Terras indígenas concentram 7% das queimadas e 23% da Amazônia; entenda como elas protegem a floresta

Rondônia perdeu 35% de sua área desde 1985, enquanto os karipunas, território mais afetado do estado em 2019, perdeu apenas 2,3%. G1 viajou de Porto Velho até a fronteira com a Bolívia para mostrar realidade fora do território protegido.

Por Carolina Dantas, G1*

As terras indígenas concentram quase um terço do território onde a floresta ainda sobrevive e 23% da área da Amazônia. Do outro lado, respondem por apenas 7% do que queimou neste ano e, junto com as unidades de conservação, ganham importância na proteção da vegetação a cada ano.

Para mostrar a diferença entre as áreas demarcadas e não-demarcadas e o impacto das queimadas nos territórios indígenas, o G1 viajou até Rondônia e visitou a terra Karipuna. Homologada desde 1998, é o território indígena mais afetado por queimadas do estado e mais ameaçado do Brasil – tem o maior número de focos próximo à fronteira.

A terra fica em Nova Mamoré e Porto Velho. Juntos, os municípios concentram 44% do que queimou no estado, enquanto a terra Karipuna representa 0,64%. Outra terra localizada em Rondônia, os Uru Eu Wau Wau representam 7% da área de Rondônia e 0,55% do que foi queimado.

“Nós temos um cinturão verde gigantesco, que pega já do início ali da Bolívia, que margeando o Rio Guaporé até chegar o Mato Grosso. As unidades e as terras indígenas vão emendando uma na outra”, disse Marcos De Souza Trindade, da coordenadoria de proteção ambiental da Secretaria do Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).

Durante os 10 dias em que esteve na região, o G1 conversou com lideranças Uru Eu Wau Wau e Karipuna. O índios relatam ameaças, invasões, grilagem e desmate dentro de suas áreas, apesar de a Constituição ser bem clara: “As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena”.

“A vida dos indígenas virou um inferno. Eles sempre sofreram invasões, mas nos últimos seis meses elas se acentuaram a ponto de os invasores estarem a 4 quilômetros da aldeia. Cravejaram de bala as placas da Funai”, conta Ivaneide Bandeira Cardozo, da coordenação-geral da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental.

Do lado de fora

Dentro da demarcação, os índios são ameaçados, mas podem fazer denúncias amparados na Justiça. Neste ano, A Polícia Federal fez operações dentro das terras Karipuna. Uru Eu Wau Wau e Sete de Setembro;

  • Em 19 de setembro, a PF apreendeu maquinários usados para a extração de madeira na terra Karipuna;
  • Em 17 de setembro, a PF junto com ICMBio e Exército cumpriu 20 mandados judiciais – 4 de prisão, 8 de busca e apreensão e 8 sequestros de bens por grilagem dentro dos Uru Eu Wau Wau;
  • Em 11 de setembro, a Funai realizou a prisão de 4 pessoas por crime de extração ilegal de madeira na terra Sete de Setembro;
  • Em 17 de junho, a operação SOS Karipuna passou a cumprir 4 mandatos de prisão temporária, 5 de preventiva e 15 de busca apreensão por loteamento e comercialização ilegal de lotes no território.

As operações, de acordo com Bitaté Uru Eu Wau Wau, chefe da Associação do Povo Indígena Uru Eu Wau Wau, ajudam a afastar os invasores, mas eles sempre voltam. Ivaneide, da associação Kanindé, diz que falta “prender os cabeças”.

“Pior ainda é a situação dos indígenas com terras ainda não demarcadas. De todas, são as mais frágeis. São sete povos em Rondônia” – Ivaneide Bandeira Cardozo, da coordenação-geral da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental

Do lado de fora das terras homologadas pelo governo, a Amazônia Legal precisa respeitar a proteção de 80% de reserva legal em propriedades privadas. No caminho de Porto Velho até a Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia, o G1 percorreu duas rodovias constantemente dominadas pela pecuária.

Mesmo após dois dias de chuva forte, o G1 flagrou três focos de queimadas. No trajeto, poucos pontos de mata fechada, cenário oposto ao que foi visto na terra Karipuna. O trajeto da BR-425 e da BR-365 é próximo ao território, o mais ameaçado em seu entorno do Brasil.

  • Rondônia soma 7% do que queimou no Brasil
  • Foram 10.347 focos desde janeiro
  • De tudo o que queimou na Amazônia, 15% estavam no estado
  • Apenas 5% dos focos do estado estavam em terras indígenas
  • Outros 38% em Unidades de Conservação
  • Todo o resto, 57% do que queimou, estava em áreas não preservadas

Independentemente de respeitar ou não a reserva da Amazônia Legal, muitas das terras disponíveis no bioma foram ocupadas de forma irregular. Por isso, lotes ainda não têm documentação válida, o que dificulta a cobrança por proteção ambiental. Como culpar o desmate em uma terra da União se ninguém conhece o dono?

Criado há 7 anos e regulamentado há 5, o Cadastro Ambiental Rural é um dos mecanismos para resolver a questão. Trata-se de um registro público eletrônico, inspirado no sistema da Receita Federal, em que os donos de terra precisam declarar a propriedade e ceder as informações ambientais sobre ela. Isso gera uma base de controle, que pretende ajudar, entre outras metas, no controle ao desmatamento.

Desde a implementação, a autodeclaração e o custo para a regularização da terra causou uma sobreposição sobre territórios. Em 2017, por exemplo, um levantamento do G1 apontou 11 mil declarações de propriedade em terras indígenas.

Além disso, um problema mais recente é a paralisação do Fundo Amazônia. Os estados foram afetados, entre outros projetos, na manutenção e no avanço do CAR. Trindade, da Sedam, diz que a situação afeta também a fiscalização.

“Nós tínhamos uma aeronave que era bancada pelo Fundo Amazônia, que ajudava a fiscalizar Unidades de Conservação e seu entorno. A partir do momento que você tem um banco de dados alimentado pelo CAR, de certa forma bancado pelo Fundo, ele está ajudando na fiscalização de uma forma indireta”.

Para o coordenador da secretaria estadual, o dinheiro não ajudava apenas na fiscalização ambiental do estado, mas também “execução, administração, coleta de dados e todo um aparato”.

*Colaboraram Daniele Lira e Diêgo Holanda

Mensagem das lideranças reunidas na aldeia Panorama, na Terra Indígena Karipuna. Foto: Fernanda Ligabue/Greenpeace

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