Não é que o Brasil tenha engatado a quinta marcha, diante dessa velocidade frenética dos fatos em fevereiro de 2020.
O Brasil perdeu o freio. Como um caminhão desgovernado. Naquele velho estilo rústico de um Alfa Romeo: de volta aos anos 60.
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Cid Gomes fez um alerta improvável, diante da normalização descarada de uma das milícias. Enquanto isso, a imprensa velhusca engata a terceira, na contramão.
IstoÉ está nas bancas a pedir impeachment de Bolsonaro: “Basta!” Um dia após a Folha desancar o presidente em editorial um tanto barroco.
Algo as elites vetustas pretendem inventar em meio a essa reação catatônica: Rodrigo Maia (pulando Mourão), Sergio Moro. Sim, Moro, em nome da segurança nacional.
Tudo muito certinho, muito asseado.
Só que, a esta altura, a hidra já multiplicou suas cabeças. Bolsonaro tem o apoio da gente armada — e agora encapuzada. Neste país de velhacos, uma multidão.
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Ontem escrevi um texto-relâmpago, logo após as primeiras notícias sobre Cid Gomes, quase executado com balas de calibre 40, de pistola: a arma das polícias. Defendi o senador.
Defendi pouco. Quando se está diante de momentos históricos algumas pessoas têm a capacidade de nos surpreender (até pelo passado pouco abonador, no caso) e tomar rapidamente a posição correta: de enfrentamento a quem seja a maior ameaça.
No caso, o milagre de multiplicação de milícias exemplificado pela polícia cearense, mascarada às vésperas do carnaval.
A polícia não se vestiu de indígena, a polícia não fez blackface: a polícia cearense virou milícia mascarada e ameaçou comerciantes e fez toque de recolher. E atirou no pulmão e na clavícula de Cid.
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Nem Maia nem Moro nem Huck têm a capacidade de dirigir este país na banguela. O Brasil caminha para uma guerra civil. Sem que a esquerda urbana acene para algum papel de protagonista nesse campo minado.
Será a extrema-direita contra a direita. Esta tentará resgatar a fórceps a aparência cínica de bons modos, enquanto a horda de fascistas histriônicos avacalha suas bibliotecas empoeiradas.
Não é à toa que o Senado, de Alcolumbre a Serra, alinha-se em apoio a Cid. Em torno de uma retroescavadeira — agora uma arma e ao mesmo tempo uma metáfora, uma metáfora, uma metáfora.
De onde pode vir algo diferente?
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Olhai os homens do campo. Nos dois polos do poder: dos ruralistas aos camponeses. O caminhão urbano está se espatifando e pouco restará de coeso naquelas geografias implosivas.
Serão os ruralistas o fiel da balança, com seu aparato de segurança privada? Os excessos dos latifundiários mobilizarão os povos do campo? (Quem estudou direitinho as revoluções à esquerda sabe de onde elas vieram.)
Palpite: os ruralistas sentem facinho o odor dos vencedores.
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Não nos impressionemos por mais uma noite de apatia registrada pelos brasileiros no Twitter, onde o futebol e o BBB alternam-se nos tópicos mais frequentes. Quem disputa de fato o poder (para além do país vetezeiro) sabe muito bem onde está pisando.
A ordem desses fascistas é esmagar os adversários. Eliminar. Enquanto os alienados de 2020 brincam de “cancelar” perfis, pichar personas, arrebentar simulacros. Nossos Quixotes tão orgulhosos, nossos projetos de Pirros.
A existência de Capitão Wagner, o líder da polícia-milícia cearense, basta para provar que o outro lado não está para brincadeira. Eles vêm para acelerar a destruição.
Saem as arminhas de cena, entram as armas.
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Cid Gomes entendeu a linguagem em curso. Tomou o megafone e levou murro e levantou uma cerca com… com uma retroescavadeira.
Os fascistas têm pistolas. Seus iminentes opositores, também.
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Do lado progressista, pessoas-muito-bem-intencionadas contentam-se em ficar pistolas com este ou aquele canalha conveniente, até que o último
dos Galos Doidos
seja enforcado
no último poste
a ser atingido
pelo caminhão desgovernado.
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Os buracos são de tiros. Foto: Bruno Itan. Fotógrafo e morador do Complexo do Alemão