OMS reconhece que corona é transmitido pelo ar, mas desaponta em recomendações

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

MUDANÇA PARCIAL

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou ontem um novo informe científico em que considera o risco de transmissão do novo coronavírus pelo ar em gotículas muito pequenas, ou aerossóis. Como vimos aqui, o documento chega depois de 239 cientistas publicarem uma carta aberta elencando evidências desse tipo de transmissão e pressionando a entidade a rever suas recomendações oficiais. 

O que muda? Até ontem, a OMS alertava para o risco de transmissão por gotículas maiores – as que saltam do nariz e da boca de contaminados principalmente durante a tosse ou espirros, e que caem no chão logo em seguida. Assim, só pessoas próximas correriam o risco de se contaminar. Mas se há transmissão por aerossol, isso significa que, além das gotículas que caem no chão, há outras que são muito mais leves e podem ficar suspensas no ar durante algum tempo. Em ambientes fechados com pouca circulação de ar, o vírus pode, então, percorrer distâncias maiores até encontrar uma pessoa e contaminá-la. A OMS até falava sobre esse risco antes, mas apenas em procedimentos médicos que provocam a saída de aerossóis, como o processo de intubação.

Agora, o novo texto cita relatórios de surtos relacionados à contaminação em espaços fechados, como restaurantes e academias. Não há evidências conclusivas quanto a isso, ao que levou a OMS a afirmar que “mais estudos são necessários com urgência”. Mesmo assim, houve mudanças nas suas recomendações oficiais para evitar a transmissão, que passam a incluir “evitar locais fechados com pouca ventilação”.

Mas nada além disso, o que desapontou alguns especialistas. Segundo a OMS, a fonte primária de transmissão continua sendo o contato direto ou as gotículas maiores de tosses e espirros, e os aerossóis produzidos rotineiramente seriam algo secundário. 

O uso de máscaras segue como uma recomendação apenas quando o distanciamento social de um metro não é possível, mas, segundo os críticos, em locais fechados isso pode não ser suficiente. “A extensa pesquisa e o tremendo progresso na física e na biologia dos aerossóis desde 1940 parecem não ter tido impacto [na nova recomendação da OMS]. A afirmação de que ‘gotículas respiratórias’ na faixa de tamanho de cinco a dez micrômetros de diâmetro apenas viajam até um metro é incorreta. As publicações científicas revisadas por pares demonstram claramente que partículas de até 30 micrômetros podem se mover nas correntes de ar e viajar mais de dez metros em ambientes fechados”, escreveu Donald Milton, professor de Saúde Pública da Universidade de Maryland e um dos autores da carta aberta publicada na segunda-feira. 

Em tempo: essa discussão nos faz lembrar do fato de que o governo de São Paulo proibiu bares e restaurantes de atender na calçada. O objetivo é evitar as aglomerações vistas no Rio de Janeiro após a reabertura, mas não há evidências que a sustentem. Se a ideia é mesmo permitir o funcionamento desses locais, o mais seguro seria justamente evitar o atendimento do lado de dentro, até porque não dá para usar máscara comendo e bebendo… Por isso, em cidades como Paris, Madri e Nova Iorque a retomada se deu com mesas espaçadas ocupando calçadas e ruas. Do mesmo modo, não faz sentido abrir shoppings antes de parques. Ou permitir o comércio à “meia porta” (que dificulta a circulação de ar), embora deva haver restrições à entrada dos clientes.

O PAINEL INDEPENDENTE

A OMS anunciou ontem a criação de um Painel independente de Preparação e Resposta à Pandemia que vai avaliar as medidas tomadas pela própria Organização e as respostas dos governos. A ex-primeira-ministra da Nova Zelândia Helen Clark e a ex-presidente da Libéria Ellen Johnson Sirleaf vão liderar o painel e escolher seus membros.

Essa avaliação é uma demanda que apareceu na resolução da 73ª Assembléia Mundial da Saúde. Um relatório intermediário deve ser apresentado em novembro; em janeiro de 2021, o trabalho vai ser discutido mais detalhadamente em uma reunião do conselho executivo da OMS; e, em maio, na próxima Assembléia, o painel vai apresentar seu relatório final.

