No IHU
As dramáticas condições dos povos indígenas da Amazônia, uma região severamente atingida pela pandemia, como o Papa recordou hoje depois de Regina Coeli, acenderam um novo sino de alerta sobre o destino desse vasto território que se estende dentro das fronteiras de 9 países da América do Sul.
Os únicos dados confiáveis sobre a disseminação da pandemia entre os povos indígenas da Amazônia provêm do monitoramento iniciado pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e pela Coica, o órgão de coordenação dos povos indígenas. Fala-se em pelo menos 7449 mortes e quase 156 mil contagiados. Mas são números a serem considerados incertos se levarmos em conta as dificuldades de comunicação em uma área tão vasta e de difícil acesso. “Muitos – disse o Papa Francisco após o Regina Caeli – são os infectados e os mortos, mesmo entre os povos indígenas, particularmente vulneráveis”. O vírus – proveniente das principais cidades – já atingiu pelo menos 60 grupos étnicos que vivem nas margens da floresta amazônica e está penetrando cada vez mais no interior. Uma das áreas de maior preocupação na Amazônia é a da chamada Tripla Fronteira, onde ao longo do rio Amazonas se fundem as fronteiras de três países: Brasil, Peru e Colômbia.
Povos indígenas e a Amazônia em perigo
“O apelo que vem da Igreja, em particular da Repam, é muito forte: sem os índios, seus guardiões, a Amazônia também está em perigo”. Isso é ressaltado por Bruno Desideri, jornalista especialista da área e autor de um relatório publicado por Sir, focado nos testemunhos dos missionários e bispos das igrejas locais.
“A área da Tripla Fronteira ainda está às margens da floresta incontaminada e as fronteiras estaduais que se entrelaçam ali são bastante tênues. É o caso da área entre Tabatinga, capital do Alto Solimões brasileiro, e Leticia, o limite extremo da Colômbia. Fronteiras permeáveis aos tráfegos mais díspares e, nos últimos anos, um destino turístico. Aqui o vírus veio viajando ao longo do rio ou por via aérea das grandes cidades de Manaus e Iquitos. Não se deve esquecer que atualmente o Brasil e o Peru são os países com maior número de contágios”.
A entrevista é de Stefano Leszczynski, publicada por Vatican News, 31-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Mesmo assim, esse número é inferior ao encontrado nas áreas urbanas desses países. Por que causam uma preocupação tão grande?
Conversei com o bispo de Alto Solimões, D. Adolfo Zon Pereira, espanhol xaveriano, que há dias examina e analisa os dados dos sete municípios de sua imensa diocese, tão grande quanto o norte da Itália, mas com apenas 220 mil habitantes. O que impressiona não são tanto os números absolutos (2.130 positivos e 93 óbitos, segundo os dados de 21 de maio), mas o percentual em relação à população, com uma taxa positiva relativa a 0,97% da população (quase o triplo do Itália). Além disso, preocupa o fato de serem territórios onde ocorre um grande número de tráficos, inclusive ilegais, e são um ponto de contato com reservas indígenas. Até agora, mais de 60 etnias indígenas foram contagiadas pelo vírus, mas há uma semana atrás eram pouco mais de 30.
Representantes dos indígenas da Coica – a Coordenação de Povos Indígenas da bacia Amazônica – pediram uma intervenção urgente nas Nações Unidas. Quão concreto é o risco de grupos étnicos inteiros possam desaparecer?
No passado, os vírus exterminaram povos inteiros, desprovidos de anticorpos. Hoje essas populações são ainda mais frágeis, porque são enfraquecidas por estilos de vida pouco saudáveis e estranhas à sua cultura. O risco é que ocorra um verdadeiro “etnogenocídio“, conforme relatado pelos defensores dos povos indígenas, devido ao fato de que essa pandemia está se inserindo em uma situação já degradada, também do ponto de vista ambiental. Nesse sentido, o apelo que vem da Igreja, em particular da Repam, é muito forte: sem os índios, seus guardiões, até a Amazônia está em perigo.
Exploração, desmatamento, doenças. Como a Igreja local atua em um contexto em que a fome agora se adiciona a tudo isso?
A Igreja desempenha uma função de informação fundamental nessa área, onde dificilmente chegariam as comunicações sobre as medidas sanitárias preventivas. Basta dizer que no Peru, em Iquitos, foi a diocese que comprou os respiradores e o oxigênio necessário para tratar as pessoas em áreas desprovidas de serviços de saúde. A emergência alimentar que agora se acrescenta à emergência sanitária se deve à economia de subsistência. Na área da Tripla Fronteira, as pessoas realizam trabalhos precários e as empresas são transitórias; portanto, neste momento em que tudo está bloqueado, acabam ficando sem emprego e, consequentemente, sem comida. As coletas organizadas pela Igreja são essenciais para garantir a sobrevivência.
Existe o risco de que a pandemia possa ser intencionalmente explorada em detrimento dos povos indígenas da Amazônia por portadores de certos interesses econômicos?
A mistura de espoliação, de projetos econômicos, agrícolas e de mineração, por um lado, e por outro lado, esse vírus, corre o risco de ser um coquetel realmente infernal e mortal para esse pulmão da humanidade. O risco é, portanto, real, também porque quase parou tudo por esses lados. Mas o tráfico ilícito não parou, as atividades de mineração e extração não pararam. Não sei se existe um vínculo de causa e efeito com a disseminação do vírus, mas certamente essa situação facilita, digamos, o “trabalho sujo”.
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Foto: Carlos Eduardo Ramirez/Agência Brasil
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.