Nota de Repúdio à conduta do Sr. Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente

Na Revista Pub

A Associação dos Professores e das Professoras de Direito Ambiental do Brasil, reunida em Assembleia Geral Extraordinária, vem externar publicamente seu REPÚDIO à conduta do Sr. Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA) do Governo Federal, pelas razões que se seguem:

1. Nos mais de trinta anos de vigência do texto constitucional, o art. 225 sempre foi o norte de toda ação ambientalmente adequada. Já se previa, mesmo, ante o que se propalou na campanha eleitoral, certa lassidão na proteção do meio ambiente e dos direitos humanos. A prática confirmou o que se antevia e, já em 2019, não poucas manifestações de repúdio foram externadas. Destaca-se, dentre elas, a nota assinada por todos os ex-ministros do meio ambiente (representantes de governos e visões políticas distintas), destacando a importância de manutenção das conquistas na proteção ambiental. O alerta foi ignorado, e os piores temores se confirmaram.

2. Quando já se considerava superada a noção de que a proteção ambiental seria um entrave ao progresso econômico, vê-se um Ministro de Estado, em reunião voltada a preparar decisões fundamentais das políticas públicas do Governo Federal, defender o aproveitamento de situação de calamidade pública decorrente da pandemia COVID 19, para eliminar entraves normativos e administrativos em prol da exploração à exaustão dos recursos naturais, sem chamar a atenção da imprensa.

3. Detalhando sua proposta, referido ministro afirmou ser o momento de o Governo lançar mão de pareceres jurídicos, administrativos e “canetadas”, no intuito de autorizar atividades que seriam, caso analisadas devidamente, incompatíveis com a legislação ambiental e com os mandamentos constitucionais, em especial os artigos 225 e 170, VI.

4. O titular do MMA personifica a negação do Direito Ambiental e o retrocesso, com um repertório de ataques aos ditames e princípios da Constituição de 1988 e aos objetivos, princípios e instrumentos da Política e do Sistema Nacional de Meio Ambiente, instituídos pela Lei 6938/81.

5. Os fatos, que envergonham o Brasil diante da comunidade internacional, são de amplo conhecimento. Deu-se e persiste o desmonte e desmantelamento dos órgãos ambientais (IBAMA e ICMBIO), especialmente em suas áreas mais sensíveis de fiscalização e proteção da biodiversidade, com a substituição de servidores técnicos de carreira por militares sem formação na área; com o fechamento de escritórios; com o assédio moral sobre os servidores; com o afastamento daqueles que cumprem seu dever funcional; com o Decreto Presidencial nº 9.672, que retirou do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) representantes de governos estaduais, municipais, universidades, sociedade civil, transformando-o em mero conselho governamental, num claro atentado ao princípio democrático. Eliminaram-se estruturas no ministério destinadas à proteção das comunidades tradicionais e ao combate às mudanças climáticas; foram rompidos compromissos internacionais que viabilizavam recursos para o combate ao desmatamento, como o Fundo Amazônia; realizaram-se reuniões com infratores ambientais com a finalidade de suspender fiscalizações em unidades de conservação; foi desestimulada a atividade fiscalizatória oficial; retiraram-se atribuições, conselhos e estruturas importantes do Ministério do Ambiente para os da Agricultura e do Desenvolvimento Regional etc.

6. Os casos são tantos que não caberiam em simples nota. Um país que já exerceu a liderança internacional em encontros de cúpula vinculados à questão ambiental é hoje vilão ambiental, pária na comunidade de nações.

7. Com a liberação das imagens da reunião do gabinete presidencial do último dia 22 de abril, o povo brasileiro foi apresentado a um gestor que se desnudou em seu cinismo e insensibilidade quanto à tragédia sanitária e humanitária que já ceifou mais de 20 mil vidas no país até esta data, afirmando ser momento de aproveitar que as atenções da mídia e do público estavam voltadas para a pandemia da COVID19, para fazer “passar a boiada” (sic) de atos infralegais para afrouxar as regras de proteção ambiental, de “baciada” (sic), num processo utilizado para contornar a necessidade de submeter propostas ao legislativo. Na oportunidade, citou como exemplo o caso de parecer que aprovou a pedido do Ministério da Agricultura, que possibilitou a regularização de ocupações ilegais ocorridas até julho de 2008 nas áreas de preservação permanente da Mata Atlântica, passando por cima da Constituição Federal e da própria Lei especial de proteção desse bioma.

