Brasil terá a maior delegação no Sínodo da Amazônia; religiosos denunciam violência e destruição do meio ambiente

De 6 a 27 deste mês acontece no Vaticano o Sínodo para a Amazônia, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. O encontro de 250 bispos foi convocado em outubro de 2017 pelo Papa Francisco, e as discussões ocorrerão em torno da presença da igreja na região e também a formação de padres. Bispos de nove países que fazem parte da floresta (Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname) vão levar ao papa as demandas dos povos tradicionais da região. O Brasil terá a maior delegação, com 118 integrantes, sendo 56 bispos da região amazônica.

por Pedro Calvi / CDHM

Nesta terça-feira (1º), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fez audiência pública para ouvir religiosos e sociedade civil sobre a importância do encontro em Roma. O debate foi realizado em parceria com a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA).

Dom Evaristo Spengler, bispo da Prelazia do Marajó (PA), afirma que não existem duas crises na região, uma ambiental e outra social. “É uma crise só, socioambiental. Ela é provocada pelo modelo de desenvolvimento na Amazônia, que é predatório com cinco atividades básicas que são a extração de madeira, pecuárias extensivas, mineração, monocultura e geração de energia”. O religioso destaca que esse formato tem consequências para a população local como grande êxodo rural, impactos sobre os rios, clima e ciclo das chuvas. “Além disso, a área desmatada hoje concentra 9 entre 10 mortes de defensores dos direitos humanos e fez aumentar o número de casos de abuso sexual, prostituição infantil e tráfico de drogas”.

Spengler sustenta um modelo de desenvolvimento socioambiental com articulação entre o meio ambiente e o crescimento econômico, “com a produção ecológica de açaí, castanha, cacau e óleos, por exemplo. Sem falar o potencial farmacológico que tem só 5% do potencial pesquisado. Esse seria um modelo de redistribuição de renda, cultivado por indígenas, quilombolas, agricultores familiares. Gera muito mais riqueza e beneficiaria mais de 300 mil pessoas e sem derrubar a floresta”. Ele pediu que a CDHM proteja os defensores de direitos humanos e ambientais que “são cada vez amis ameaçados e criminalizados”.

A exploração sistêmica da biodiversidade da região é lembrada também por Manoel Andrade, coordenador do Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAZ) da Universidade de Brasília. “É um modelo baseado no latifúndio, na concentração de riquezas através da monocultura e mineração, com a destruição dos recursos naturais e das lideranças. Isso é uma marca que vale para todo o país e isso deve ser mudado, porque destrói a base importante de sustento de uma sociedade, que são seus próprios recursos”. O pesquisador sugere políticas públicas que fortaleçam o nível de informação e escolaridade dos povos tradicionais, pois, dessa forma, “a população pode fazer uma análise crítica dessa realidade”.

Construção

De junho de 2018 a abril deste ano foram feitas, nos nove países que integram a região Pan-Amazônica, uma série de atividades para levantar as  demandas dos povos amazônicos como indígenas, ribeirinhos, quilombolas, mulheres e jovens. No total, ocorreram 57 assembleias, 21 fóruns nacionais, 17 fóruns temáticos e 179 rodas de conversa. Só no Brasil foram 182 atividades.

“Estamos preparando um relatório sobre direitos humanos na Amazônia com a participação de deputados de vários partidos, para entregar à Rede Eclesial Pan-Amazônica, junto com os relatórios das diligências que a Comissão fez este ano na região, no Amapá, Amazonas e Maranhão”, explica Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM. O deputado acrescenta: “Para os bispos, a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, além da violação sistemática dos direitos dos povos dessa região como direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios”.

“Nos escutem, e não nos matem”

Martha Bispo, secretária-executiva da Regional NE 5 da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, diz que “ainda estamos caminhando para que os povos da Amazônia se libertem da escravidão, mortes, desmatamento e exploração”. Para ela, a região é um chão ainda desconhecido pela maioria dos brasileiros: “É preciso conhecer os sonhos e esperanças dos nossos povos. Nos escutem, e não nos matem. Não queremos uma Amazônia dos Estados Unidos ou europeia, mas sim uma Amazônia brasileira”.

 “É uma história de exploração de muitos anos e os indígenas continuam sofrendo até hoje, principalmente porque o governo federal incentiva a violência contra os povos tradicionais”, ressalta José Ricardo (PT/AM). O parlamentar defende também outras formas de desenvolvimento. “Os ribeirinhos pouco se beneficiam da Zona Franca, por exemplo. Há muita cobiça externa e interesse econômico”.  

Cleber Buzatto, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apresenta números da violência contra os povos indígenas, que estão em um relatório apresentado semana passada: “Em 2017 foram 110 assassinatos e 135 em 2018. Nesse mesmo ano, foram 109 casos de exploração e invasão ilegal de terras indígenas em 13 estados e, até setembro de 2019, já são 160 invasões em 19 estados”. Para o especialista, isso é resultado “dos discursos do presidente da República, que são combustível para incentivar situações de violência e crimes contra indígenas”. 

Fogo

Por três semanas em agosto, florestas e matas da região estiveram em chamas. O fogo se estendeu pelo Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, incluindo áreas da Amazônia e do Pantanal. Foi o pior mês para a Amazônia desde 2010. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de queimadas na região triplicou em relação a agosto do ano passado, passando de 10.421 em 2018 para 30.901 em 2019. O recorde anterior, há nove anos, foi de 45.018 focos de incêndio na parte brasileira do bioma. Esses incêndios também atingiram a tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Paraguai, e consumiram mais de 20 mil hectares de vegetação.

“O fato é ainda mais grave se levarmos em conta que os incêndios podem ser uma ação combinada por ruralistas e grileiros. A região é, também, líder nos conflitos agrários, a disputa por terras é questão grave e vem ceifando vidas ao longo dos anos, basta lembrar do massacre de Eldorado dos Carajás e do Assassinato de Dorothy Stang e de Chico Mendes”, conclui Helder Salomão.

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