Povos indígenas repudiam ataques preconceituosos de Bolsonaro, que afirmou que demarcações “inviabilizam o Brasil”
Organizações indígenas e indigenistas publicaram nesta semana documentos que repudiam os ataques de Jair Bolsonaro aos povos indígenas e a Constituição Federal. A afirmativa de Bolsonaro foi de que “demarcação de terras indígenas, áreas de proteção ambiental, quilombolas, parques nacionais, levam a um destino que nós já sabemos, insolvência do Brasil”, além de referir-se aos povos indígenas como “massa de manobra que inviabilizam o progresso”.
As cartas publicadas em repúdio sustentam uma postura de abominação às falas de Jair Bolsonaro durante reunião com governadores da Amazônia Legal. A reunião que ocorreu em Brasília (DF) foi convocada pelo governo para debater o combate às queimadas na região amazônica. Contudo, segundo as organizações, serviu de janela para preconceitos e racismo contra as populações tradicionais.
“O que inviabiliza o Brasil é a violência, a corrupção, o Estado paralelo promovido pelas milícias que dominam parte das grandes cidades do país e a falta de investimento em educação, saúde, cultura, esporte e infraestrutura”, rebateu em nota a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Representante de 23 povos e 750 comunidades indígenas no Noroeste amazônico, a Foirn pontua que narrativa assumida pelo presidente da República desde sua candidatura apenas acirra conflitos e violências contra os povos indígenas. “O presidente Jair Bolsonaro vem propagando o ódio e tentando fazer uma campanha de difamação dos povos tradicionais, movendo a opinião pública contra nós”, escreve nota.
“Já vimos esse tipo de estratégia sendo usada em outros tristes momentos da história mundial, como na Alemanha nazista, que promoveu um dos maiores genocídios da História”
O documento divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) classifica a postura de Bolsonaro como alicerçada em “ignorância e racismo”. “Sob o argumento de que somos tutelados pelo estrangeiro, segue pregando sua política genocida, etnocida, antiecológica e anti-indígena”, afirma Apib. Para a articulação de referência nacional do movimento indígena no Brasil, o presidente não apenas assume uma política de desmonte de órgão ambientais como Ibama e o ICMBio, mas também “incita criminosamente as invasões ilegais de nossas terras por parte de madeireiros, garimpeiros, grileiros”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em nota, caracterizou o recorrente discurso de Bolsonaro como conscientemente falso, com declarações que “potencializam o preconceito, o racismo e o sentimento de ódio contra os povos indígenas, cidadãos brasileiros historicamente vilipendiados e violentados em nosso país”. O Cimi afirma que, com sua postura, Jair Bolsonaro “afronta e violenta não somente os povos indígenas, mas também a própria Constituição Brasileira”, que garante a eles o direito originário às suas terras tradicionais devidamente demarcadas e protegidas.
Retrocessos Orquestrados
Direitos constitucionais eram postos na berlinda na Câmara dos Deputados, a poucos quarteirões da reunião de Bolsonaro com governadores da Amazônia Legal. Estava em pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) a PEC 187, que pretende alterar o artigo 231 para incluir uma autorização explícita a “atividades agropecuárias e florestais” em terras indígenas – algo que já é permitido pela Constituição. O que está em jogo, segundo a Apib, é um verdadeiro retrocesso que atende o lobby poderoso do agronegócio brasileiro ao “atropelar direitos, vidas e coloca em risco o futuro da humanidade”.
“Esses conjuntos de medidas maléficas, somadas ao desmantelamento de políticas nas mais diversas áreas, de saúde, educação, assistência, segurança e outras, nos jogam à revelia de nossa própria sorte, numa tentativa de nos expulsar mais uma vez de nossa terras e matar nossa cultura”, comenta Apib.
“Com esta PEC 187 estamos abrindo o Artigo 231 da Constituição Federal, que é justamente o artigo que vem presar pela sobrevivência física e cultural dos Povos Indígenas”, sustentou a deputada Joenia Wapichana (Rede RO) durante a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC). “O Artigo 231 é considerado direito fundamental, cláusula pétrea, e não deveria ser modificado para atender direitos estranhos, individualistas, e que visam exploração por terceiros. Abrir o artigo 231 é provocar um desmonte dos direitos constitucionais dos povos indígenas”.
Por 33 a 18 votos, a bancada ruralista aprovou na noite de ontem a admissibilidade da proposta PEC 187, de relatoria do deputado Vicentinho Júnior (PSB-TO). Indígenas do povo Xukuru Kariri (AL) que acompanhavam a votação, após seu término, protocolaram um documento solicitando a não instauração da Comissão Especial para analisar a proposta, próxima etapa de tramitação.
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Foto: Katie Maehler/MNI