“Quando a mulher indígena entrava no tribunal, mais de uma pessoa seria liberta”, diz pesquisadora em palestra sobre a busca por liberdade protagonizada por mulheres indígenas nos tribunais, no século XVIII

Entre 1680 a 1750, mais de 260 mil indígenas foram escravizados na Amazônia contra menos de 10 mil africanos, tidos, na época, como a mão de obra que prevalecia no Brasil.

Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 de março, o Ministério Público Federal (MPF) realizou, nesta segunda-feira (9), a palestra “Mulheres indígenas nos tribunais: demandas por liberdade na Amazônia portuguesa, 1706-1759”, em Belém. A pesquisadora Luma Ribeiro Prado, que ministrou a palestra com base em sua dissertação de mestrado, mostrou dados e análises surpreendentes sobre a escravização de indígenas, principalmente mulheres, no estado Grão-Pará e Maranhão, no século XVIII.

De acordo com a pesquisadora, a escravização de indígenas era predominante para a realização de funções, como trabalhos domésticos, plantações, extração de vegetais, carregamento e auxílio nas expedições. Para se ter uma ideia, dados revelam que, entre 1680 a 1750, mais de 260 mil indígenas foram escravizados na Amazônia contra menos de 10 mil africanos, tidos, na época, como a mão de obra que prevalecia no Brasil.

Apesar dos altos números, o estudo aponta que, nos anos 1706 e 1759, apenas 330 indígenas recorreram aos Tribunais da Junta das Missões, criados por portugueses e localizados nas cidades de Belém e São Luís, para solicitar o atestado de liberdade.

Para a mestre em História Social, é extraordinária a quantidade de mulheres que pediram o reconhecimento da liberdade. Do total de pessoa que demandaram por liberdade nos tribunais, aproximadamente 80% eram mulheres ou sujeitos associados a elas, dos quais não foi possível identificar o gênero.

Um dos motivos, segundo a autora, é a predominância de mulheres indígenas escravizadas trabalhando no ambiente urbano, em atividade da casa e de plantação. Outra explicação é a garantia dos direitos para seus descendentes.

“Quando uma mulher entrava no tribunal, não era apenas a liberdade dela que era demandada: era a liberdade dela e de seus descendentes. Era uma liberdade extensiva. Então mais de uma pessoa seria liberta. Eu acredito que o fato dela portar o ventre materno talvez mobilizava mais mulheres a optar por essa via de resistência à escravidão. Para as mulheres, essa questão do ventre era determinante”, revela Prado.

Dificuldade em acessar os tribunais – A análise salienta que o perfil do indígena escravizado que virou litigante é urbano. Um dos principais pontos é a questão do deslocamento para acessar aos tribunais, pois morar em Belém, São Luís ou nas proximidades facilitava a demanda.

Outras dificuldades que reforçam o número ínfimo de solicitações por liberdade são o reconhecimento do próprio indígena sobre a condição de cativeiro em que estava inserido, tendo em vista que muitos nasceram ali; acesso à informação sobre seus direitos previstos em lei; sair do cativeiro; e ter acesso ao canal institucional.

“A proporção de indígenas que acessavam os tribunais foi muito pequena pelo volume de trabalhadores escravizados […] por estarem inseridas em um contexto desfavorável, uma sociedade escravista, na qual colonos e coroa, sujeitos de maior poder, disputavam a exploração da mão de obra indígena”, conclui Luma Prado.

Assista aqui a palestra na íntegra.

Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação

Foto: Ricardo Stuckert / Dilvulgação

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