Sítios estão localizados na Terra Indígena Parque do Encantado, da comunidade Chiquitana, no município de Porto Esperidião (MT)
Procuradoria da República em Mato Grosso
O Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) deverá, até julho de 2021, realizar o registro e proteção de oito sítios arqueológicos, existentes na Terra Indígena Parque Encantado, da comunidade Chiquitana, na região de Porto Esperidião, município mato-grossense localizado a 443 km de Cuiabá, próximo da fronteira com a Bolívia.
A decisão da Justiça Federal atende a um pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria da República no município de Cáceres, no bojo de da Ação Civil Pública nº 1000475-05.2018.4.01.3601, que tinha como objetivo a condenação do Iphan na obrigação de realizar o registro, cadastramento e proteção dos sítios.
Em sua decisão, a juíza da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Cáceres, Tainara Leão Marques Leal, determinou que o Iphan promova as vistorias necessárias nas áreas indicadas, e instaure procedimento para registrar os sítios arqueológicos, no prazo de 90 dias. Após terminado este período, terá 180 dias para apresentar a conclusão da inspeção e, finalizado este prazo, terá mais 180 dias para elaborar o plano de ações para a promoção e proteção dos oito sítios.
A juíza federal enfatizou, ainda, que o processo já tramita desde 2007 e, desde então, tanto o MPF quanto Iphan têm plena ciência da situação precária da área, não havendo dúvidas “quanto à necessidade de se tomar providências de ordem prática para resolver a situação. A forma como se dará o referido registro/vistoria/cadastro, bem como a elaboração do plano de ações para proteção e promoção dos referidos sítios e o tempo necessário, entretanto, são itens que somente poderão ser detalhados na fase de cumprimento de sentença”, completou.
“Depreende-se dos autos que é fato incontroverso que foi apontada a existência de sítios arqueológicos na comunidade chiquitana, com alta densidade de vestígios cerâmicos”, ressaltou a magistrada em sua decisão.
Entenda o caso – Conforme informações que constam nos documentos integrantes da ACP, a possível existência de sítio arqueológico em comunidade chiquitana foi apontada por meio de um laudo elaborado por peritos da Polícia Federal e confirmada pelo laudo elaborado por um arqueólogo do Iphan, após ter realizado uma vistoria em dezembro de 2015 na Terra Indígena Portal do Encantado. Uma outra vistoria anterior, realizada em 2011, por outro arqueólogo, também do Iphan, já havia constatado vários locais com as características de sítios arqueológicos.
Nos laudos foram comprovadas a extrema relevância da relação simbólica do povo chiquitano com os sítios arqueológicos identificados no território pertencente a eles, especialmente no que diz respeito aos cemitérios, que apresentam significado afetivo. Além disso, ao invés de apenas um sítio arqueológico, foram identificados pelo menos oito, com alta densidade de vestígios cerâmicos.
De acordo com um dos arqueólogos, em seu relatório, “considerando-se a profundidade temporal da ocupação chiquitana na região da TI Portal do Encantado atestada pelas fontes etno-históricas, a hipótese de que os sítios arqueológicos nela contidos representem um continnum ocupacional daquele povo durante séculos, talvez milênios, continua válida e ainda mais robusta com os dados coletados no trabalho de campo realizado.(…)”.
Mas, mesmo com os relatórios indicando a existência dos sítios arqueológicos, seria necessária uma nova vistoria no local para que fosse realizada a inscrição no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos.
Recomendação – Assim, objetivando orientar a atividade administrativa e a efetiva proteção do patrimônio arqueológico, o MPF expediu uma recomendação ao Iphan e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Em resposta, o Iphan informou que seria necessário o posicionamento do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), unidade especial da autarquia, responsável pelo cadastramento de sítios arqueológicos. Por sua vez, a Funai informou que obteriam orientação e apoio técnico com a presidência da instituição.
A partir da resposta do Iphan, foi encaminhado um ofício ao CNA pedindo às informações necessárias para proceder o cadastramento dos sítios arqueológicos. Contudo, não houve resposta à recomendação, seja do cumprimento ou não, por parte do setor responsável no Iphan, apesar de notificado há quase dois anos. “A postura do réu é de total indiferença à Recomendação expedida pelo Ministério Público Federal, tanto que sequer respondeu se vai acatar ou não seus termos, apesar de o ofício requisitando informações ter sido reiterado por mais de uma vez”, enfatizou o MPF no pedido feito à Justiça Federal.
Decisão – O Iphan só veio se manifestar em fevereiro de 2019 e, além de só responder aos questionamentos após ter sido provocado judicialmente, ainda argumentou que o Poder Judiciário não poderia interferir nos procedimentos relativos ao cadastro dos sítios arqueológicos, pelo fato de que apresentam etapas de análise administrativa e de decisões de entendimento do própria gestão, e que não estariam ao alcance do juízo.
Na ocasião, a Justiça Federal deferiu o pedido de antecipação de tutela, por meio de liminar, para que o Iphan realizasse os estudos e o registro dos sítios. O Instituto recorreu, mas a Justiça não acatou o recurso, decidindo pelo pedido feito pelo MPF.
“(…) Ocorre que a morosidade excessiva na conclusão do processo administrativo vem se traduzindo no estado de abandono em que se encontra o patrimônio histórico ali existente. (…) No caso dos autos, os elementos de prova jungidos demonstram que a área objeto da lide possui inegável valor histórico e merece proteção. Enfim, diante de todos os laudos técnicos de vistoria e imagens registradas acostadas aos autos, restou incontroverso que, efetivamente, é necessária a conclusão do processo de registro e cadastramento dos sítios arqueológico para impedir maiores danos ao bem como um todo, o que leva à procedência do pedido formulado pelo Ministério Público Federal”, decidiu a magistrada.
Chiquitanos – A população indígena chiquitana no Brasil estava estimada, no ano de 2012, de acordo com o Sistema de Informações de Atenção à Saúde Indígena (Siasi) da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), era de 470 indivíduos, somente em Mato Grossos. A maioria da população chiquitana encontra-se assentada nas terras do Departamento de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
Há registro da presença de índios chiquitanos em solo brasileiro desde 1778, quando a cidade de Cáceres, à época identificada como Vila Maria do Paraguai, teria recolhido 78 chiquitanos fugidos da missão espanhola de São João de Chiquitos. Várias outras levas de indígenas se firmaram em território brasileiro naquele período fugindo dos espanhóis e atraídos pelos incentivos oferecidos pela Coroa Portuguesa para a criação e fixação de mão-de-obra, o que configurou a alta significância e densidade da presença chiquitana no oeste mato-grossense.
As populações chiquitanas há muito ocupam a área da Terra Indígena Portal do Encantado, mas após o tratado Brasil-Bolívia 1867 e, principalmente com a promulgação da Lei de Terras em 1960, sofreram intensas pressões externas pela expansão agropecuária, inclusive tendo sido utilizados em larga escala como mão-de-obra nas fazendas da região.
Em 1998, a Funai entrou na área para a realização dos levantamentos preliminares para, em 2002, identificar a terra como de propriedade ancestral dos chiquitanos. A área possui aproximadamente 43 mil hectares e perímetro de 121 quilômetros.
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Foto: Fran Paula/FASE