A política anti-direitos humanos de Bolsonaro

Em entrevista, Leandro Gaspar Scalabrin fala sobre desafios e impasses dos Direitos Humanos no Brasil

Por Fernanda Alcântara, na Página do MST

Encarceramento em massa, desigualdade, racismo, violência, conflitos de terra e ataques à população indígena. São muitos os problemas enfrentados hoje que atingem diretamente o que conhecemos como os Direitos Humanos.

Em todo o país, o medo dos rumos que estamos seguindo diante destes conflitos e privações está iminente, graças à políticas que negligenciam desde as mudanças climáticas até os valores humanos, constantemente sob ataque.

Neste 10 de dezembro, consagrado como o Dia Mundial dos Direitos Humanos, o advogado Leandro Gaspar Scalabrin, membro da Mesa Diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) representando a Via Campesina, fala sobre os desafios e perspectivas dos Direitos Humanos na atual conjuntura.

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em breve completará 10 anos. Como você avalia os avanços no Brasil neste período?

Nós temos muito pouco o que comemorar. Desde 2016 estamos em uma espiral de retrocessos e violações de Direitos Humanos. Tivemos o golpe, que destituiu o mandato legítimo da presidenta Dilma, a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos em saúde e educação por 20 anos, a Reforma Trabalhista, com a retirada de um conjunto de direitos trabalhistas, e, por fim, a reforma da previdência, onde também são retirados um conjunto de direitos previdenciários de toda a população brasileira. Assim, nos últimos 4 anos, e agora com os 10 anos do PNDH-3, temos muito pouco a comemorar e bastante retrocessos no campo dos direitos humanos a elencar.

A pauta sobre os direitos humanos está muito em evidência diante da política do atual governo. Como você vê o debate que está sendo feito hoje sobre isso?

O governo Bolsonaro pratica uma política anti-direitos humanos. Esse governo não só não implementa o PNDH-3, como construiu um conjunto de medidas em todos os seis eixos do Plano. A pedido do CNDH, foi emitido um parecer onde se constatou isso: que além do governo não tentar colocar em prática as ações, todas as implementadas até hoje contrariam este PNDH-3. Eles ainda não revogaram formalmente o Plano, talvez não tenham coragem já que eles ainda citam o PNDH nos documentos internacionais que mandam às Nações Unidas, mas contrariam todas as diretrizes.

O que se tem feito dentro do Governo é o que eles chamam de “direitos humanos 4.0”, uma nova agenda de diretrizes. Aqueles que acusam a “ideologização” são os que mais fazem uso ideológico deste espaço, a tal ponto de moldarem as tarefas à sua própria agenda, particularizando estas temáticas. Então este “direitos humanos 4.0” não discute mais temas que estão relacionados aos direitos civis, de cunho políticos, econômicos, sociais, culturais, os novos direitos; mas colocam família e corrupção como temas centrais.

Quais ameaças estão colocadas aos Direitos Humanos no Brasil atual? Quais grupos estão mais ameaçados?

Essa política anti-direitos humanos fragiliza principalmente as populações do campo e as populações mais vulneráveis, especialmente os povos indígenas e quilombolas, que estão extremamente ameaçados em razão do descumprimento da Constituição que indica a demarcação de suas terras. O anúncio da total paralisação da Reforma Agrária e da criminalização dos movimentos populares afeta toda a população quando o governo se nega, por exemplo, a negociar com organizações que legitimamente reconhecidas pelo Estado, pelo Congresso e pelo mundo, tais como o MST.

Tanto os sujeitos dos direitos humanos quanto seus defensores estão ameaçados. E estes defensores são os sindicalistas, lideranças indígenas e de movimentos populares, de movimentos urbanos, de jovens que atuam em movimentos estudantis. Ou seja, todas as pessoas que militam, que defendem os direitos da população LGBT, o povo negro e as organizações que defendem a igualdade racial, a igualdade de gênero, estão ameaçadas por esta conjuntura.

