Bolsonaro deixa participantes do G-20 “em choque” ao falar de racismo. Por Jamil Chade

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A decisão de Bolsonaro de usar a cúpula do G-20 para reclamar de protestos contra o racismo no Brasil gerou um amplo constrangimento e choque entre algumas delegações estrangeiras e até indignação entre as agências da ONU.

Ao discursar na abertura da reunião virtual, o presidente fez uma alusão à morte de João Alberto Silveira Freitas. Mas não como muitos esperavam. “O Brasil tem uma cultura diversa, única entre as nações. Somos um povo miscigenado”, afirmou Bolsonaro. “Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de ‘luta por igualdade’ ou ‘justiça social’. Tudo em busca de poder”, disse.

Uma parcela das delegações não entendeu imediatamente do que se tratava. Mas, para quem acompanhava a situação no Brasil, a atitude foi considerada como um ato “sem sintonia” com o discurso de direitos humanos das entidades internacionais, principalmente num momento em que a pandemia afeta de forma desproporcional a parcela mais vulnerável da população.

Uma negociadora de alto escalão de um país europeu que acompanha a reunião confessou à coluna que ela e outros ficaram “em choque” ao ouvir a “tese de conspiração” sobre o racismo no Brasil. “Como é que, em pleno século 21, ainda escutamos tais discursos”, questionou a diplomata, na condição de anonimato.

Fontes ainda confirmaram que diplomatas estrangeiros trocaram mensagens comentando a atitude do brasileiro, enquanto outros, sem saber o motivo da declaração, buscavam entender do que Bolsonaro falava.

Na delegação de uma das agências da ONU, a reação foi de indignação. Chamou ainda a atenção que nenhuma referência tenha sido feita pelo presidente sobre a vítima e nem sobre a necessidade de uma resposta que leve em consideração a Justiça.

A reação de Bolsonaro também gerou preocupação de governos diante de seu comportamento em relação aos direitos humanos e sua recusa em colocar em questão a ação de policiais.

Uma parcela dos diplomatas latino-americanos, porém, não se surpreendeu. Negociadores lembraram como, em meados do ano diante dos debates na ONU sobre a morte de George Floyd, o governo brasileiro optou por tentar enfraquecer uma resolução no Conselho de Direitos Humanos que visava investigar e pedir uma apuração sobre o caso nos EUA.

O Itamaraty ainda deu ordens para que a delegação do Brasil nos debates saísse em defesa do papel da polícia.

Numa nota oficial publicada nesta sexta-feira, a ONU destacou que morte de João Alberto Silveira Freitas “é um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira”.

Em um comunicado, a organização repudiou o fato de o brasileiro ter sido “brutalmente agredido” e pede investigação. “A violenta morte de João, às vésperas da data em que se comemora o Dia da Consciência Negra no Brasil, é um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira”, diz a ONU.

“Milhões de negras e negros continuam a ser vítimas de racismo, discriminação racial e intolerância, incluindo as suas formas mais cruéis e violentas”, afirmou.

“Dados oficiais apontam que a cada 100 homicídios no país, 75 são de pessoas negras. O debate sobre a eliminação do racismo e da discriminação racial é, portanto, urgente e necessário, envolvendo todas e todos os agentes da sociedade, inclusive o setor privado”, apelou. “A proibição da discriminação racial está consagrada em todos os principais instrumentos internacionais de direitos humanos e também na legislação brasileira”, disse.

A ONU Brasil ainda pede que as autoridades brasileiras garantam “a plena e célere investigação do caso e clama por punição adequada dos responsáveis, por reparação integral a familiares da vítima e pela adoção de medidas que previnam que situações semelhantes se repitam”.

Manifestação no vão do Masp, em São Paulo, em julho de 2020, contra o governo Bolsonaro e suas posições durante a pandemia. Foto: Pam Santos

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