Políticos bolsonaristas assinam lobby da madeira

Senadores da base do governo e deputados federais e estaduais pressionam contra leis e políticas que coíbem a destruição das florestas; eleitos em novembro, prefeitos aliados são madeireiros e já foram acusados de crimes ambientais

Por Alceu Luís Castilho, Bruno Stankevicius Bassi e Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

No cenário internacional, o presidente Jair Bolsonaro acenou para uma revelação dos países que importam madeira extraída de forma ilegal da Amazônia. “Alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo no tocante a essa região”, afirmou, durante reunião virtual da 12ª Cúpula dos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Depois, voltou atrás. Disse que revelaria nome de empresas. No cenário nacional, políticos muito próximos de Bolsonaro fazem parte do lobby madeireiro no Congresso e nas Assembleias Legislativas. A exemplo de prefeitos madeireiros eleitos em novembro, alguns deles têm interesse direto no setor.

Bolsonarista convicto e negacionista climático, o senador paraense Zequinha Marinho, do PSC, é famoso pelos arroubos retóricos contra as operações de órgãos ambientais que, segundo ele, estrangulam o setor madeireiro. Em janeiro, o parlamentar publicou um vídeo em que classificava servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) de “bandidos e malandros” após uma operação que identificou o corte ilegal de madeira em 1.000 hectares da Terra Indígena Ituna-Itatá, a mais desmatada do país no ano passado.

Em maio, ele atacou o vice-presidente Hamilton Mourão: “A Operação Verde Brasil, do general Mourão, vai acabar com nossa gente amazônica”. Em 2019, durante evento realizado no Ministério da Agricultura, Marinho afirmou que a ação do Ibama no oeste do Pará era “pior do que o Estado Islâmico na Síria”. E completou: “A gente não queria continuar sendo tratado como inimigo deste país. É fundamental pacificar a questão ambiental. Produtor precisa ter mais liberdade pra produzir”.

PARLAMENTARES AGIRAM A FAVOR DE EXTRAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA

Atualmente em seu oitavo mandato consecutivo, o deputado federal Átila Lins (PP-AM) — outro aliado fiel de Bolsonaro — é apontado pelo Ministério Público Federal como principal responsável pela indicação de José Lelande Juvêncio Barroso para a superintendência do Ibama no Amazonas, cargo que ele ocupou entre 2017 e 2019. Lelande foi acusado pela Ministério Público Federal, na Operação Arquimedes, de 2019, de “lavagem de madeira”, ou seja, regularização de madeira de origem ilegal.

O superintendente foi acusado de impedir equipes de fazer fiscalizações no estado, ameaçar fiscais que tentavam exercer suas funções e atuar para o cancelamento de multas devidamente aplicadas a madeireiros. Os procuradores da República não constataram evidências de participação de Lins no esquema, mas disseram que o deputado possuía ampla influência no Ibama regional. Como exemplo, citaram uma reportagem em que Lins garante a reabertura de “95% das serrarias fechadas pelo Ibama em Manacapuru”. Quando foi exonerado, Lelande agradeceu ao deputado “pela confiança”.

Outros políticos na Câmara e no Senado tiveram atuação em defesa dos madeireiros contra as fiscalizações ambientais. Um exemplo neste ano foi quando uma liminar suspendeu o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) em 26 municípios dos estados de Mato Grosso, Amazonas, Pará e Rondônia. A medida foi tomada para conter o desmatamento irregular em 25 municípios da Amazônia Legal. Considerado um dos bolsonaristas mais radicais da Câmara, o deputado José Medeiros (Pode-MT) foi à tribuna para pedir a cassação da liminar.

Medeiros disputou no domingo a vaga suplementar no Senado de Mato Grosso, sendo derrotado pelo sojicultor Carlos Fávaro (PSD). Outro concorrente na disputa, o ex-deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT) atuou diretamente na liminar contra o Sinaflor como consultor especial da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ele foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das principais bases de sustentação do governo Bolsonaro, coalização de onde saiu a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina.

