Indígenas de SP bloqueiam entradas de aldeias para evitar turistas e pedem ajuda no combate ao coronavírus

Apesar de necessário, interdição prejudica venda de artesanato; comunidade quer local para isolar quem venha a se contaminar pela doença. Indígenas gravaram vídeos na língua guarani sobre prevenção.

Por Kleber Tomaz, G1 SP

Para se protegerem do coronavírus em São Paulo, aproximadamente 600 indígenas do povo Guarani Mbya decidiram bloquear entradas e saídas das seis aldeias da comunidade onde moram, na Terra Indígena do Jaraguá, na Zona Norte da cidade.

Em um dos acessos, é possível ver um cartaz com a seguinte inscrição: “Atenção! Devido a pandemia do coronavírus, a Tekoa pyau, no Jaraguá, suspende temporariamente qualquer atividade de visita ou trabalho com grupos na aldeia”, informa o texto que termina com um agradecimento guarani: Ha´evete!,’ que significa ‘obrigado’.

Desde que a doença que afeta os pulmões atingiu a capital, os indígenas vetaram as visitas de turistas. São Paulo é o epicentro da pandemia no Brasil, respondendo pelo maior número de mortes e casos já registrados no país.

O bloqueio necessário para não expor os indígenas aos riscos de contraírem a Covid-19 prejudicou os negócios na comunidade. Uma das principais fontes de renda da região é a venda de artesanato a visitantes.

Até a publicação desta matéria, a comunidade havia informado que não tinha registro de casos confirmados da doença. Apenas um indígena teve gripe e foi isolado dos demais. “Não tem nenhum indígena com sintomas do coronavírus”, comentou Sônia.

Sem dinheiro para comprarem álcool em gel, máscaras e luvas, equipamentos de proteção individual para evitar o risco de contágio da Covid-19, indígenas fizeram uma vaquinha virtual por meio das suas redes sociais.

“As pessoas não têm dinheiro para comprar sabonete, material de limpeza, muito menos álcool gel”, fala a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL), uma das defensoras dos interesses indígenas em São Paulo. “São bem amontoadas as casas”.

Lá vivem pessoas que esperam arrecadar dinheiro, por meio de doações espontâneas, para tentar sobreviver a pandemia.

Como estão em isolamento, seguindo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), cabe às lideranças da comunidade comprar insumos, outros materiais de higiene e até alimentos.

Comunidade


A Terra Indígena Jaraguá é formada pelas seguintes aldeias:

  • Tekoa ytu
  • Tekoa pyau
  • Tekoa yvy pora
  • Tekoa itakupe
  • Tekoa ita wera
  • Tekoa ita endy

A região de começou a ser habitada em 1966, com a chegada de um casal de indígenas. Em 1987, uma aldeia foi reconhecida como terra indígena. Em 1996 foram criadas mais aldeias.

Nas páginas ‘Existe Guarani em SP’, no Facebook, e ‘Luta Parque Jaraguá – Guardiões da Floresta’, no Instagram, os indígenas também divulgam diversas informações de proteção contra o coronavírus, inclusive vídeos. Eles falam em guarani, com legendas em português:

“Use álcool gel”, “quando tossir ou espirrar, use papel e jogue no lixo”“lave bem as mãos”“não saia de casa” são algumas das orientações dadas por indígenas para indígenas.

Segundo as lideranças, na última segunda-feira (23) os indígenas começaram a ser vacinados contra outros tipos de gripe. Na região há uma Unidade Básica de Saúde (UBS) próxima que atende a comunidade.

Preocupados com a possibilidade de algum indígena contrair a doença, lideranças da comunidade se articulam com órgãos públicos para tentar viabilizar locais fora da região, que possam acomodar eventuais pacientes durante a quarentena ou tratamento.

Nesta semana, ele enviou ofícios para a Secretaria Municipal da Saúdeministérios Público Federal (MPF) Público Estadual, Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) pedindo providências.

“Estamos preocupados que esses órgãos tomem iniciativa depois de alguém morrer ou ser contaminado”, critica Thiago.

O que dizem

G1 procurou os órgãos para comentar o assunto e aguarda resposta de alguns. Outros responderam (veja abaixo):

Prefeitura de São Paulo

Secretaria Municipal da Saúde, órgão da prefeitura de São Paulo, enviou nota (abaixo) para informar que adotou medidas preventivas contra a infecção na comunidade indígena do Jaraguá:

“A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) por meio da Área Técnica de Atenção Básica informa que o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas do Ministério da Saúde e o Plano de Contingência Distrital para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Litoral Sul referem fortalecer os serviços de saúde para detecção, notificação, investigação e monitoramento de prováveis casos suspeitos. Estes planos não orientam sobre isolamento domiciliar fora do domicílio para casos leves. Há a orientação de internação para casos graves.

A Coordenadoria Regional de Saúde Norte está ciente das reivindicações dos indígenas e realiza levantamento dos espaços possíveis na região para adaptação podendo receber os indígenas sintomáticos respiratórios leves que necessitem de isolamento domiciliar temporário.

A pasta esclarece que foi antecipada a vacinação contra gripe para a população indígena priorizando os idosos, acima de 60 anos.

A equipe da UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe já desenvolve um trabalho junto as lideranças, de orientações de enfrentamento ao novo coronavírus e sobre a importância de ficarem restritos na aldeia, principalmente junto aos indígenas jovens, visando a conscientização sobre os riscos e a importância de seguir as medidas de prevenção para não favorecer a incidência da doença no território.”

MPF

Por mensagem, a comunicação do Ministério Público Federal de São Paulo informou que recebeu a representação da comunidade indígena e já está tomando providências:

“A representação chegou ontem [quarta-feira, dia 25] ao MPF em São Paulo e as providências iniciais já estão sendo tomadas, com solicitações de informações aos órgãos competentes sobre a viabilidade concreta desse pedido dos indígenas, além de contato com prefeitura e Funai. Na próxima semana, teremos mais elementos sobre o caso”, informa o MPF.

MP

Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério Público de São Paulo informou que o promotor Arthur Pinto Filho determinou que a Promotoria de Direitos Humanos mandasse a solicitação dos indígenas para prefeitura

“A Promotoria mandou para a secretária municipal de saúde informar e também estão em contato com a UBS da Aldeia”, informa nota do MP.

Imagem: Entrada de aldeia na Comunidade Indígena do Jaraguá, fechada para turistas como medida protetiva para evitar contágio pelo novo coronavírus — Foto: Arquivo pessoal

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