Indígenas Parakanã protestam contra revisão de demarcação de suas terras

INA

A longa batalha dos indígenas Parakanã para preservar a integridade da Terra Indígena Apyterewa teve mais um capítulo: ao julgar o Mandado de Segurança 26.853, impetrado pelo município de São Felix do Xingu, no Pará, que contestava a demarcação da terra, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu, no último dia 26 de maio, proposta de conciliação feita pelo próprio município, e intimou a União para se manifestar a respeito.

Os Parakanã, maiores interessados na questão, não foram consultados, mas já disseram, em carta publicada na última quinta-feira (4/6), que são absolutamente contrários a qualquer negociação, já que entendem que seus direitos à terra já foram amplamente reconhecidos tanto pelo Poder Executivo federal, ao homologar a demarcação da terra indígena em 2007, como pelo Judiciário, ao rejeitar várias demandas judiciais que tentaram deslegitimar o processo demarcatório. 

Embora tenha sido homologada em 2007, a demarcação da Terra Indígena (TI) Apyterewa nunca foi respeitada. Localizada no município de São Félix do Xingu, a terra onde vive o povo Parakanã continua sendo sistematicamente invadida e ameaçada. Imediatamente após a demarcação, o município de São Félix do Xingu, em nome próprio e de fazendeiros interessado na área, acionou a Justiça contestando o processo de demarcação.

Depois de seguidas derrotas na Justiça, o município apresentou uma proposta de conciliação à União para que seja revisto o atual desenho demarcatório da Terra Indígena. O ministro Gilmar Mendes acolheu o pedido e, na última sexta-feira (5/6), intimou a Advocacia Geral da União a manifestar-se sobre a proposta em nome da União.

A carta do Conselho do Povo Parakanã lembra que acordos chegaram a ser feitos anteriormente, e que isso não impediu que “não indígenas tenham persistido e ainda persistam na invasão de Apyterewa”. Localizada numa região de intensos conflitos, a Terra Indígena sofre com a invasão de grileiros, garimpeiros e madeireiros e com o consequente desmatamento ilegal.A Indigenistas Associados (INA), associação que congrega servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), divulgou carta nesta terça-feira (9) em que manifesta seu apoio à luta do povo indígena Parakanã e em defesa da Terra Indígena Apyterewa. A carta afirma que o atual governo tem orientado sua política indigenista pela promessa de campanha do presidente de não demarcar nem mais um centímetro de terra indígena. Neste sentido, a associação indigenista alerta que a “intimação do STF será respondida por ocupantes de cargos de representação da União que se debruçam sobre a temática demarcatória com uma afeição à defesa da propriedade privada que supera aquela devotada aos direitos indígenas e ao patrimônio da própria União”.

Leia a carta da INA na íntegra abaixo:

Carta aberta em apoio ao povo Parakanã e em defesa da Terra Indígena Apyterewa

A TI, na região de influência da hidrelétrica de Belo Monte, segue invadida por não indígenas treze anos depois de homologada. Decisão no STF dá margem a acordo para alterar seus limites, atendendo ao interesse dos invasores

A INA – Indigenistas Associados, associação de servidores da Funai, manifesta incondicional apoio ao povo Parakanã e seus direitos sobre a Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, ratificando preocupação expressa em carta datada de 4 de junho de 2020. Assinada pelo Conselho do Povo Parakanã, a carta (íntegra) foi motivada por recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que acata proposta do município paraense de São Félix do Xingu para que se tente, pela via da conciliação judicial, um novo desenho demarcatório. Observe-se bem: é da alteração dos limites de uma TI homologada que se trata, e aumentá-la não é decerto o objetivo da “conciliação”.

O Mandado de Segurança contra os limites de Apyterewa foi ingressado pelo município, em parceria com representantes dos interesses de particulares não indígenas que ocupam irregularmente a TI, ainda em 2007, poucos meses depois de sua demarcação ter sido homologada. Os interesses contrariados tiveram acúmulo de derrotas judiciais ao longo dos anos, antes de que o município agora viesse a sugerir conciliação com a União, para logo ser atendido pela decisão monocrática de Mendes (íntegra).

É inadmissível que se cogite conciliação entre município e particulares, de um lado, e União, de outro, sem conhecimento do povo indígena envolvido. A carta do Conselho do Povo Parakanã é categórica na rejeição à tentativa de conciliação sobre seus direitos territoriais, originários. Lembra que acordos chegaram a ser feitos anteriormente, e que isso não impediu que não indígenas tenham persistido e ainda persistam na invasão de Apyterewa, TI que reúne números dos mais contundentes e preocupantes no que se refere à grilagem e ao desmatamento ilegal.

Ao final da carta, há um chamado para que organizações e instituições se juntem na luta pela defesa de Apyterewa, ao qual a INA não poderia deixar de atender. Como temos insistido em nossas manifestações, o momento atual é de forte questionamento dos direitos indígenas por meio de um revisionismo demarcatório de fundo programático. Amplamente comunicado por meio da formulação de “não demarcar nem mais um centímetro de terra indígena” – inconstitucional e cinicamente displicente com a dívida do poder público estampada em centenas de processos inconclusos –, esse revisionismo tem sua face mais audaciosa na tentativa de diminuir TIs já homologadas, o que merece o mais decidido enfrentamento.

Ademais, sob o atual intenso conflito entre os poderes da República, é triste imaginar que o direito territorial do povo Parakanã esteja sendo utilizado como moeda de troca para acertos de convivência entre Executivo e Judiciário. Soa tremendamente capcioso que, nesse contexto, e treze anos após a homologação da TI, um ministro do STF justifique sua decisão protelatória da confirmação dos direitos indígenas com a consideração de que “grande parte das ações relativas a conflitos entre agricultores e indígenas decorrem, muitas vezes, da ausência de prévio diálogo sobre a possibilidade de solução amigável“. Soa, ademais, como jogo de cartas marcadas a intimação para que a União diga se tem “interesse na tentativa de conciliação proposta pelo Município de São Félix do Xingu”, quando se sabe que a missão constitucional do Executivo, para efetivação dos direitos indígenas, foi capturada por obscuros interesses privados. A intimação do STF será respondida por ocupantes de cargos de representação da União que se debruçam sobre a temática demarcatória com uma afeição à defesa da propriedade privada que supera aquela devotada aos direitos indígenas e ao patrimônio da própria União.

A execução da política indigenista está, por essas e por outras, muito distante de uma situação de normalidade. Não estivesse, e a discussão quanto a Apyterewa seria a retirada dos invasores não indígenas. A chamada desintrusão, ensaiada desde 2009, quando foi estabelecida como condicionante do licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, segue até hoje irrealizada, e é preciso recolocá-la na agenda. A conciliação aventada na monocrática decisão do ministro Gilmar Mendes, por sua vez, mostra-se impossível, se respeitadora, como conviria, da legislação, do milionário investimento de recursos públicos no processo demarcatório e, sobretudo, da voz do povo Parakanã, que, conforme manifestado na carta que aqui comentamos, opõe-se a eventuais subtrações de seu território.

INDIGENISTAS ASSOCIADOS

09 de junho de 2020

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