Há jacu no pedaço: o senador Miquiguaçu. Por José Ribamar Bessa Freire

De José Ribamar Bessa Freire

Não foi à toa que os índios de Roraima apelidaram o senador Francisco Rodrigues (DEM-RR vixe vixe) de Miguiguaçu e os do Rio Negro, de Jacu, o que foi agora descoberto pela Polícia Federal, quando o flagrou com R$ 33 mil escondidos dentro da cueca, no cofrinho, entre uma nádega e outra. O senador diz que vai “esclarecer o ocorrido”, que “confia na Justiça” e que tem “um passado limpo”, tão imaculado como a sílaba que antecede a “eca”. Será? O Brasil inteiro quer saber – e o Taquiprati revela aqui em primeira mão – as explicações do Chicão, cujos apelidos ajudam a elucidar o ocorrido.

Sem saber as razões do inusitado esconderijo, a imprensa internacional zomba de nós, brasileiros, que elegemos Jair Bolsonaro, responsável por escolher para vice-líder o senador Miquiguaçu, o galinho dos ovos de ouro. Ambos mantiveram por vinte anos “uma relação de quase união estável”. O senador empregou em seu gabinete o Léo Indio, sobrinho do presidente, cujo salário oculto no Portal de Transparência do Senado só foi revelado depois que a Folha de SP invocou a Lei de Acesso à Informação. Leo, estudante de administração, abiscoita quase 23 mil reais por mês. A coisa é tão imoral que ele acaba de pedir demissão, como fizeram Queiroz e sua mulher.

Não sabemos se a Polícia Federal encontrou evidências de que Leo Índio tenha participado do crime de peculato conhecido como “rachadinha”. Já no que diz respeito aos dois filhos do presidente, provas documentais robustas incriminam o hoje senador Flávio Bolsonaro. Para impedir que a opinião pública tome conhecimento de como o dinheiro do contribuinte foi lavado na compra de três dezenas de imóveis e transformado em chocolate, há forte pressão para frear o andamento da investigação e proibir a divulgação de seus resultados.

Além disso, corre em sigilo a apuração sobre o vereador Carlos Bolsonaro suspeito de participar da “rachadinha””, a galinha dos ovos de ouro da famiglia. Seguindo o modelo, a primeira dama recebeu cheques no valor de R$ 89 mil de Fabricio Queiroz, que movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro 2017 de transferências em sua conta feitas por sete servidores do gabinete de Flávio e até hoje sem explicações.  

Ovos de ouro 

Essas operações atípicas reveladas pela Operação Lava Jato foram investigadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Agora, os ovos de ouro do galo e da galinha podem ficar chocos, com o flagrante ocorrido justamente alguns dias após o parceiro de “união quase estável” declarar que “acabou” com a Operação Lava Jato, porque não há corrupção na sua gestão. Se a intervenção de Bolsonaro obtiver sucesso, a famiglia será preservada, mas se investigarem de cabo a rabo – a rabo mesmo – como agora, vai aparecer grana e chocolate até no fiofó.

O fato repercutiu na imprensa internacional assim como nas redes sociais. “Com a mão nas calças” – brada a revista Newsweek. “Dinheiro entre as nádegas” – diz em manchete Le Figaro. “Dinheiro nas cuecas” – esbraveja o jornal português Público. Já o semanário luso Revista Crusoé jura que algumas notas recuperadas estavam com manchas amarelas suspeitas e cheiro de esgoto. “Propina na bunda de aliado de Bolsonaro” – vocifera o britânico The Guardian. No mundo inteiro aparece “o Brasil acima de tudo” e “a corrupção acima de todos”.

Diante de tanto vexame, o país enxovalhado recorre ao humor. Nas redes sociais pululam comentários os mais diversos. “Dinheiro eu aplico no fundo” diz a frase com a imagem do Chicão. “O proctologista do vice-líder do Bolsonaro retira o pagamento na ‘boca do caixa’ como costuma fazer a famiglia” – anuncia outra postagem. Uma terceira avisa: “Chegou a nota de mil reais para facilitar o transporte. Um rolinho com 89 delas fica do tamanho de um tubinho de Targifor C”.

