Sílvio Almeida sobre ato da Defensoria Pública da União contra ação afirmativa da Magazine Luiza

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A ação da DPU contra o programa de contratação de trainees da Magazine Luiza é mais um capítulo do esfacelamento social e político resultante de nossa atual crise civilizatória. Segue fio com algumas considerações:

Ao mesmo tempo em que a responsabilidade institucional deve ser ressaltada, é preciso dizer que a DPU não pode ser definida por este ato. Há trabalhos incríveis da DPU, e aqui destaco a recente Ação Civil Pública que pediu a inclusão dos dados de raça nos casos de Covid-19.

Sobre a petição da DPU, não quero perder tempo tratando de seu conteúdo jurídico, pois não há nada ali que possa assim ser chamado. É como se alguém pegasse a caixa de comentários de um portal de notícias e organizasse em seções: “dos fatos”, “do direito” e “do pedido”.

É indigente. Pedestre. Mas tem algo maior nisso tudo que não se encerra no conteúdo. É espantoso o total desapego ao direito do ponto de vista da técnica. Não há preocupação sequer aparente com a racionalidade jurídica, ou seja, com uma argumentação cujo sentido possa ser encontrado em um debate prévia e cientificamente orientado por uma “comunidade jurídica”. É pura selvageria.

A petição ignora solenemente TODA a produção teórica sobre discriminação e – pasmen – sobre direitos fundamentais. Não se trata de “posição isolada”. A peça processual não possui posição porque desconectada de quaisquer debates jurídicos.

Poderia se dizer que a peça contém erros, mas não é o caso; a peça é delirante porque não tem qualquer lastro doutrinário. Ou seja: é uma petição que não tem ponto de partida, só ponto de chegada que é o indisfarçado combate ideológico do seu subscritor.

Isso não começou aqui. As peripécias jurídicas da combalida Lava Jato foram o ponto alto da selvageria com verniz jurídico que tomou conta do país. Às favas com precedente, com estabilidade, com segurança jurídica. Quem precisa abrir um livro se vale golpe abaixo da cintura, navalha na luva e dedo no olho? Quem precisa estudar quando o que vale é a pura vontade?

A indigência técnica da peça não significa que ela seja inofensiva. Uma ação judicial movida por um órgão de Estado tem um efeito político devastador. É intimidatório. O seu propósito maior é constranger as empresas que resolverem estabelecer programas de ação afirmativa.

É uma reconfiguração do lawfare contra a população negra e aqueles que se colocam em posição antirracista. É uma tentativa de tomar o poder subvertendo a finalidade das instituições. Vemos o mesmo no MP, na Magistratura e nas Polícias. É o direito contra a democracia.

A resposta a esse abuso tem que ser enfática. Esta ação da DPU viola os fins institucionais da própria instituição que são a defesa dos direitos humanos e a assistência jurídica aos necessitados, cuja base é o inciso LXXIV, art. 5°, da CF.

Não vamos escapar desse debate: o Brasil terá que necessariamente rever o modelo de ocupação do serviço público. É inadmissível que o serviço público sirva de abrigo para que determinados grupos usem a força do Estado para impor suas pautas econômicas e políticas ao arrepio dos interesses do povo brasileiro, tudo em nome de uma pretensa “independência” funcional. O país não pode ser refém destas pessoas.

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