Mais de 10 organizações sociais expuseram o agravamento dos ataques do governo brasileiro aos direitos humanos durante a pandemia
por Nanda Barreto, em Cimi
A violação sistemática do governo federal aos direitos indígenas no contexto da pandemia de Covid-19 foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) nesta quarta-feira (15). O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo Oliveira, expôs a grave situação dos povos originários no país. “A política do atual governo é contra os direitos humanos, de incitação ao ódio, preconceito e violência”, sintetizou.
Na avaliação de Eduardo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, vai na contramão do que seria seu dever constitucional: o de proteger as populações mais vulneráveis. “Todo o sistema de proteção aos direitos foi desestruturado, inclusive o Programa Mais Médicos, que atendia populações em suas aldeias. Com a chegada do novo coronavírus, milhares de indígenas ficaram sem proteção e atendimento”, enfatizou, acrescentando que organizações indígenas têm somado esforços para suprir o vazio deixado pelo Estado.
As denúncias foram recebidas pelo relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante reunião no âmbito da 176ª sessão da CIDH. Mais de 10 organizações da sociedade civil participaram do encontro, expondo os ataques enfrentados pela população negra, carcerária, LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros queer e interesexos).
Também foram abordados assuntos como o descumprimento de regras de isolamento social, falta de saneamento básico, moradia adequada, retrocessos no mundo do trabalho e o aumento da violência policial e contra as mulheres, entre outros. Além disso, as entidades ressaltaram a urgência no pedido de apoio, já que o Brasil desponta entre os países mais afetados pela Covid-19. Mesmo com a subnotificação, o número de casos e óbitos segue em curva ascendente e o número registrado de mortes já ultrapassa 75 mil.
“Na semana passada, em mais um ato de desumanidade, o presidente Bolsonaro vetou 16 artigos do PL 1142, que previa, entre outras medidas, a garantia de acesso à água potável, alimentação, leitos hospitalares e medicamentos”
Veto a direitos básicos
Os vetos ao Projeto de Lei que buscava assegurar medidas emergenciais, durante a pandemia, para povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais foram ressaltados por Eduardo. “Na semana passada, em mais um ato de desumanidade, o presidente Bolsonaro vetou 16 artigos do PL 1142, aprovado pela Câmara e Senado Federal, que previa, entre outras medidas, a garantia de acesso à água potável, alimentação, leitos hospitalares e medicamentos”.
A incompetência e negligência do governo federal no que diz respeito à divulgação de dados sobre contaminação foi levantada pelo secretário-executivo do Cimi. “As organizações indígenas contabilizam mais de 500 óbitos, em 130 povos. Os dados oficiais do governo apontam pouco mais de 200 óbitos; isso devido à subnotificação, por não considerarem a existência de indígenas residentes em centros urbanos. Estes são sepultados sem nome e sem povo”.
A presença de invasores nos territórios indígenas foi pontuada por Eduardo, referindo-se aos garimpeiros, grandes mineradoras, madeireiros e latifundiários. “São presenças criminosas que destroem suas terras, suas águas, suas florestas e seu modo de vida tradicional, afetando não apenas a sua sobrevivência, mas a de todo o planeta”.
“Ficou claro que o governo brasileiro não tem um planejamento mínimo para lidar com os desafios trazidos pela pandemia”
Próximos passos
De acordo com Eduardo, o relator demonstrou preocupação com o cenário alarmante exposto pelas organizações. “Ficou claro que o governo brasileiro não tem um planejamento mínimo para lidar com os desafios trazidos pela pandemia. O relator salientou sua apreensão em relação aos indígenas, em especial aos isolados, e indicou que fará um relatório com todas as questões e levará à plenária da CIDH para providências”.
Além da reunião temática, a CIDH recebeu denúncias formais das organizações sociais, que serão analisadas e, se comprovadas, encaminhadas para o julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – podendo resultar em sanção ao governo federal. Em 2018, por exemplo, a Corte responsabilizou o Estado brasileiro pela violação do direito à proteção judicial e à propriedade coletiva do Povo Indígena Xukuru, em Pernambuco. A indenização ao povo foi de US$ 1 milhão.
Entre as entidades que participaram da reunião estão a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil; Fórum Ecumênico Act Brasil; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexos; Centro de Educação e Assessoramento Popular; Comissão Pastoral da Terra, SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, Pastoral Carcerária Nacional, Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários UNISOL Brasil, e Processo de Articulação e Diálogo Internacional.
–
Levantamento da Apib mostra que 129 povos já foram atingidos pela pandemia. Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá