Conama permite que cimenteiras queimem resíduos recicláveis e agentes tóxicos

Especialistas alertam para os riscos da vigência da Resolução n.º 499/2020 aprovada na mesma reunião que permitiu a exploração de áreas de irrigação, restingas e manguezais.

A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 499/2020, aprovada no último dia 06 de outubro, trata do licenciamento de coprocessamento de resíduos em fornos de cimento e é mais uma das várias ações de desmonte do arcabouço jurídico de regulação e proteção ambiental do Conama.

Sob o pretexto de atualizar a Resolução Conama n.º 264, de 26 de agosto de 1999, a medida representa grave retrocesso ao descaracterizar a função original do coprocessamento em fornos de cimentos, autorizando a queima de resíduos perigosos de áreas contaminadas e dotando os fornos de cimento de uma função que a tecnologia atualmente aplicada não oferece nessas unidades.

O alerta está contido num Parecer Técnico elaborado por cinco especialistas no tema, que acaba de ser entregue ao Ministério Público Federal: “A norma confere às cimenteiras permissão para que se transformem em incineradores de resíduos perigosos – e inclusive, recicláveis – contrariando largamente os princípios e as provisões da Lei n.º 12.305 de 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e permitindo o aumento das emissões atmosféricas tóxicas em bacias aéreas já muito saturadas”.

Segundo os especialistas, das 57 plantas presentes em 18 estados da federação que possuem fornos rotativos para a produção de clínquer (escória da indústria siderúrgica), 38 são licenciados para o coprocessamento de resíduos, representando aproximadamente 9% da matriz de combustíveis utilizados na indústria do cimento. Em 2015, foram coprocessados pela indústria do cimento nacional 1,07 milhão de toneladas de resíduos, com capacidade de atingir 2,5 milhões de toneladas.

Entre os vários equívocos encontrados pela perícia, um deles é que a Resolução Conama n.º 499/2020 simplesmente deixou de contemplar a Análise de Risco no processo de licenciamento integral, uma ferramenta que evoluiu bastante nas últimas décadas, tendo hoje uma complexidade e aplicabilidade muito maior para sistemas de gestão de atividades de alto risco.

‘Sob nova direção’

Há um claro viés de retrocesso nas decisões do Conama sob a Gestão de Ricardo Salles. Tanto que no julgamento da ação que pedia a anulação dos atos da Reunião 135ª Reunião do CONAMA, o STF atendeu parcialmente o pedido e anulou a Resolução Conama nº 500/2020, que permitiria a exploração de restingas e manguezais. Entretanto, a Ministra Relatora Rosa Weber não deferiu o pedido de anulação da Resolução Conama n.º 499/2020 aprovada na mesma ocasião.

A decisão do STF de manter a Resolução n.º 499/2020 em vigor, que descumpre frontalmente a PNRS, até que se julgue o mérito da ação, coloca em risco a saúde da biodiversidade e da população, que terá seus direitos claramente ameaçados, enfraquecendo todo o esforço nacional de aplicação da Lei n.º 12.305 de 2010, dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e das diversas Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil.

É preciso lembrar que o argumento usado pela Ministra Relatora não tocou no fato de que a Resolução n.º 499/2020 não é uma atualização técnica da resolução anterior (264/1999), mas ao contrário, promoveu tamanho retrocesso que, comparativamente, a antiga Resolução n.º 264 de 1999, se ainda estivesse em vigor, cumpriria hoje muito mais adequadamente os objetivos legais do Conama.

De acordo com o Parecer Técnico, qualquer revisão de marco regulatório deve levar em conta os avanços da ciência e da tecnologia, e jamais voltar a um estágio tecnológico primitivo anterior ao da matéria a ser revisada. Os pareceristas concluem que a Resolução Conama n.º 499/2020 é um ardil que retrocede no tempo e menospreza os avanços técnico-científicos ocorridos desde 1999, flexibilizando as regras do licenciamento dessa atividade altamente perigosa.

Comments (2)

  1. É absurdo o retrocesso que estamos vivendo no Brasil em todos os sistemas principalmente na saúde, educação e meio ambiente.
    Chega

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