Por Camila Piccolo, no Rio On Watch
No dia 14 de dezembro, um grupo de 30 moradores da favela da Rocinha, Zona Sul, se reuniu na paróquia local, Nossa Senhora da Boa Viagem. A maioria estava preocupada. Muitos temiam remoções em meio aos ambiciosos planos de desenvolvimento do governo. Pelo terceiro mês consecutivo, o Rocinha Sem Fronteiras, um grupo comunitário que se reúne mensalmente para discutir questões de moradores, se reuniu para debater o provável impacto massivo do programa Comunidade Cidade, proposto pelo estado.
Entre as promessas de campanha do Governador Wilson Witzel, o plano de urbanização de R$1,5 bilhão abordará ostensivamente os problemas de infraestrutura e saneamento em três favelas do Rio: Rocinha; Complexo da Maré e Salgueiro, localizado ao lado da Tijuca, Zona Norte. Embora as autoridades ainda não forneceram planos detalhados, o programa ganhou seu próprio subsecretariado em 16 de dezembro. O projeto está previsto para começar na Rocinha, mas não foi dada uma data de início.
Embora a Rocinha tenha recebido dezenas de programas de urbanização e renovação no passado, muitos nunca foram concluídos, contribuindo para a falta de confiança dos moradores nas autoridades governamentais. Comunidade Cidade agora promete ser o maior projeto de renovação até hoje e mudará profundamente a forma da Rocinha nos próximos três anos. Além da desconfiança no governo, os moradores agora temem pelo número de famílias ameaçadas de remoção.
“Temos que mobilizar os outros moradores“, disse um participante da reunião. “Eles (o Estado) vão fazer o projeto do jeito deles, vai ser um projeto politico. A tendência é piorar se os moradores deixarem isso acontecer”.
O Governador Witzel havia anunciado a remoção de cerca de 7.000 moradores, mas as autoridades confirmaram mais tarde que o valor se aplicava à famílias e não indivíduos. Segundo o Defensor Público Luiz Gustavo, presente na reunião do Rocinha Sem Fronteiras, 7.400 famílias serão removidas para dar espaço às obras do Comunidade Cidade —até 30.000 moradores. Embora organizações comunitárias frequentemente contam a maior favela do Rio com 200.000 habitantes, dados oficiais dizem que existem cerca de 100.000 moradores na Rocinha, o que significa que algo entre um terço e um sexto do bairro pode enfrentar remoção.
O estado sustenta que procurará fornecer moradias alternativas para os removidos na forma de 18 blocos de apartamentos, cada um com 10 andares de altura. Mas Gustavo alertou que os apartamentos propostos serão insuficientes para abrigar todas as famílias afetadas: muitos serão forçados a deixar a comunidade. Enquanto isso, as famílias realocadas receberão indenização com base nas avaliações de cada residência. Moradores se perguntavam se os que ficassem poderiam se dar ao luxo de morar nos novos apartamentos, uma vez que os edifícios podem incorrer em novas despesas, como porteiros, elevadores, manutenção e custos de limpeza.
Os moradores agora estão lutando para obter mais informações. Falando na reunião do Rocinha Sem Fronteiras, Gustavo disse que havia solicitado e obtido um CD produzido pelo estado com informações mais detalhadas, mas o disco estava danificado e inacessível. Além disso, a coordenadora do projeto Comunidade Cidade, Ruth Jurberg, recusou um convite para participar da discussão pelo segundo mês consecutivo.
Apesar de sua recusa em falar diretamente com moradores da Rocinha (ela falou pela última vez na Rocinha em setembro), Ruth apresentou recentemente o Comunidade Cidade em um seminário de planejamento urbano e regularização fundiária, em novembro. Falando na faculdade de direito do estado, EMERJ, no Centro do Rio, Ruth explicou alguns dos objetivos do projeto.
Comunidade Cidade pretende reconstruir a Rocinha de cima para baixo. Ele começará na Vila Cruzeiro (o ponto mais alto da Rocinha) e no bairro Labouriaux —que já foi ameaçado de remoção durante as Olimpíadas e as fortes chuvas de 2019— e terminará na parte inferior da favela.Ruth disse ainda que o saneamento seria um dos objetivos centrais do Comunidade Cidade, consumindo R$1 bilhão. O projeto visaria melhorar a coleta e reciclagem de lixo, aumentando o número de pontos de coleta na Rocinha e melhorando os onze existentes. O projeto também procuraria melhorar a rede de esgoto e o abastecimento de água da Rocinha. Atualmente, a comunidade possui várias cachoeiras de esgoto que afetam drasticamente a saúde pública e apenas 25% dos moradores da Rocinha recebem água tratada adequadamente; o projeto visa aumentar esse número para 60%.
Autoridades afirmam que o plano melhorará a mobilidade na Rocinha. De acordo com Ruth, o programa se concentrará em criar uma melhor malha de ruas, melhorar as rotas existentes e criar mais ruas orientadas para carros (reduzindo as vias de pedestre) que permitiriam circular ambulâncias, bombeiros e coletores de lixo. O projeto planeja ampliar ruas em áreas densas, a fim de melhorar a qualidade do ar e reduzir a umidade.
Até que os planos sejam formados com intensa participação de moradores, e então consolidados e oficializados, todavia a descrição do programa de Ruth soa vazia. Os moradores permanecem afastados dos planos para sua própria comunidade e, embora muitos concordem com a necessidade da Rocinha receber obras de melhorias no saneamento, entre outras demandas, as famílias continuam preocupadas com a única promessa clara feita pelas autoridades do Comunidade Cidade até agora: a de remoção.
Favela da Rocinha em contraste com os edifícios de São Conrado no Rio de Janeiro. Foto: Alicia Nijdam /Flickr