8. Mas, não foi só esse “boi” que o ministro Salles passou nestes tempos de pandemia: demitiu e substituiu servidores em meio a uma ação de fiscalização de desmatamento em terras indígenas na Amazônia; mudou a regra para exportação de madeira com a dispensa da autorização do IBAMA; viabilizou operações de GLO na floresta, coordenadas pelo Exército em lugar dos fiscais do IBAMA; pressionou a aprovação da MP 910, a MP da Grilagem.

9. Tudo isso resultou em um crescimento vertiginoso do desmatamento na Amazônia – só na primeira semana de maio, segundo dados do INPE, houve um acréscimo de 64%, comparado ao igual período no ano passado – com aumento das emissões de CO2 na atmosfera em plena pandemia, quando em todo o mundo se observa um decréscimo, em vista da diminuição das atividades econômicas.

10. A Constituição impõe que o direito de propriedade cumpra a sua função social. É assente, na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos que o direito de propriedade, abrigado no art. 21 do Pacto de São José da Costa Rica, protege todas as formas de uso da terra. Assim, não é o interesse do agronegócio que deve moldar os contornos do direito de propriedade coletiva da terra.

11. Considerando o decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI no 4.269, entendemos inconstitucional a já decaída MP 910/2019 e o atual PL 2.633/2020, bem como qualquer parecer, ou “canetada” que busque regularizar propriedades que não sejam enquadradas como pequenas propriedades rurais sem o rigor necessário e exigido pela legislação ambiental.

12. Na mesma reunião, manifestou-se outro Ministro, Abraham Weintraub, a propósito da questão indígena, área também afeta ao MMA, cujo titular ouviu, sem esboçar reação contrária, declaração reveladora de profundo desprezo aos direitos humanos e culturais dos povos formadores da nação brasileira.

13. O MMA integra governo cujo condutor demonstrou, na campanha eleitoral, desapreço pelas questões ecológica, socioambiental e indígena. As exponenciais liberações de agrotóxicos e a gestão desvirtuada da Funai são apenas exemplos disso.

14. Quanto ao chefe do executivo, a sociedade brasileira já vem buscando os remédios constitucionais para sua responsabilização política. Para os professores de Direito Ambiental, importa deixar claro que, pelo que acima se expôs, o Sr. Ricardo Salles, cujas ações podem ensejar responsabilização por improbidade administrativa, não reúne condições técnicas, profissionais e morais de permanecer à frente da gestão ambiental de um país megabiodiverso como é o Brasil.

ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES DE DIREITO AMBIENTAL DO BRASIL

Assembleia Geral Extraordinária de 24 de maio de 2020

Imagem: AP

Enviada para Combate Racismo Ambiental por João Alfredo.

Comments (1)

  1. Parabéns à APRODAB pela forte, justa e necessária nota. Neste momento de ataque ao Meio Ambiente e ao Direito Ambiental, onde o titular do ministério age com requintes de cinismo, insensibilidade e descompromisso com as finalidades e objetivos da própria pasta que dirige, a última coisa a fazer é se calar. A denúncia desse processo desencadeado desde a posse desse verdadeiro desgoverno e agora confessado de forma tão explícita é importante não só para buscar a responsabilização do Sr. Salles, mas, também, para alertar a comunidade das nações acerca do verdadeiro desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente e do Sistema Nacional de Meio Ambiente que está ocorrendo em nosso país, que tem se aprofundado nestes tempos de pandemia, com repercussões gravíssimas para o ambiente natural, como é o caso de crescimento do desmatamento na Amazônia.

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