É preciso muita atenção para com o MPF. E aí, Sexta Câmara? Até onde isso vai?

Tania Pacheco

Três semanas depois de ‘pedir explicações’ a nove dos 12 procuradores que haviam protocolado Ação de Improbidade Administrativa contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Corregedoria do Ministério Público Federal volta a atuar contra quatro integrantes do MPF, três dos quais já alvos da ação anterior.

Desta vez, a corregedora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos decidiu agir a partir de uma iniciativa da Funai: uma Representação contra os procuradores da República Marcia Zollinger, Gustavo Kenner Alcântara, Julio José Araujo Junior e Luis de Camões Lima Boaventura. A base da queixa? A Ação Civil Pública movida por eles, questionando a indicação de um ex-missionário – Ricardo Lopes Dias – para a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato.

Há alguns fatos curiosos a respeito de tudo isso. Em primeiro lugar, o ex-missionário da Novas Tribos já havia tido sua nomeação aprovada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha. Noronha, lembremos, é o mesmo que entre outras coisas mandou libertar Queiroz para prisão domiciliar, recomendou o mesmo tratamento para sua fugitiva mulher (para que cuidasse de Queiroz em tempos de pandemia), e, não por acaso, consta da lista dos mencionados pelo presidente da República no leilão de vagas para o STF. Antes disso, a ACP havia recebido decisão favorável no TRF1, além de pareceres favoráveis na PRR-1, PGR-STJ e representação da 6CCR perante o PGR para uma SLAT no STF.

Considerando que a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça foi tomada nos primeiros dias de junho, a Representação tem caráter mais curioso ainda. Além do fato de encaminhá-la apenas no dia 31 de julho, quase dois meses após a ‘vitória’ no STJ, nela o presidente da Funai opta por acusar os procuradores de ‘intolerância religiosa’, ‘crime de discriminação em razão de religião’ e ‘crime de ultraje a culto’, seja isso o que for.

A fragilidades dos argumentos, aliada à extemporaneidade da ação, levam a crer que o objetivo da presidência da Funai seja exclusivamente tentar intimidar os procuradores da República, que constitucionalmente têm a responsabilidade de defender os direitos dos povos indígenas. Como deveria fazer a Funai, aliás, embora em outra esfera. Nesse caso, agindo como aliados, em lugar de como inimigos. Mas isso é assunto para outro texto.

A questão é que o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva tem um histórico que guarda léguas de distância de exemplos de defesa dos direitos indígenas. Além de sua proximidade com o Secretário de Assuntos Fundiários Nabhan Garcia, trabalhou como assessor da CPI da Funai e do Incra, na Câmara dos Deputados, a convite da bancada do agronegócio. E, quanto à sua afinidade com o MPF, basta dizer que outro procurador da República, Wilson Rocha, exigiu seu afastamento quando da desintrusão de Marãiwatsédé, por estar ele trocando informações com os invasores da Terra Indígena.

Nesse cenário e considerando todos esses dados, o minimamente razoável a se esperar seria que a corregedora-geral – do MPF, vale recordar – desse justo destino à Representação intimidatória recebida. Errou quem assim pensou.

Seguindo os passos caóticos que imperam no ringue arbitrário em que vem sendo transformado o Ministério Público Federal, Elizeta Maria de Paiva Ramos decidiu não só conceder livre trânsito à tentativa de fragilização e intimidação dos procuradores, como também oferecer sua contribuição pessoal a isso. Repetindo a iniciativa na ação contra Salles, optou por questionar a assinatura de Gustavo Kenner Alcântara, Julio José Araujo Junior e Luis de Camões Lima Boaventura, ao lado daquela da procuradora natural, Marcia Zollinger.

Vale lembrar que, na ocasião, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, foi ouvido pelo G1, a quem afirmou que “o procedimento de assinatura de colegas lotados em unidades do MPF em outros estados ocorre com frequência”:

“É uma prática costumeira na instituição e que nada macula a atuação do MPF. A assinatura de outros colegas, em apoio, desde que o procurador natural ou os procuradores naturais assinem também, não traz qualquer prejuízo ou ilegalidade na atuação. É uma prática que prestigia, inclusive, o princípio da unidade, pois não é incomum existirem investigações conexas ou similares instauradas em locais diferentes, por procuradores que igualmente têm atribuição sobre o assunto. E constitui também uma forma de despersonalizar a atuação do membro do MPF, em atenção ao princípio da impessoalidade”.

Ao longo dos últimos 15 anos em que venho acompanhando mais cotidianamente a atuação do MPF – e a da 6a. Câmara de Coordenação e Revisão em particular – foram inúmeras as vezes em que testemunhei e noticiei ações assinadas por diversos procuradores, exatamente como fala o presidente da ANPR. E isso sempre me pareceu algo elogiável, simbolizando ainda uma visão de mundo irmanada pela defesa dos direitos e da Constituição. A corregedora age, ao contrário, como se tal fosse algo indesejável e punível, ao que parece. Algo a ser ‘intimidado’, também?

Espero que o Ministério Público Federal sobreviva a tudo isso. E, para isso, é necessário que muitos passos sejam dados. Como um primeiro, é fundamental verificarmos como a 6CCR agirá em relação a este episódio abjeto.

Em tempo: seguramente não por mero acaso, três dos procuradores agora questionados assinaram também a ação contra Salles.

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