Mulheres agentes da CPT no Maranhão refletem sobre a luta por territórios livres no campo e a luta das mulheres por corpos como “territórios”livres também. Confira:
“Defender o território-terra e não defender o território-corpo das mulheres é uma incoerência política”.
Lorena Cabnal (Feminista Comunitária da Guatemala)
por LINALVA CUNHA CARDOSO SILVA*, JAQUELINE FREITAS VAZ** e SILMARA MORAES DOS SANTOS***, em CPT
As mulheres dos territórios maranhenses acompanhados pela Comissão Pastoral da Terra – Regional Maranhão, reivindicam e almejam o lugar, a terra, o corpo como territórios “livres”, nesse caso, sem as aspas que trazemos e que nos remetem a tantos problemas que nos levam a construir, junto a elas, caminhos para romper com a ausência de liberdade sob as várias formas de violência e violações de direitos por elas sofridas. Para tanto, poder (re) conhecer que a identidade pode ser um importante ato revolucionário nesse processo de luta, muito contribui para que essas demarquem um posicionamento de toda essa rede de vida plural, existente nos territórios e que, para as mulheres, têm se manifestado na defesa da terra, do corpo e do território enquanto lugar de morada, de passagem e expansão de tudo que se aprende e se compartilha enquanto sagrado e atemporal.
Como exemplo disso temos as mulheres do Quilombo Lagoa Grande, situado no município de Presidente Vargas, região Norte do estado, a 165 km de São Luís (MA). A origem do quilombo vem das inúmeras fazendas de escravos que existiam naquela região, sendo ela também conhecida como: terras de pretos do Vale do Munim, segundo José Reinaldo Miranda de Sousa. Uma região, também conhecida como território das águas, banhada pelo Rio Munim. O Quilombo Lagoa Grande tem 28 mil ha e possui lagos e lagoas diversas, uma delas deu nome ao lugar, e justamente nestas águas é que foi possível experienciar as manifestações de cuidados e práticas que religam as mulheres a este chão, como verdadeiras guardiãs do sagrado. Elas fazem a proteção através do plantio das matas ciliares e a conservação das águas, principalmente das nascentes que são, segundo elas, a morada das mães d’águas, seres encantados que fazem a defesa física e espiritual do território. Dentre as práticas herdadas por suas ancestrais, está a proibição do uso de qualquer produto de origem industrial, já que essas águas também são utilizadas para lavar roupas e para fins domésticos.
Trazer à tona os cuidados, a luta e resistências secular das mulheres de Lagoa Grande é, acima de tudo, sublevar uma percepção sobre o modo de fazer, de criar e de viver dessas mulheres que (re) significam essa luta perene demonstrada em muitos aspectos como: nas práticas de feitura e ingestão dos remédios caseiros, do artesanato do babaçu, na escolha das sementes para plantar, no ciclo lunar de colheita das ervas e das cascas de árvores, nas danças, nas músicas, no chacoalhar dos maracás, no batuque do tambor, na lida na roça, no cuidado e proteção com os igarapés, na personificação das palmeiras de babaçu, denominadas por elas como mães-palmeiras, na quebra do coco, na feitura do azeite e em tantas outras relações construídas ao longo dos tempos que fortalecem uma luta política, por muitas vezes, sufocada pela invisibilidade e, portanto, pelas violências plurais /sofridas por elas em seus territórios.
Mesmo silenciadas e oprimidas, essas mulheres preservam o ofício de parteiras, benzedeiras e mães de santos, que usam da arte, da cultura e da manifestação religiosa para apresentarem seus conhecimentos empíricos de cura do corpo e da alma. E tem sido através das ervas, dos chás e dos banhos que essas mulheres resistem, se fazem presença e são sementes “sábias e misteriosas” (ESTÉS, 2007, p. 48) dentro do território, lançando-se em diferentes situações. Esse conhecimento por elas adquirido, sobre seus corpos, sobre as vivências de suas ancestrais e o modo como isso chega às mulheres jovens das comunidades, diz muito sobre o que, segundo elas, tem relação com a natureza, com a proteção que fazem dela e com as ervas que curam umas às outras, principalmente em relação às doenças sofridas pelas mulheres, causadas também, pelas violências físicas, psicológicas e moral sofridas, muitas delas, por seus parceiros e lideranças locais.
Por muitos aspectos, essas mulheres vêm reafirmado sua existência enquanto categoria coletiva que politiza seu modo de fazer, dentro do “campo da significação ambiental” (ALMEIDA; DOURADO, 2013, p. 28). Pois, a proteção e o cuidado com o território perpassam, segundo elas, por saberes, pela reafirmação da identidade dentro dos processos plurais existentes principalmente, dialogando com a importância dessas experiências dentro de um contexto socioeconômico, cultural, político e ambiental, com base em suas raízes históricas.
Em resposta às ameaças ao patriarcado e ao sistema capitalista vigente, que se retroalimentam e se apresentam em diversas formas através dos grandes projetos existentes como: os linhões, a plantação de eucalipto, a soja, a mineração, as barragens, os portos e o MATOPIBA, que incidem sobre os territórios e corpos, principalmente das mulheres, elas têm fortalecido ainda mais sua organização política, enquanto guardiãs nos territórios, e, com isso, demonstram uma simbiose existente entre elas e a natureza, de modo que essa luta seja constante, pois defender o corpo da mãe terra, é defender o seu próprio corpo e das futuras gerações. Assim, as dores sentidas nos corpos físicos são entendidas por elas como dores sentidas pela própria mãe terra, conforme cita Dona Lucimar Sousa: “O corpo da mulher é um território, e esse território precisa ter saúde, física e mental, se a mulher fica doente, o território todo adoece, pois é ela que ajuda a cuidar dele. Por isso que temos que ter o nosso território vivo para poder plantar o nosso alimento sem veneno, com o uso do veneno, nós e o território morremos”.
*Agente da CPT/MA do Sub-regional Centro Sul na coordenação do Projeto Rede de Ação Integrada de Combater a Escravidão – RAICE nos municípios de Codó e Timbiras/ MA.
**Agente voluntária da CPT/MA no Sub-regional Centro Sul no Projeto Raice em Codó e Timbiras/MA.
***Agente da CPT/MA do Sub-regional Norte e coordenadora da equipe Norte.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Alfredo W. B. de; DOURADO, Sheilla Borges (Orgs.); ed. Ver. E aum. Conhecimento tradicional e biodiversidades: normas vigentes e propostas identidade coletiva e reivindicações. Manaus: UEA Edições: PPGSA/ PPGAS, UFAM, 2013.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias: ser jovem enquanto velha, velha enquanto jovem. Tradução de Waldéa Barcellos. – Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
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(foto: Andressa Zumpano)