Para pesquisadora em Relações Internacionais, discurso do presidente se voltou ao eleitorado interno com nacionalismo abstrato
por Victor Ohana, em CartaCapital
Apesar da estratégia defensiva e enfática sobre a Amazônia, o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na abertura da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) não deve amenizar as pressões internacionais em relação aos escândalos que envolvem a floresta. Esta é a análise da doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Anna Saggioro Garcia.
Na visão da pesquisadora, o discurso de Bolsonaro se baseou em três eixos. O primeiro foi a aposta em se dirigir ao núcleo duro que o apoia no Brasil. A estratégia foi observada pelos ataques aos países de orientação socialista, como Cuba e Venezuela. Já no início do discurso, o presidente usou o programa Mais Médicos para acusar Cuba de “ditadura”.
“Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles [os médicos cubanos] deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano”, discursou Bolsonaro. “Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana 300 milhões de dólares todos os anos.”
Segundo a professora, a estratégia está alinhada com correligionários estadunidenses. A tática de Bolsonaro em utilizar o programa Mais Médicos para atacar a aliança com Cuba é semelhante a de neoconservadores americanos que se referem ao programa ObamaCare como tentativa de implantação do socialismo nos Estados Unidos.
“Ele fez um discurso que ainda se volta ao seu eleitorado interno. O público ideologicamente mobilizado por ele continua sendo endereçado por essas falas, mesmo num fórum tão ampliado como o das Nações Unidas”, avalia.
O segundo eixo da postura do presidente brasileiro é o defensivo, em relação aos escândalos ambientais. Em discurso, o presidente se referiu indiretamente à França, ao dizer que determinado país promoveu falácias e teve postura desrespeitosa com o Brasil.
“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, disse Bolsonaro.
Para a professora, Bolsonaro foi na contramão de discursos de gestões anteriores, que se basearam em estímulos à cooperação internacional neste âmbito. A escolha foi usar tom firme para acusar a Europa de colonialismo e reivindicar o nacionalismo brasileiro de forma abstrata, ou mesmo contraditória à conduta submissiva do Palácio do Planalto em relação ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Ele utilizou esta tática que ele vem apresentando, de defender a sua política ambiental sem nomear medidas específicas e de resgatar o nacionalismo de forma muito abstrata, contra supostas forças externas a ONGs e países europeus”, examina Anna Saggioro Garcia.
O terceiro aspecto apontado pela pesquisadora foi a cooptação da pauta indígena. Ao exaltar a presença da youtuber indígena Ysani Kalapalo e ler uma carta escrita por membros de comunidades, o chefe do Planalto evidencia sua estratégia em incorporar representações de minorias para deslegitimar acusações sobre supostas ameaças de Bolsonaro às lutas identitárias.
Em conjunto, diz a pesquisadora, Bolsonaro pode ter se saído bem em agradar sua base no Brasil, no entanto, a adoção da retórica divisionista não deve ajudá-lo a deter o crescente descontentamento internacional em relação à sua conduta ambiental.
“Ele foi bem no sentido de se colocar de forma enfática, pois se apresentou como realmente é e não tentou ser ninguém diferente. No entanto, enquanto manteve a base ideológica muito forte no discurso, não fez esforços em apontar concessões e consensos. Não deve amenizar as pressões de forma nenhuma, pois ele coloca ênfase nas divisões, retornando à ideia de socialismo contra capitalismo, utilizada na Guerra Fria”, considera.
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