Até lá, segundo o diretor-geral Tedros Ghebreyesus, a OMS já pode começar a mudar algumas coisas, incluindo a ferramenta que permite a criação de alertas de ‘emergência de saúde pública de interesse internacional’. No caso da covid-19, o alerta foi feito no dia 30 de janeiro, cerca de uma semana após o lockdown em Wuhan. Vimos, na época, que a OMS levou algumas reuniões para decidir emiti-lo, com discordâncias entre os membros do seu comitê de crise. 

Segundo Tom Bollyky, diretor de saúde global do Conselho de Relações Exteriores, é provável que seja eliminada a abordagem binária – um problema de saúde é ou não é uma ameaça global – e adotado um sistema de várias camadas, como um semáforo. Ele nota, no entanto, que no caso dessa pandemia talvez a existência de um sistema distinto não tivesse provocado respostas melhores ou mais rápidas por parte dos governos. “Não está claro para mim por que isso faria alguma diferença nessa circunstância em particular, dado que, com todas as informações emergentes, o maior alarme que a OMS poderia emitir não foi levado a sério”.

SOBRE DESCONTINUIDADE

O Ministério da Saúde anunciou ontem uma mudança nas recomendações à população. A partir de agora, as pessoas são orientadas a procurar atendimento aos primeiros sintomas da covid-19. Antes, a orientação era ir ao serviço de saúde se os sintomas se agravassem, evitando três coisas: que pessoas saudáveis se contaminassem nesses locais; que doentes que não evoluiriam de forma grave andassem por aí contaminando mais gente; e que o próprio SUS não recebesse um fluxo enorme nas emergências, que ainda são os pontos da rede assistencial mais procurados nesses casos. Coube ao secretário-executivo da pasta, Elcio Franco (que é, lembremos, coronel da reserva) apresentar o que embasou a decisão. 

De acordo com ele, as “evidências” no Brasil e no mundo mostram que, quando se busca o atendimento na fase inicial da doença, é possível evitar seu agravamento e, consequentemente, um número maior de mortes. Para Elcio, isso também teria um efeito positivo sobre o SUS porque o atendimento precoce teria “uma resposta mais assertiva” e poderia evitar piora no quadro e até a “necessidade de respiradores”. 

O número dois do Ministério garantiu que o Sistema Único está preparado para receber essa demanda. “Foram criados os centros de triagem, os centros comunitários”, disse. E, na sequência, lançou um verbo no gerúndio que, junto com as dificuldades relatadas por gestores locais em contratar profissionais, lançam algumas dúvidas sobre se a pasta realmente se preparou para a mudança: “Estamos reforçando toda a estrutura de atenção primária com médicos contratados pelo programa Mais Médicos”. 

Especialistas ouvidos pelo jornal O Globo fazem duas ponderações. “Para conseguir atender todos ao mesmo tempo, precisaríamos ter um sistema de saúde organizado para que essas pessoas não tivessem contato umas com as outras”, refletiu José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde.  “Ainda não temos tratamento cientificamente comprovado que seja eficaz no tratamento da doença na fase precoce que justificaria a procura urgente por um serviço de saúde nessa fase”, avaliou, por sua vez, a infectologista Ana Helena Figueiredo, para quem esse primeiro atendimento deveria ser feito via telemedicina.

Mas acontece que o número de atendimentos remotos oferecidos pelo Ministério da Saúde caiu a partir de junho – exatamente na gestão do general Eduardo Pazuello. Documentos obtidos pelo Estadão mostram a descontinuidade sofrida pelo TeleSUS. Aconteceu assim: na gestão Luiz Henrique Mandetta, o programa foi reforçado com o objetivo de realizar monitoramento da população durante a pandemia. De um lado, o serviço passou a oferecer informações sobre a doença e, a partir de um questionário, as pessoas puderam relatar sintomas e, dependendo das respostas, ser atendidas remotamente por um técnico de enfermagem, enfermeiro ou médico. Por outro, foi inaugurada a busca ativa de doentes. O TeleSUS passou a disparar milhões de ligações, guiadas por um algoritmo, para repassar orientações e questionar a população sobre sintomas da doença. 