Os patriotas que iam às ruas vestidos de verde amarelo para protestar contra o pedalinho do Lula emudeceram, o gato comeu a língua deles. “Nádegas a declarar” – garantem. “Dia triste pra quem conta cédulas molhando o dedinho na língua. A lavagem de dinheiro vira agora caso de salubridade pública. A PF vai substituir a Lava Jato pela Lava Rabo ou Ducha Higiênica” – previnem os cautelosos.  “Depois da ‘rachadinha”, o “rachadão”. Isso deve ser registrado nos anais do Senado, no singular”.

Cueca Tanajura

O passado do senador Francisco Rodrigues (DEM, ex-PMDB, ex-PTB, ex-PPB, ex-PFL, ex-PSDB – mil vezes vixe vixe) é tão limpo quanto o seu cofrinho. Ele teve seu mandato cassado em 2014 pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, por caixa 2 usado na eleição de 2010.  Bolsonaro conhecia a ficha do seu parceiro de uma “união quase estável”.  Agora ele é apontado como membro de um esquema que desviou mais de R$ 20 milhões em emendas parlamentares destinadas ao combate da Covid-19, o que configura assassinato daqueles que morreram sem ser atendidos.

O senador do cuecão foi afastado do Senado por 90 dias pelo ministro do STF, Luís Roberto Barroso, mas o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP – vixe vixe), do mesmo partido, já está dizendo que “não é bem assim”, vamos examinar com cuidado e pererê pão-duro.

De qualquer forma, reeditando o modelo famiglia, o substituto do Galinho dos ovos de ouro é seu filho, Pedro Arthur (DEM, vixe vixe), o Pintinho dos ovos de ouro, cúmplice do pai acusado pelo crime de peculato por direcionar emendas parlamentares em prol da empresa Art Tec Construção, Terraplanagem e Comércio Ltda, de propriedade do seu irmão e da sua cunhada e depois herdada por Pedro e o irmão Thiago.

Assim, se Chicão Miguiguaçu for cassado – e isso só acontecerá por pressão da opinião pública – fica tudo como antes no quartel de Abrantes, com uma vantagem para o Tesouro Nacional: o cofre do Pedro Arthur é ligeiramente menor do que o do pai e ele descomerá menos dinheiro.

Comedor de grãos

Fica a pergunta: de onde saiu a bufunfa apreendida no ceroulão azul do Chicão? Eis o primeiro enigma que só a PF pode responder. Mas a questão que intriga a imprensa internacional é a seguinte: se é “dinheiro limpo”, porque escondê-lo e logo naquele buraco sujo?

O Chicão tem uma explicação capaz de convencer o gado.  O que aconteceu – dirá ele – foi um golpe publicitário, um teste elaborado por uma empresa de propaganda e marketing para comprovar a necessidade do novo produto: a Cueca Tanajura dotada de oito bolsos, própria para quem precisa esconder altos valores da Polícia.

Resta saber porque o senador Chicão foi selecionado como cobaia. A resposta está com os índios de Roraima, que conhecem muito bem o senador.  Ele foi membro titular, em 2010, da Comissão da PEC nº 1610/96 de Exploração dos Recursos em Terras indígenas. Integrou a CPI sobre a atuação da FUNAI no garimpo em área Yanomami e a Frente Parlamentar em Defesa das Forças Armadas.

Quando os Makuxi e Wapixana botaram o olho no cofre do Chicão, que já foi até governador do Estado, passaram a identificá-lo com o apelido de Miquiguaçu: “bundão” ou “bunda grande”, conforme Teodoro Sampaio em O Tupi na Geografia Nacional (pg,83). No entanto, na área do Rio Negro, os Baré escolheram outro apelido, talvez mais apropriado: Jacu, uma ave que é  mescla de perdiz, faisão e pavão. Stradelli, em seu Vocabulário Português-Nheengatu, Nheengatu-Português (pg. 368) afirma que Jacu, que quer dizer “comedor de grãos”, é usado também para designar o espertalhão. Faz sentido. Há jacu.

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