O que podemos observar é que a revisão das políticas públicas que causaram o retrocesso dos direitos foi consenso na sociedade porque há uma narrativa que conseguiu se afirmar de culpabilização das pessoas que defendem estes direitos. As mulheres, os jovens, os negros, os sem-teto, e também os defensores destes direitos, entidades, organizações, promotores, juízes, advogados, psicólogos, assistentes sociais, agrônomos, engenheiros, enfim, todos eles estão sendo perseguidos hoje, pelos meios de comunicação, pelo governo e pelas forças policiais.

Se advoga, por exemplo, o direito de matar pelas forças policiais, contra quem quer que seja, e há um recrudescimentos de todos os despejos no campo e cidade em todo o Brasil.

Qual o panorama da violência policial e o encarceramento em massa, tão em evidência nos últimos dias?

Violência policial e encarceramento em massa estão inseridos dentro da “política de lei e ordem”. Ela é uma tática fascista para se chegar ao poder e se manter, que tem sido realizada em vários países, como Estados Unidos, Polônia, Índia e agora no Brasil também, segundos pesquisadores do tema. Essa defesa incondicional do encarceramento em massa e da violência policial como forma de contenção as violência urbana é, na verdade, uma reação da incapacidade do estado contemporâneo de vários países do porque estes não conseguiram efetivar o direito humano à segurança pública, que é um direito civil, de primeira geração, que está esculpido lá na Declaração dos Direitos Humanos.

São 71 anos desde a Declaração de Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948, e o direito à vida e à segurança pessoal ainda não são plenamente efetivados em países como o Brasil, aonde saltam aos olhos estes números alarmantes sobre a violência contra as pessoas.

O descumprimento deste direito à proteção, que gera esta narrativa e esse espírito de época, possibilitou a esses grupos que defendem políticas fascistas a propor e convencer grandes partes de segmentos da população de que a solução é o encarceramento em massa e a violência policial. Nós temos visto que isso não tem melhorado e sequer efetivado a garantia de direito à vida das pessoas, muito pelo contrário: tem aumentado o número de vítimas. Então além da população sofrer injustiças praticadas nos seio da sociedade civil uns contra os outros, nós temos ainda as vítimas da violência policial, que cada vez aumentam mais.

Quais os desafios para os próximos anos no avanço dos Direitos Humanos Universais?

Gostaria de apontar alguns desafios no próximo período; o primeiro deles envolve tentar se unificar em alguns pontos de uma agenda comum de direitos humanos para enfrentar esse período.

Precisamos ainda pensar estratégias de resistências para continuar participando e defendendo cada movimento, cada entidade e pautas específicas de direitos humanos nesta conjuntura, nos canais de participação que ainda restaram, porque um dos grandes ataques que o atual governo fez com sua política anti-direitos humanos inclui o cerceamento da participação da sociedade civil. Esse governo fechou inúmeros conselhos por decreto, cassou mandatos, nomeou presidentes biônicos nestes conselhos participativos, enfim, restringiu e está impedindo a participação no âmbito do Estado. Então este, pra mim, é um dos grandes desafios da sociedade: conseguir existir nestes espaços neste contexto de violência.

Um terceiro desafio seria pensar uma política de segurança pública que, alinhada com os direitos humanos, assegure o direito à vida de uma outra maneira que não esta proposta de “lei e ordem”, uma das facetas do fascismo que estão sendo propagadas no mundo todo como a saída para o problema da violência nas grandes cidade.

Outro desafio é precisamos dialogar com o povo, fazer trabalho comunitário e de base, educação popular para cidadania e direitos humanos. Enquanto o povo brasileiro continuar pensando pelas fakenews, que os direitos (trabalhistas, previdenciários, de participação,…”) prejudicam e são contrários aos seus interesses, como está acontecendo agora, não conseguiremos ter avanços significativos nos direitos humanos no Brasil.

Leandro Gaspar Scalabrin, membro da Mesa Diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Foto: Arquivo pessoal/ Leandro Scalabrin

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