Em abril e maio, foram feitas 67 milhões tentativas de contato. Em junho, o número despencou para 7,1 milhões. Também caiu muito a quantidade de contatos concluídos, quando o questionário feito por telefone, chat ou aplicativo é finalizado e o usuário recebe uma orientação. Em abril e maio, foram 23,5 milhões de interações completas. Em junho, menos de dois milhões. Ainda de acordo com a apuração de Mateus Vargas, está próximo de zero o número de chamadas originadas pela busca ativa que são repassados a um profissional de saúde.

“A queda da ‘busca ativa’ explica-se pela falta de repasse de bases de dados do Ministério da Saúde a empresas contratadas para executar as ligações, dizem gestores de saúde e integrantes do governo. A versão é reforçada por documentos internos da Saúde. A redução das ligações acompanhou também a troca de ministros e do comando da Secretaria de Atenção Primária (SAPS), que faz a gestão do TeleSUS”, escreve o repórter. 

Questionado pelo jornal, o Ministério da Saúde respondeu que “tem incentivado o atendimento e acompanhamento médico já nos casos leves”. Mas fica difícil entender também esse tempo verbal, já que essa orientação começou  ontem…

SERÁ?

Uma possível explicação para a mudança na orientação do Ministério da Saúde em relação à busca por atendimento aos primeiros sintomas da covid-19 é a determinação da pasta em reforçar a cloroquina e a hidroxicloroquina. Ontem, Elcio Franco afirmou que o uso precoce “de medicamentos”, especialmente das substâncias em questão, fez com que a pandemia perdesse tração em alguns locais. 

“O número absoluto [de casos] segue crescendo, mas a velocidade vem diminuindo. Há evidências também que em algumas cidades, estados, aplicou-se o tratamento medicamentoso precoce, que foi justamente o que contribui para o decréscimo dessa curva pandêmica”, disse o secretário-executivo à imprensa. O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos da pasta, Hélio Angotti Neto, afirmou por sua vez que “há indícios” da eficácia da cloroquina “em vários lugares da internet”. 

É incrível que praticamente todos os dias nós tenhamos que escrever um parágrafo lembrando que não há qualquer evidência científica que embase a fala de uma autoridade pública. La vai: os dois únicos medicamentos que se mostraram eficazes no tratamento da covid-19 são o antirretroviral remdesivir e o corticoide dexametasona – e ambos só têm alguma serventia nos casos graves da doença. Não há profilaxia, nem tratamento precoce, apesar do que propaga o Ministério e das falsas esperanças vendidas por políticos como o presidente Jair Bolsonaro – que, ontem, anunciou que seu “tratamento” com a hidroxicloroquina acaba hoje. 

Voltando ao Ministério da Saúde: ontem a pasta enviou um ofício ao Supremo. Isso porque a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde ingressou com uma ação contestando a recomendação da cloroquina e da hidroxicloroquina e o relator do caso, ministro Celso de Mello, pediu informações à pasta. A postura dos gestores continua contraditória: nas coletivas de imprensa, como na de ontem, são assertivos. Nos documentos, buscam formas de que a responsabilidade pela propagação do uso das substâncias no tratamento da covid não recaia sobre seus colos. E assim foi feito na resposta ao STF: o Ministério afirmou que não obriga médicos e pacientes a adotarem o tratamento.

“O que se pretendeu foi meramente a compilação das informações técnicas até então existentes, visando orientar uma parametrização mais segura e informada aos que optarem pelo uso do fármaco, mas sem vincular qualquer dos atores da relação médico-paciente, haja vista a inexistência de imperatividade ou força cogente na orientação expedida”, diz o texto.

