Deltan que ama o FBI que odeia a PGR (o que eles querem, afinal)

Newsletter do The Intercept Brasil, por Rafael Moro Martins, Leandro Demori, Rafael Neves

Em mais uma de suas notas indignadas, a Lava Jato de Curitiba esperneou na quinta-feira à noite contra a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, que obrigou forças-tarefas do Ministério Público a compartilharem os dados de suas investigações com a Procuradoria-Geral da República.

“Lamenta-se que a decisão inaugure orientação jurisprudencial nova e inédita, permitindo o acesso indiscriminado a dados privados de cidadãos”, choramingou a equipe liderada por Deltan Dallagnol, se colocando – como sempre acontece quando se tenta pôr limites na fúria persecutória dela – no papel de vítima de uma arbitrariedade.

Pois vamos esquecer as prováveis intenções não-republicanas do procurador-geral Augusto Aras, chapa de Jair Bolsonaro, e olhar para o modo de agir da patota de Curitiba.

O diálogo a seguir, travado pelo Telegram, é inédito:

9 de março de 2016 – Chat 3Plex RESTRITO

Paulo Roberto Galvão – 10:45:35 – videoconf com prdf, vcs podem 17h? pq eles estão com aquele problema de fechar a pr às 18h

Julio Noronha – 10:46:52 – Januário, Athayde, Robinho, Jerusa e eu

Noronha – 10:48:18 – Pode ser! De repente, quem não ficar na oitiva, poderia participar da vídeoconf

Galvão – 10:49:06 – seria importante alguém ver o que tem no pic da prdf antes da reunião, para ver se tem coisas interessantes mesmo e coisas que nós não teríamos dificuldade para reproduzir

Galvão – 10:49:24 – Obs.: ninguém mencionar que tivemos acesso ao Pic, pois foi passado em off

Noronha – 10:50:26 – Ok

Vamos te ajudar a entender a conversa entre os procuradores. PIC é a sigla pela qual eles chamam os procedimentos de investigação criminal que podem abrir ao bel-prazer, sem precisar de autorização de um juiz. Off é um jargão do jornalismo que descreve algo passado por uma fonte que quer ficar no anonimato. Transplantado para o ambiente do MPF, quer dizer que algum procurador entregou um inquérito aberto em Brasília aos colegas de Curitiba, mas ninguém poderia saber disso. Ou seja – o compartilhamento era indevido.

Não foi nem de longe a única vez. Já contamos, em parceria com o UOL, como a força-tarefa de Curitiba utilizou sistematicamente contatos informais com autoridades da Suíça e de Mônaco para obter provas ilícitas. Fez isso para prender alvos considerados “prioritários”, vários dos quais viraram delatores premiados.

E, com a Agência Pública, narramos como a turma de Deltan contornou o Ministério da Justiça e tratados de cooperação internacional para colaborar com o FBI e o DOJ, o Departamento de Justiça dos EUA.

Vamos relembrar um trecho dessa reportagem:

Quase dois meses seguintes à reunião em Curitiba, as preocupações de [Vladimir] Aras [, procurador responsável pela cooperação internacional na Procuradoria Geral da República,] se acumularam quando Dallagnol o informou de que “o DOJ já veio e teve encontro formal com os advogados dos colaboradores, e a partir daí os advogados vão resolver a situação dos clientes lá… Isso atende o que os americanos precisam e não dependerão mais de nós”. Na visão de Dallagnol, os “EUA estão com faca e queijo na mão” — a investigação nos EUA já era um fato consumado, que nem o MPF nem o governo Dilma poderiam frear. Os acordos de delação nos EUA continuam sob sigilo até hoje.

Se procuradores trocaram entre si informações sem precisar de autorização judicial, buscaram por baixo dos panos dados com autoridades europeias e dividiram alegremente o que tinham em mãos com a turma do FBI, por que agora a Lava Jato tanto resistiu para compartilhar o que tem com a PGR, que é quem chefia o Ministério Público Federal?

Nós temos algumas suspeitas.

A PGR tornou pública, mês passado, a desconfiança de que políticos como Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente presidentes da Câmara e do Senado, foram alvos de uma “investigação camuflada” pelo grupo de Dallagnol, apesar de estarem fora da alçada de Curitiba.

Some-se a isso a revelação de que a Lava Jato deixou mais de mil inquéritos inconclusos ao longo do tempo e chega-se à conclusão de que há um material de dimensões desconhecidas armazenado no Paraná. Não é surpresa que os procuradores tenham se esquecido, na nota, do discurso de que o compartilhamento de dados entre investigadores é uma “boa prática”, como já disseram a respeito da troca de informações com órgãos internacionais revelada em reportagens da Vaza Jato. Para se defenderem, era bom. Agora, acham ruim.

Mas não é só a cautela que move a Lava Jato neste momento. Cálculos e maquinações políticas sempre estiveram no horizonte dos procuradores. A Lava Jato, como já mostramos, é um partido político em gestação, com candidatos ao Senado (o próprio Deltan) e a presidente em 2022, Sergio Moro.

Acha exagero? Então dá uma olhada nesse vídeo que um movimento político comandado das sombras por Deltan Dallagnol produziu em setembro de 2015:

Parece coisa de campanha eleitoral, não? Pois é. E temos visto um desavergonhado Sergio Moro tentando fazer o distinto público acreditar que ele tem tantas ressalvas a Jair Bolsonaro (que ajudou a eleger e a quem bajulou enquanto serviu como ministro) quanto a Lula (que tornou inelegível ao prender sem provas).

Moro, Deltan e os seus já têm o discurso pronto para 2022. Serão os heróis contra a corrupção e o sistema político perverso que está impedindo a Lava Jato e o ex-juiz que largou a carreira de limpar o país. Se a operação estiver em andamento até lá, aos oito anos de duração, quem irá impedi-la de usar as investigações para tirar do caminho adversários políticos ou constranger potenciais aliados cujo apoio pode ser importante a não melindrá-los?

As mais de mil investigações abertas ainda estarão à mão. E quem não se lembra de como a Lava Jato vazou seletivamente grampos da então presidente da República para impedir que Lula virasse ministro e lhes fugisse do alcance?

Moro, Dallagnol e companhia já usaram a investigação que comandam para ajudar a decidir uma eleição presidencial em que nem concorriam. Dá pra imaginar o que farão se o nome deles estiver nas urnas. Pelo bem da democracia, é bom que eles sejam apenas candidatos em 2022.

Hieronymus Bosch: detalhe de Cristo carregando a cruz

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