Por Mateus Muradás
A comissão organizadora da Festa Literária de Paraty optou por homenagear Elizabeth Bishop em 2020. A poeta viveu no Brasil por 15 anos e foi uma entusiasta da ditadura Militar no período. Nessa mesma linha de narrativa, Jair Bolsonaro foi convidado para abrir o evento.
A FLIP é um evento que ocorre na cidade de Paraty em meados de Julho, desde 2003, e que tem marcado a cena cultural literária do país. Se em outros anos, a FLIP homenageou Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Hilda Hist e Lima Barreto saudando a literatura modernista brasileira, em 2020 a pedido da comissão da festa, a FLIP deu um giro de 180° e inclinou sua narrativa para o neo-conservadorismo brasileiro. Por que optou por Bishop e convidou Jair Bolsonaro para abrir o evento?
A FLIP sempre foi um local elitizado e excludente. Com pousadas, bares e passeios caríssimos, Paraty opta por selecionar seu público pela renda e tem se tornado ano após ano destino nas férias de Julho, para as classes médias das três maiores metrópoles, São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Se por um lado durante o festival visitam a cidade atores globais, personalidades da literatura, intelectuais e escritores de todos os gêneros, de outro a classe média sudestina toma conta da cidade. O que aconteceu nos últimos anos é um choque cultural entre esses dois grupos visitantes do local. Uma classe média imbecilizada pelo fascismo e uma elite intelectual progressistas.
Principalmente os escritores periféricos, proveniente dos saraus e slams das grandes cidades, literalmente ocuparam a FLIP, levando a narrativa cultural periférica ao eixo central da festa. Os temas da poesia periférica passam pelo retrato da vivência dos negros, das mulheres, da população LGBTQ e periférica. A poeta Mel Duarte foi um dos destaques da FLIP de 2018 quando declamou suas poesias relatando a realidade da mulher negra. Foi e é maravilhosa, seus projetos culturais em São Paulo, com o Slam Das Minas e poetas ambulantes, são exemplos de como a literatura está ganhando as periferias e os espaços de elite também.
Em 2019, esse conflito entre classe média e intelectuais quase se converteu em uma batalha campal. Em uma das atrações paralelas do evento, Glenn Greenwald, jornalista do The Intercept, palestrou para milhares de pessoas. Enquanto sua palestra ocorria, fascistas de Paraty ligaram um mega som, bradando gritos de ordem, cantando o hino Nacional e soltando fogos para atrapalhar a palestra. Típica ação intolerante, reacionária, burra e fascista!
No meio deste embate está a população de Paraty que, em 2018, 70% de seus eleitores optaram por Jair Messias Bolsonaro. Logo conclui-se que a maioria em Paraty é fascista e seu público também. A pergunta que provavelmente foi feita pelos organizadores foi, como expulsar os escritores e artistas progressistas da FLIP? Como fazer uma FLIP sem escritores, sem intelectuais, que mova o turismo e não atraiam os “comunistas”? A resposta entre os organizadores deve ter sido: Chamando o Fuher tropical Jair Bolsonaro para abrir o evento e homenageando uma entusiasta da ditadura!
Paraty fez essa opção, eles querem expulsar os intelectuais. Sinceramente, esperamos que de fato consigam este objetivo. Não porque os escritores estejam errados, não, muito pelo contrário! Mas Paraty precisa sentir a falência que foi ter se inclinado ao fascismo. O turismo precisa sentir, as pousadas, os bares, enfim…
Provavelmente, em 2020 teremos uma segunda grande queima de livros, como na Alemanha de Hitler ou outros atos típicos de fascistas. De duas, uma, ou os escritores irão boicotar a FLIP ou irão fazer resistência através da arte dentro do próprio festival. Torcemos pelo boicote, Paraty precisa sentir o baque, eles escolheram o fascismo. E nós, vamos continuar escolhendo Paraty?
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ivanete Santos.
Destaque: Cena do filme Fahrenheit 451