A propósito: Elcio Franco falou ontem no uso precoce de “medicamentos” – e sabemos que há gestores – como o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni, e a de Areia Branca (RN), Iraneide Rebouças – distribuindo à população substâncias como a ivermectina. A Anvisa ontem alertou que não há provas da eficácia desse vermífugo contra a covid-19. 

E enquanto as autoridades brasileiras focam em cloroquina e vermífugo ao invés de irem à luta por remdesivir e dexametasona, a União Europeia está um passo à frente e deve acelerar o investimento na pesquisa de tratamentos com plasma sanguíneo coletado de pessoas que já tiveram a covid-19. Um documento visto pela Reuters dá conta de que o bloco vai lançar um edital para os bancos de sangue ampliarem a coleta do plasma, financiamento equipamentos para coleta, estocagem e testagem. 

PAUSA E PLAY

Na semana passada, os resultados do inquérito sorológico nacional, feito pela Universidade Federal de Pelotas e financiado pelo Ministério da Saúde foram divulgados. Falamos deles na segunda-feira, mas basta dizer que os resultados confirmam que o Brasil tem, na verdade, muito mais casos do que as estatísticas oficiais computam: poderiam ser até seis vezes mais.  

O acordo com a UFPel foi assinado na gestão Mandetta e custou muito pouco – R$ 12 milhões – diante dos benefícios de ter alguma ideia do que se passa em um dos países que menos testa no mundo, apesar de ser o segundo com mais casos e mortes no planeta. Havia conversas com a Universidade para que o inquérito sorológico continuasse. De acordo com esses entendimentos, a quarta fase do levantamento teria começado ontem. Mas o Ministério ocupado por militares que já tentou esconder os números antes parece não ter muito interesse nessa continuidade.

A pasta afirma que o contrato de três rodadas  foi cumprido – o que é verdade. Mas não explica qual é a vantagem de parar o estudo. Diz que “dará continuidade a estudos de inquérito epidemiológico de prevalência de soropositividade na população”, mas “não está definido” se pela UFPel, por outra instituição ou pela PNAD Covid, do IBGE, (que funciona por telefone até o momento).  

Já a cidade de São Paulo anunciou ontem que vai ampliar seu inquérito sorológico de cinco para nove etapas. Os resultados da segunda rodada do estudo acabam de sair e revelam que um em cada dez habitantes já foi infectado pelo novo coronavírus. Assim, ao invés dos cerca de 178 mil casos oficiais, a capital paulista teria 1,2 milhões de infecções. A soroprevalência na cidade, de 9,8%, é mais alta do que a verificada em países bastante atingidos pela pandemia como Espanha (5%). E é ainda maior na zona Sul da cidade, onde a taxa chega a 11%. 

Os casos se concentram em 14 dos 96 distritos da capital, e a maior parte deles é composto por bairros onde mora a população mais pobre: Brasilândia, Sapopemba, Cachoeirinha, Jaçanã, Liberdade, Santa Cecília, Cidade Ademar, Jardim São Luiz, Campo Limpo, Capão Redondo, Parque São Lucas, Itaim Paulista, Itaquera e Lajeado. Nesses locais, a prefeitura pretende fazer mais testes e rastreamento de contatos. Os agentes comunitários de saúde serão orientados a monitorar os familiares de pessoas infectadas, providenciando atestados para que fiquem em casa até que saia o resultado do teste RT-PCR. De acordo com a gestão Bruno Covas (PSDB), são feitos cinco mil testes do tipo por dia, num total de 580 mil realizados até o momento. O objetivo é chegar a 400 mil por mês. 

JÁ, JÁ

Ontem à noite, o Brasil já tinha pouco mais do que 1,759 milhão de infecções confirmadas. O país deve bater a marca oficial dos dois milhões de casos na terça ou na quarta-feira. A projeção é do Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina do campus da USP em Ribeirão Preto. “Pode ser que essa marca acabe sendo atingida mais rápido do que inicialmente previmos”, diz o coordenador do LIS à BBC News Brasil. A razão é a reabertura econômica, que fez o nível de circulação de pessoas voltar aos mesmos patamares de antes da pandemia em vários cantos do país. 

