Davi Kopenawa e a queda do céu

Além de ser um bom sinal, é mais do que necessário o líder yanomami Davi Kopenawa ter recebido o prêmio Nobel Alternativo, dada a atual situação da Amazônia, escreve Thomas Milz

por Thomas Milz,em Deustche Welle

Ontem de manhã, acordei com a notícia de que Davi Kopenawa recebeu o Right Livelihood Award, conhecido como Prêmio Nobel Alternativo, junto a Greta Thunberg e outros dois ativistas. Fico feliz de, três anos atrás, ter tido a honra de conhecer melhor Kopenawa. Na ocasião, ele me levou a uma viagem pelas florestas de Roraima, onde conheci sua aldeia natal.

O tempo que passei entre essas pessoas tão amigáveis, mas também tão estranhas para mim, conta entre minhas vivências mais impressionantes. Em seu livro A queda do céu, Kopenawa narra a crença de que o céu entraria em colapso se um dia a floresta, que é seu pilar, desaparecer.

A luta dele pela proteção de seu povo e sua cultura me pareceu, em alguns aspectos, bem radical. Acho difícil dizer quanto as culturas indígenas devem ser protegidas da sociedade moderna e seus perigos. Mas nem eu nem outros brancos temos que responder a essa pergunta: os povos indígenas devem decidir por si próprios.

Poucas horas antes do anúncio do prêmio a Kopenawa, o Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica (Cimi) apresentou seu relatório anual em Brasília. O documento está cheio de relatos e estatísticas sobre o aumento da violência contra os povos indígenas no Brasil.

De fato, a Constituição brasileira, à qual autoridades como o presidente Jair Messias Bolsonaro prestaram juramento, garante aos indígenas o direito a seus territórios tradicionais. No entanto, como se pode ver no destino dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul, o direito consignado pouco importa mesmo diante do tribunal.

Quase simultaneamente à apresentação do relatório do Cimi, o presidente Bolsonaro dizia perante a ONU e os olhos do mundo que outro líder indígena, o cacique Raoni, foi usado como “peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”.

Em seus mais de 30 anos como pessoa pública, Kopenawa teve que escutar coisas semelhantes. Recentemente ele alertou para a presença de milhares de garimpeiros na área da Terra Indígena Yanomami (TI Yanomami) e, após ameaças de morte, teme até por sua vida.

É insuportável o ódio que atualmente atinge quem se engaja pela preservação da natureza. Isso se aplica a Greta Thunberg, insultada e ridicularizada, também por conhecidos meus, nas redes sociais, da mesma forma que Kopenawa e o cacique Raoni.

Em minha opinião, sobretudo entre sociedades e pessoas que se declaram profundamente cristãs, esse ódio contra ativistas ambientais é indesculpável. Talvez elas tenham lido apenas o colérico Velho Testamento, não o libertador Novo Testamento, com sua mensagem conciliatória.

Mais tarde, ao ir comprar pão, encontrei um conhecido que me expôs suas preocupações. Ele me perguntou qual seria o interesse da França na Amazônia, afirmando não ver aí nada de bom. Meu conhecido nunca esteve na Amazônia, acho que nunca saiu do Rio de Janeiro. Ele recebe suas informações sobre o mundo através de grupos do WhatsApp.

Ele gosta dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, não sabe que este último ofereceu ao primeiro uma parceria na exploração industrial da Amazônia. Todos sabemos como a sociedade está polarizada e quão difícil ou mesmo impossível é travar uma discussão sensata. Por isso, disse-lhe simplesmente: “Fique tranquilo, não será a França que vai acabar com a Amazônia.”

Lembrei-me do despejo na Floresta Nacional do Bom Futuro, em meados de setembro, quando a polícia expulsou centenas de pessoas sem terra. Eles se declararam apoiadores do presidente Bolsonaro, a quem apelaram para que ele lhes cedesse terras, que cultivariam para prover alimento para suas famílias. Mas é claro que isso seria “comunismo”, razão pela qual é improvável que o governo os ajude.

Pelo contrário: se – em vez de numa “terra da União”, como a referida unidade de conservação – penetrarem em propriedade privada, estão ameaçados de levar um tiro. Pois, para combater a ação dos sem-terra, o governo recentemente liberou a posse de armas de fogo em terras agrícolas.

Davi Kopenawa também está comprometido em garantir o futuro de sua família e de seu povo. Foi graças aos esforços dele que, em 1992, o então presidente Fernando Collor de Mello homologou o território da TI Yanomami. Perante a ONU, o presidente Bolsonaro mencionou precisamente essa Terra Indígena como um exemplo de como os índios dificultam o progresso econômico do Brasil.

Mais de uma vez, eu também tive de presenciar como esse suposto progresso desenfreado afeta sociedades indígenas. Dias depois de visitar a aldeia de Kopenawa, deparei-me numa via vicinal perto de Boa Vista com um grupo de yanomamis que havia decidido tentar sua sorte fora da Terra Indígena. Alcoolizados, pediam dinheiro na beira da estrada. Eles foram expulsos e insultados.

*Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a emissora Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

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