vezes a área de perda de floresta em anos mais chuvosos. A própria dinâmica de desmatamento ilegal estaria facilitando anos mais secos.
“Estudos anteriores apontam que a degradação da floresta por incêndios e extração seletiva de madeira reduzem a resistência à seca, o que aumenta as chances de desmatamento. Portanto, reduzir o fogo induzido pelo homem e a extração de madeira poderia ajudar”, aconselha o professor doutor Yuanwei Qin, que também liderou a pesquisa.
O professor Qin ainda lembra que as análises apontaram que 90% dos desmatamentos ocorreram em até 5 km de proximidade de áreas que já tinham sido desmatadas antes de 2002. Para o cientista, isso demonstra que “o grau de atividade antrópica (alterações realizadas pelo homem) impulsiona a perda da floresta na Amazônia brasileira”.
Sistemas diferentes e histórico de dados
Para Carlos Souza, do Imazon, métodos diferentes de monitoramento da floresta demonstram avanços no acompanhamento de desmatamentos. O instituto divulgou na semana passada resultado do SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), que indicou que a Amazônia perdeu 5 mil km² de floresta nativa nos últimos 12 meses.
O método adotado pelo Imazon também é diferente do Prodes e do DETER, este um sistema em tempo real de alerta de alterações na cobertura vegetal acima de três hectares.
“Essa pesquisa de Oklahoma traz um novo tipo de informação. A comunidade científica é sempre aberta para isso, mas são dados científicos. Para se aprofundar mais, e posteriormente criar um sistema operacional, é preciso se aprofundar mais na pesquisa. Outros trabalhos já tinham apontado que o desmatamento na Amazônia é maior do que o Prodes estima, mas não o dobro como este caso”, afirma Souza.
Em julho, o presidente Jair Bolsonaro criticou publicamente dados do DETER, que, para ele, “não condizem com a realidade”. O caso resultou na demissão do diretor do Inpe, Ricardo Galvão, e teve repercussão internacional.
O estudo de Oklahoma adotou 2000 como ano de referência (ou linha de base, como os pesquisadores chamam). Já o PRODES possui uma referência mais antiga e Souza explica que esse é um fator importante do método brasileiro, apesar das limitações e da necessidade de melhorias.
“O valor do Prodes é que temos uma série longa de dados, desde 1988. Muitas políticas públicas foram pensadas com base nessas informações, metas que o governo colocou de emissões associadas a desmatamento foram feitas tomando esses dados como referência, então tudo isso é importante. Qualquer método adicional, que vai trazer melhorias, precisa considerar essa dimensão temporal”, diz Souza.
O chefe do monitoramento na Amazônia, Claudio Almeida, diz que o órgão acompanha estudos sobre o tema de forma permanente, mas também reforça a importância da série histórica do Prodes.
“O Inpe faz o monitoramento operacional do bioma, mas também tem um lado de pesquisa até pela formação da equipe. Então é comum ter pesquisadores do órgão participando ou acompanhando estudos de fora. Desde 1988 o Prodes incorporou alguns elementos de inovações propostas pela academia, mas não podemos mudar tudo porque esse fator histórico nos permite comparações importantes com a floresta no passado. No caso dessa pesquisa da Universidade de Oklahoma vejo que é um bom método para analisar áreas maiores, mas o Prodes ainda é melhor para avaliar desmatamento em locais específicos”, avalia Almeida.
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Foto: Resultado de estudo de universidade americana é o dobro do desmatamento registrado pelo Inpe no período (Agência Pará)