E, também ontem, completamos uma semana na liderança do ranking de mortes no mundo. É quase certo que o país alcance hoje a marca dos 70 mil óbitos. 

O município paulista de Gastão Vidigal tem apenas nove óbitos registrados. Mas isso é o suficiente para colocá-lo na liderança das mortes em cidades com menos de cem mil habitantes, se levarmos em conta o tamanho da sua população, de quatro mil habitantes. É um indicativo de como a epidemia se expressa de maneira trágica no interior do país. Uma reportagem da Agência Pública mostra algumas dessas realidades e contabiliza: esses municípios já somam mais de dez mil óbitos. 

TRAÇANDO RELAÇÕES

E é preciso pesquisar muito mais, mas o maior estudo sobre a correlação entre a vacina BCG e a mortalidade por coronavírus revelou que há mais mortes em lugares onde o imunizante não faz parte da política pública. Dessa forma, países europeus onde não há aplicação da BCG em massa (os da porção ocidental e mais rica do continente) tiveram uma taxa de mortalidade 9,92 vezes maior do que as nações da Europa Oriental. O Brasil, cujo Programa Nacional de Imunização é reconhecido internacionalmente, entrou no estudo. Os estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo foram comparados com Nova York, Illinois, Lousiana, Alabama e Flórida – todos sem imunização universal. Nos saímos melhor. 

A hipótese é que a BCG estimule a resposta do sistema imunológico não apenas contra o bacilo da tuberculose, mas contra outros patógenos. A pesquisa foi feita pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos e pela Universidade Estadual da Virgínia e foi publicado na revista PNAS, da Academia Americana de Ciências. 

O CONCRETO QUE NÃO EXISTE

O Planalto teme uma fuga de recursos por conta do histórico vergonhoso de suas políticas ambientais, e ontem organizou uma videoconferência com investidores estrangeiros para falar da proteção da Amazônia. No encontro, o vice-presidente Hamilton Mourão pediu a eles que financiassem projetos na área do meio ambiente. Segundo o Globo, eles ficaram satisfeitos com o discurso oficial, mas exigem resultados “concretos” para garantir o aporte de dinheiro. “Em nenhum momento eles se comprometeram com alguma política dessa natureza. Eles querem ver resultados, e qual é o resultado que nós podemos apresentar? É que haja efetivamente uma redução do desmatamento”, disse Mourão, após a reunião. 

Vai ser difícil apresentar isso, já que as ações são todas no sentido contrário. As Forças Armadas estão dando um show de ineficiência nesse aspecto, como revela o Intercept. Do fundo de R$ 1 bilhão reservado para a redução do desmatamento, mais da metade está separado para despesas do Ministério da Defesa. É um valor dez vezes maior do que o orçamento do Ibama, que ficou com R$ 50 milhões. “Com previsão de gastos de R$ 60 milhões por mês – orçamento médio de um ano do setor de fiscalização do Ibama –, a Amazônia sob GLO [a Garantia de Lei e Ordem] viu um mês de junho com maior número de queimadas desde 2007. Pesquisadores apontam que o Prodes, sistema de monitoramento por satélites que analisa o corte de árvores na Amazônia entre agosto e julho do ano seguinte, deve apontar um acúmulo de área desmatada ainda maior do que 2019. Enquanto isso, o Ibama tem problemas com falta de pessoal e em 2020 caminha para um novo recorde: aplicar o menor número de multas em mais de dez anos”, escreve o jornalista Hyury Potter.

EXPLICANDO O INEXPLICÁVEL

É claro que também pegaram mal os vetos de Jair Bolsonaro à lei que permitiria um melhor enfrentamento da pandemia nas aldeias – foram mostras explícitas demais do descaso absoluto. Quanto a isso, Mourão afirmou que a contaminação nessas terras não tem a ver com, por exemplo, o garimpo ilegal, mas com a ida de indígenas à cidade para “receber algum benefício” ou para “comprar alguma coisa”. Só que Bolsonaro vetou a obrigação de o governo facilitar o recebimento dos benefícios e de garantir internet e cestas básicas nas aldeias, medidas que evitariam a necessidade das saídas. 

