Suspensão de reunião na Resex Tapajós Arapiuns (PA) reforça debate sobre consulta prévia no manejo florestal

Franciele Petry Schramm, na Terra de Direitos

A suspensão de uma reunião do Conselho Deliberativo (Condel) da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns por decisão liminar da Justiça Federal, em Santarém (PA), reabre o debate sobre a necessidade de consulta prévia para as comunidades e aldeias que vivem na Resex. No dia 18 de novembro, o juiz federal substituto Felipe Gontijo, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal de Santarém, suspendeu a reunião do Condel prevista para acontecer entre os dias 22 e 23 de novembro, na Vila de Boim, dentro da Resex, que trataria, entre outros pontos, da proposta de manejo florestal da área em favor da Cooperativa Mista Agroextrativista Do Rio Maró (Coopermaro).

Na decisão, o juiz considerou que o pouco prazo entre a convocatória e a reunião – o ofício de convite da reunião foi enviado apenas no dia 3 de novembro – e as condições sanitárias em razão da pandemia de Covid-19 não permitiria uma efetiva Consulta Prévia, Livre e Informada aos povos indígenas e tradicionais da região, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. A liminar atendeu pedido feito em Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR) e pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), com assessoria jurídica da Terra de Direitos.

Presidido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Condel é responsável pela gestão da unidade de conservação de mais de 677 mil hectares que está localizada nos municípios de Santarém e Aveiros, e onde vivem 78 comunidades tradicionais e indígenas.

Consultado, o CITA lembra que o direito à consulta está garantindo na Convenção 169 da OIT, um tratado internacional ratificado pelo Brasil, e que se aplica a qualquer projeto, empreendimento ou ato administrativo que possa impactar povos indígenas e populações tradicionais. Apesar do amparo nesse tratado, em nenhum momento os povos da Resex foram previamente consultados sobre a concessão de um novo manejo florestal, que seria deliberada na reunião do Condel marcada para o último fim de semana. “Sem consulta, sem conversa”, destaca uma das lideranças. “Não basta só conversar com a gente aqui, a gente tem que conversar com o povo. É o povo que tem que saber o que está acontecendo e o que vai acontecer para poder decidir”.

Segundo o CITA, é preciso que haja outros espaços de discussão para além das reuniões do Conselho Deliberativo ou mesmo do Conselho Comunitário, pois há a tendência de que esses espaços sejam ocupados por pessoas de fora da comunidade e as discussões aconteçam em linguagem pouco acessível aos comunitários. Além da participação de representantes dos moradores, o Condel é composto por representantes de órgãos públicos, de universidades, e de outras organizações da sociedade. “As pessoas das comunidades não entendem o linguajar, não entendem siglas. Essas coisas devem ser claras para que o povo entenda o que está sendo discutido, o que estão assinando”, pontua o Conselho.

Um lugar de luta
O STTR também pondera que alguns processos estão sendo atropelados e que muitos moradores das Resex não sabem o que está acontecendo na comunidade nem foram previamente consultados.

Segundo lideranças do Sindicato, o pedido para o adiamento da reunião até a realização da consulta prévia respeita a história de Resex, criada em 1998 através de muita luta e organização das comunidades para defender o território do interesse das empresas madeireiras que exploravam a região. “A luta dos movimentos sociais, junto com as comunidades e liderada pelo sindicato foi muito árdua”, contam. O Sindicato ainda alerta que agora a preocupação é de que as ameaçam voltem com uma “nova roupagem”, através do “manejo florestal comunitário que não é comunitário”. “A gente sabe que existem as áreas próprias de manejo florestal comunitário, mas isso depois desvirtuou e está como exploração qualquer”, lamentam. “A Resex foi criada para uso de forma sustentável, não predatória. Precisamos avaliar se essa proposta vai beneficiar todas as pessoas, não apenas algumas”.

Consulta Prévia
Um processo de formação para a construção de Protocolos de Consulta – um documento que aponta como se dará o processo de consulta – já havia sido iniciado no ano passado dentro da Resex Tapajós Arapiuns. O protocolo deveria ser finalizado este ano, com a aprovação dos documentos em uma assembleia com os comunitários, mais foi suspenso após a pandemia de coronavírus.

O direito à consulta prévia, no entanto, independe da existência de um protocolo, e tanto CITA quanto STTR reivindicam que esse direito seja respeitado. Enquanto a consulta não é realizada, atritos internos entre os comunitários – a favor ou contra o adiamento da reunião do Condel – se intensificam. “Essa disputa de narrativas precisa ser resolvida, e só vai ser resolvida se houver consulta prévia, livre e informada, porque aí o povo vai decidir o futuro da Reserva Extrativista”, destaca o STTR.

A assessoria jurídica da Terra de Direitos que acompanha o caso informa que o  processo segue agora para contestação do ICMBio. “Como a Ação Civil Pública foi movida contra o ICMBio, que é o gestor da Resex e presidente do Conselho Deliberativo, o órgão deverá se manifestar para que o juiz analise os pedidos de suspensão dos manejos que estão fatiando a reserva. É o ICMBio quem edita as portarias de aprovação do manejo. Foi contra a conduta irregular do Estado que foi movida a Ação Civil Pública”, destaca.

Imagem: Meninos Arapium. Foto Ana Aranha

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