Itamaraty não reconhece existência de Golpe de 64 e cria constrangimento na ONU

Durante reunião em Genebra, governo Bolsonaro voltou a se recusar reconhecer a existência de regime militar; Relator da ONU fala em “volta à Idade Média”

Por Jornal GGN

Em um encontro realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (ONU), juntamente com o Instituto Herzog, na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, nesta terça-feira (10), o governo Bolsonaro se recusou a reconhecer que houve ditadura militar entre os anos 1964 e 1985 no Brasil. As informações são do blog de Jamil Chade, no UOL.

O encontro aconteceu para denunciar o desmonte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e de outros órgãos do Judiciário ligados ao tema.

A primeira reação do governo ao encontro foi não enviar ao evento a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani. Nem mesmo a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, que está em viagem na Hungria, a poucas horas de vôo da Suíça, compareceu.

O governo brasileiro foi representado por um diplomata que declarou que o país “saúda o debate sobre os eventos entre 1964 e 1985”.

Em todo o momento o representante do Itamaraty se recusou a reconhecer a existência do golpe de 64 e trocou o termo “ditadura” por “eventos”. Chegou a um ponto em que uma jornalista mexicana questionou diretamente o governo brasileiro se houve ou não um golpe.

O diplomata se recusou a confirmar e disse apenas que o país já explicou seu posicionamento sobre os “eventos” em uma carta enviada em abril às Nações Unidas.

“O presidente reafirmou em várias ocasiões que não houve um golpe de Estado, mas um movimento político legítimo que contou com o apoio do Congresso e do Judiciário, bem como a maioria da população. As principais agências de notícias nacionais da época pediram uma intervenção militar para enfrentar a ameaça crescente da agitação comunista no país”, diz a carta.

“Já enviamos uma correspondência ao relator da ONU. O importante é recordar os eventos e ter um debate público. O que faltou foi um debate público mais amplo e agora está ocorrendo em nosso país”, completou.

Em seguida, a representante do Instituto Vladimir Herzog, Glenda Mezarobba, pediu a palavra e respondeu à jornalista mexicana: “Sim, houve um golpe de estado em 1964”, esclareceu.

Jamil Chade lembra que essa é primeira vez, desde a redemocratização, que o Brasil adota o comportamento público na ONU de recusar que o país viveu sobre uma ditadura militar entre 1964 e 1985.

“A posição do governo ocorre dias depois que Bolsonaro teceu elogios ao ditador Augusto Pinochet e depois de seu filho, Carlos Bolsonaro, insinuar nas redes sociais que as ‘vias democráticas’ não estariam dando os resultados desejados ao país”, lembra Chade.

A reação diante de todos na reunião foi de constrangimento. O Conselheiro de Direitos Humanos da ONU, Fabián Salvioli, comentou após as declarações do diplomata brasileiro: “o passado sempre volta se não for abordado de forma correta”. “Precisamos abordar seriamente e isso significa cuidar das vítimas”, declarou completando que a atenção aos direitos humanos “é o único caminho possível”. “Caso contrário, em cem anos vamos estar aqui”.

“Lamento que, no lugar de gerar uma reflexão positiva, a resposta foi insistir num sério erro”, prosseguiu. “É um erro ir contra assuntos universalmente aceitos, como o repúdio à tortura. Isso é universal. Dar voltas a essa posição é voltar à Idade Média, e isso é um problema”, reforçou.

O presidente da Comissão Arns, José Carlos Dias, se disse “indignado” com as posições do governo Bolsonaro de fazer “apologia da tortura”. Ele alertou ainda que os mecanismos de Justiça e Memória “estão sendo boicotados pelo atual regime político brasileiro”.

“Precisamos tentar salvar a democracia brasileira (…) “Neste momento, estamos vivendo um clima de medo, um clima de autoritarismo. Estou temendo que estejamos alcançando a ditadura pelo voto”, completou.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Hélio Leitão, disse no seu discurso que as “políticas de justiça de transição do Brasil foram desmanteladas nos últimos anos, seja por meio de fundos insuficientes ou a substituição de membros especializados por membros que não tem nem experiência e nem afinidade com o assunto”.

“O governo brasileiro tem insistido reiteradamente numa mudança de narrativa inquietante sobre as atrocidades cometidas durante a última ditadura, incluindo a instrução aos militares para comemorar o golpe de 31 de março de 1964”, pontuou.

Ele ainda lembrou dos problemas criados pela Lei da Anistia. “Isso levou à impunidade de vários crimes cometidos pelo estado durante a ditadura. Em outras palavras, gera uma instância de auto-anistia, frente aos agentes do estado que claramente é contrair aos padrões da ONU”, concluiu.

O relator da ONU seguiu criticando a postura do governo Bolsonaro avaliando que, sem um pedido oficial de desculpas, jamais haverá um processo de reconciliação entre vítimas e estado.

“Se no lugar de pedir desculpas se nega os fatos e se questiona o trabalho da Comissão da Verdade, então as vítimas voltam a ser vítimas. E isso é inaceitável”, disse.

“Uma sociedade escolhe. Mas os governos são os que propõem os valores. As vezes, temos que escolher entre a humilhação e negação ou a Verdade e Justiça, e isso é responsabilidade de todos”, concluiu.

Ainda segundo informações do UOL, Salvioli fez um pedido para vir em missão ao Brasil investigar a situação dos mecanismos de Estado, criados para apurar os graves crimes de violação aos direitos humanos ocorridos na ditadura, mas o governo Bolsonaro tem ignorado o pedido.

Foto: Cena do filme Terra em transe, de Glauber Rocha

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