“Em relação à água potável, o indígena se abastece da água dos rios que estão na sua região”, disse o vice-presidente, referindo-se ao fato de que, com os vetos, o governo se desobriga de fornecer esse insumo mais do que básico. É claro que tal abastecimento não é possível onde o garimpo invade terras e polui as águas, nem em territórios minúsculos… “Se, porventura, algum rio daquele foi contaminado por atividade ilegal, notadamente garimpo, com uso de mercúrio, se leva água para esses grupos”, encerrou o general.

Retirar garimpeiros é algo que não será feito. Seria uma tarefa “hercúlea”, de acordo com ele. 

Hoje, povos isolados também estão sob ameaça. A Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, registrou as duas primeiras mortes por covid-19 em um intervalo de três dias. Está nela a maior concentração de povos não contatados do mundo: são pelo menos 19. Além destes, há outros sete que não vivem em isolamento.“Nosso maior medo nesse momento são os isolados. Nós temos que protegê-los, pois eles têm uma imunidade muito baixa e, infelizmente, há muitos intrusos nesses territórios, onde o acesso é livre pelos varadouros, e essas pessoas podem levar a doença para eles. E, se o covid chegar lá, vamos perder muitas vidas”, alerta, na Folha, o representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Chorimpa Marubo. Ele lembra que essa terra faz fronteira com o Acre e com o Peru, áreas onde há trânsito de invasores.

CONJUNTO DE FATORES

Os xavante são o terceiro grupo indígena mais atingido pela pandemia da covid-19 no país, com mais de 200 infecções conhecidas e 36 mortes. São nove terras indígenas e várias aldeias no Mato Grosso, estado onde a pandemia mais cresce no Brasil. A matéria da BBC tenta entender o que acontece nessas aldeias para que o contágio tenha começado a se acelerar tanto, e há um conjunto tão diverso de fatores que é difícil elencar apenas um. Como em tantos outros lugares, faltam máscaras, material de limpeza e equipamentos de proteção até para os sepultamentos. Quem leva esses materiais para as comunidades são, em geral, voluntários e missões religiosas. O efeito disso, porém, parece ser o de piorar os contágios. Uma procissão – que, segundo o padre, foi iniciativa dos indígenas – pode ter se tornado foco numa aldeia que hoje é a mais atingida pelo coronavírus. Um vídeo de abril mostra um pastor evangélico fazendo culto de cura no quintal de uma residência, com indígenas e religiosos próximos e sem máscaras. Para completar, candidatos às eleições municipais entram e saem das aldeias em busca de votos.

EMPREGOS E AUXÍLIO

O IBGE lançou ontem uma pesquisa para identificar os efeitos da pandemia sobre as vendas, capacidade de pagamento e número de empregados das empresas brasileiras. Os primeiros resultados devem ser divulgados na próxima quinta, dia 16. 

Os pedidos de seguro-desemprego chegaram a 653,1 mil em junho, um aumento de 28,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo a Folha, é o terceiro mês seguido em que há um crescimento na casa dos dois dígitos. Mas houve queda em relação a abril e maio. Nesses meses, haviam sido respectivamente 748 mil e 960 mil requerimentos. 

Quanto ao auxílio emergencial, a Receita Federal e o Ministério da Cidadania fecharam um convênio para coibir fraudes. Os dois órgãos vão usar dados do Cadastro Único e do banco de informações do Imposto de Renda, trocar informações e fazer operações “de caráter preventivo e repressivo”. Já se passaram três meses desde que o auxílio começou a ser distribuído e, desde então, notícias sobre fraudes não param de pipocar. 

ERRAMOS

Ontem, na nota sobre a possível saída do Brasil da Opas, dissemos que o país acumula uma dívida de US$ 24 bilhões com a entidade. Escrevemos errado: são cerca de US$ 24 milhões. 

Foto: © UNESCO

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