Campanhas da Articulação no Semiárido e da Articulação Nacional de Agroecologia estimulam eleição de prefeitos e vereadores que priorizem agroecologia e agricultura camponesa; dificuldades em virtude da pandemia podem reforçar compra de votos
Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas
O temor de que a situação de pobreza, fome e miséria no campo e nas periferias das cidades leve candidatos a ludibriar os eleitores no pleito municipal de 2020 levou organizações sociais a se movimentarem. Num cenário de desmonte de políticas públicas e retirada de direitos, agravado com a pandemia de Covid-19, movimentos buscam, de um lado, dar visibilidade a políticos comprometidos com os direitos humanos e, de outro, conscientizar as pessoas para que façam suas escolhas de forma consciente.
A Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) lançou no dia 29 a campanha “Não troque seu voto“, que estimula os cidadãos a conhecerem as propostas dos postulantes a cada cargo eletivo para a agricultura camponesa e para o fortalecimento da agroecologia e da convivência com o Semiárido. De acordo com Cristina Nascimento, da coordenação da ASA no Ceará, as ações são baseadas na perspectiva da construção da cidadania e na defesa do Estado como provedor dos direitos.
“É fundamental trabalhar com as famílias e ter uma participação política ativa”, opina. “Só teremos uma construção de vida digna para todos se essa for uma construção do Estado brasileiro em âmbito federal e estadual”. A ideia, segundo ela, é convocar a população para a responsabilidade política no momento eleitoral. “Não dá para eu querer uma sociedade diferente, querer acabar com as desigualdades sociais e querer acesso à água de qualidade se a gente não entender que tudo isso depende da política, dos rumos que a gente define de forma coletiva”.
Em julho, o relatório “O estado da segurança alimentar e nutrição no mundo”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mostrou que a fome pode atingir até 828 milhões de pessoas em 2020, das quais mais de 132 milhões apenas em decorrência das consequências econômicas da pandemia de Covid-19.
Uma das preocupações da ASA é que a crise sanitária reforce a velha e corrompida prática da compra de votos, principalmente devido à perda dos direitos trabalhistas e previdenciários e à ausência de programas governamentais que amparem a produção e a comercialização de alimentos saudáveis.
— Temos plena convicção de que, infelizmente, ainda existem práticas políticas eleitoreiras que levam a ludibriar algumas pessoas nessa perspectiva de troca de favores. É uma cultura que precisa acabar e isso só vai acontecer quando tomarmos consciência de que o nosso voto tem consequências. Não tem um valor mensurável financeiramente.
Cristina destaca que há dois projetos em disputa: um que fortalece a perspectiva da convivência com o Semiárido, a luta pela alimentação saudável, o acesso à água e ao alimento, a educação contextualizada e a saúde. O outro, representado por quem hoje ocupa a Presidência da República, gera desigualdade e pode fragilizar toda a trajetória de vida dos povos do campo.
“A pauta solidariedade muitas vezes é usada para troca de favores, de forma deturpada; nem sempre acontece de forma legítima, fraterna”, comenta. “Precisamos alertar a nossa população, porque muitos ainda sofrem com falta de comida e falta de acesso a equipamentos básicos”.
CANDIDATOS TÊM ACESSO A MAIS DE 700 PROPOSTAS
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lançou, no dia 01 de outubro, a campanha “Agroecologia nas Eleições“, que visa influenciar os candidatos a incluir nas suas propostas iniciativas de fortalecimento da agricultura que produz alimento limpo de agrotóxico e em harmonia com a natureza. Segundo o agrônomo Denis Monteiro, secretário executivo da organização, foram levantadas mais de 700 ações, em todos os estados, que passam pelo âmbito da gestão pública municipal e que, de alguma forma, fortalecem a agroecologia no Brasil.
“A gente fez uma pesquisa em um mês de iniciativas de políticas e programas municipais que apoiam direta ou indiretamente a agricultura familiar e a agroecologia e o resultado nos surpreendeu”, conta. A intenção é que os candidatos tenham em mãos propostas que já existem na prática, e não apenas ideias. “São desde feiras e equipamentos de comercialização até restaurantes populares e moedas sociais, passando por políticas de apoio ao trabalho com sementes crioulas e viveiros de mudas, um leque muito amplo”.
A ANA também construiu um documento com o conjunto de propostas, que deve guiar as ações nos municípios. “Nossa meta é que os movimentos sociais e as ONGs atuantes possam construir o próprio documento, tendo o nacional como referência”, explica. “Além disso, fizemos um mapeamento e escolhemos algumas experiências para sistematizar, dar visibilidade”.
O trabalho, de acordo com ele, não é só para as eleições. “Tem o curto prazo e também a perspectiva a longo prazo”, descreve. “Depois das eleições a gente vai incidir junto a quem se eleger, criando canais de comunicação dos municípios com esse gestores para que as propostas sejam implementadas”.
PLATAFORMA LANÇADA POR INDÍGENAS DESTACA CANDIDATURAS
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou uma plataforma de apoio a candidaturas, coordenada pela Mídia Ninja. O objetivo é reunir os pré-candidatos indígenas e de outros setores progressistas e apoiá-los com encontros e cursos de formação em política, ferramentas de comunicação e outras estratégias que auxiliem na construção de campanhas democráticas e diversas.
A iniciativa foi tema de reportagem do De Olho nos Ruralistas: “Contra o avanço da direita, indígenas preparam “boom” de candidaturas nas eleições de 2020“. A participação ativa na política é vista como uma das frentes para impedir novos retrocessos e garantir a defesa dos direitos dessas populações.
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Foto principal (Leandro Taques/MST-PR): movimentos buscam incentivar agricultura que produz alimento limpo de agrotóxico