GT cita estudo da UFRJ e Fiocruz que vê ambiente “nefasto à saúde de seus usuários”
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJSP) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) receberam nesta segunda-feira (11) uma nota técnica do Ministério Público Federal (MPF) e de outras nove instituições contra a construção, em unidades prisionais, de estruturas estilo contêineres alegadamente para controlar a propagação de covid-19 na população carcerária. O documento, redigido pelo GT Interinstitucional Defesa da Cidadania, e encaminhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), reúne evidências de que essas construções alternativas, objeto de proposta do Depen ao CNPCP (Ofício nº 864/2020), aumentariam o risco de uma ampla contaminação em massa.
Ao contraindicarem o uso dos contêineres como essa alternativa emergencial, os autores do documento tomaram como base um estudo redigido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Grupo Espaço Saúde/UFRJ) e Fiocruz (Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões/Fiocruz), além da análise do impacto da construção de contêineres em dois estados (Espírito Santo e Pará). Baseando-se nessas análises, o GT concluiu que os contêineres, em vias de se estabelecer como alternativa nacional, gerariam graves violações de direitos humanos com danos irreparáveis.
“A proposição manifesta pelo Depen de criação de estruturas alternativas estilo contêineres, como forma de controle do avanço da pandemia dentro das estruturas carcerárias, marcadas pelo excesso populacional, em celas pequenas e degradas, sem nenhum auxílio médico adequado, longe de representar uma solução, imporá maior grau de violação aos presos e presas, aumentando o risco de uma ampla contaminação em massa dentro do sistema carcerário”, avaliaram os especialistas das 10 instituições do GT (v. mais abaixo).
Estudo da UFRJ e Fiocruz – Na nota técnica, o CNJ, o Depen e o CNPCP são alertados de que os quatro pesquisadores que estudaram o projeto-modelo do Depen, erguido em Foz do Iguaçu, viram na alternativa um “ambiente nefasto à saúde de seus usuários”. Entre outros fatos, os pesquisadores da UFRJ e da Fiocruz citaram o risco dessa estrutura à segurança (como atestaram, segundo eles, as mortes de 10 atletas do Flamengo após incêndio em alojamento desse tipo) e à saúde dos ocupantes.
Os pesquisadores, cujo estudo está anexado à nota, destacaram três deficiências dos contêineres: o uso para acolhimento coletivo impede o isolamento social recomendado contra o contágio; eles não têm ventilação natural por descumprir a abertura mínima prevista (NBR 15.220/2003); e não têm regulação térmica, pois faltam entradas de ar na altura dos usuários. “Desta forma, não é possível obter-se o resfriamento fisiológico dos mesmos, além da renovação do ar”, avaliaram os estudiosos.
“O sistema prisional brasileiro padece de superlotação de seus presídios e a criação de novas vagas, mesmo que provisórias, devem responder aos critérios de salubridade e habitabilidade”, afirmaram os autores na conclusão do estudo. “A proposta do Depen forçaria uma flexibilização das Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal sob o risco de normalizar práticas que desrespeitam a legislação vigente e os direitos básicos do cidadão.”
Casos do ES e PA – No documento do GT, foram citados impactos negativos do uso de contêineres nos sistemas prisionais capixaba e paraense. No Espírito Santo, as chamadas “celas metálicas” foram usadas de 2006 até 2011 e geraram relatos de superaquecimento (até 50oC) e falta de higiene. No Pará, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) recomendou, em 2016, a interrupção do uso de celas em contêineres, mas a medida não foi adotada, o que poderia ter evitado a dimensão do massacre no presídio de Altamira três anos depois (62 presos foram mortos, incluindo incinerados e asfixiados em decorrência das estruturas metálicas).
O GT citou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o tratamento humano e cruel dado aos presos e que implicaria graves violações de direitos humanos. Para o GT, a proposta do Depen, independentemente da gravidade da pandemia, viola todas as regras do campo dos direitos humanos nas quais o Estado brasileiro é também signatário.
Grupo interinstitucional – Coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF), o GT Defesa da Cidadania tem especialistas de outras instituições estatais – Defensorias Públicas (DPU e DPE/RJ) e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT/RJ) – e da sociedade civil: Ordem dos Advogados do Brasil/RJ (OAB/RJ), Centro de Assessoria Popular Mariana Criola, Fórum Grita Baixada, Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro, Maré 0800 – Movimento de Favelas do Rio de Janeiro e Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência. No MPF, o GT está ligado à Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional.
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Arte: Secom/PGR