Em Rondônia, os parlamentares entraram em ação quando o assunto foi o bloqueio da atividade das madeireiras de Espigão d’Oeste. Um caminhão de abastecimento do Ibama foi incendiado no município em meio a operações do órgão e da Polícia Federal contra a exploração ilegal de madeira dentro da Reserva Indígena Roosevelt. O senador Marcos Rogério (DEM) reuniu-se com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para reverter o bloqueio. Participaram da conversa os deputados estaduais Cirone Deiró (Pode) e Laerte Gomes (PSDB).

O principal defensor das madeireiras em Rondônia é José Eurípedes Clemente, o Lebrão (MDB), que está em seu terceiro mandato como deputado estadual. Um de seus irmãos, Pedro Amarildo Clemente, chegou a ser preso em 2011 pela Polícia Federal. Ele é acusado de participar do “Condomínio Jequitibá”, um grupo de oito madeireiros que invadiu 170 mil hectares de terras públicas na divisa de Rondônia com o Acre e Amazonas para a extração ilegal de madeira.

Embora tenha sido gravado enfiando dinheiro em sacos de lixo, durante a Operação Reciclagem, em setembro, Lebrão não declarou bens na última eleição. No mesmo mês, sua filha Gislaine Clemente, a Lebrinha, atual prefeita de São Francisco do Guaporé, foi presa, ainda no âmbito da operação da Polícia Federal, após ser filmada recebendo propina. Apesar do baque, a família conseguiu eleger um sucessor, Alcino Bilac Machado (MDB). O vice na chapa dele é Jaime Robaina Fuenza, que ocupa interinamente a prefeitura desde o afastamento de Lebrinha.

Lebrão se diz arrependido por ter apoiado o presidente: assim como Zequinha Marinho, ele se tornou um crítico da Operação Verde Brasil. “Pedi voto pro presidente Jair Bolsonaro, nos dois turnos, por acreditar em promessas para a Amazônia, com a melhoria das condições de vida para quem mora aqui”, disse ele na Assembleia, dias antes de ser flagrado com o dinheiro nos sacos de lixo. “Na nossa região, foi uma votação em peso no atual presidente, mas a resposta foi a Operação Verde Brasil, que engessa, amputa os braços de quem trabalha e produz, especialmente os pequenos”.

Na Assembleia Legislativa do Mato Grosso, o deputado Dilmar Dal Bosco (DEM), mais um apoiador de Bolsonaro, liderou o movimento contra a classificação rodoviária da madeira extraída no estado. Ele alegava que os madeireiros locais perdiam em competitividade em relação aos colegas de outros estados. Ele é colega na Casa de dois políticos do MDB envolvidos em acusações de corrupção envolvendo madeireiras: Romoaldo Junior e Janaina Riva. Junior é investigado pelo MPF sob a acusação de improbidade administrativa por conta de uma lei que concedeu uma série de benefícios fiscais às madeireiras.

O ex-governador Pedro Taques, candidato derrotado ao Senado pelo Solidariedade, responde à mesma ação. A deputada Janaina Riva (MDB), que alterna elogios e críticas a Bolsonaro, é filha do ex-deputado José Riva, denunciado pelo Ministério Público Estadual por participar de um esquema que fraudava guias florestais de madeireiras. A mãe, tio e outros parentes da parlamentar foram presos pela Operação Jurupari, da Polícia Federal, que investigava a extração, transporte e comércio ilegal de produtos florestais na Amazônia.

PARAENSES PRESSIONARAM POR LIBERAÇÃO PARA MADEIRA NATIVA

Segundo levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas com base nas declarações de bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dezoito candidatos a prefeito que disputaram as eleições municipais de 2020 são donos de empresas madeireiras na Amazônia. Destes, sete conseguiram se eleger em municípios do Pará, Mato Grosso e Tocantins, principal eixo de expansão do Arco do Desmatamento: “Saiba quem são os madeireiros eleitos no Norte e no Centro-Oeste“.

São eles: Valdinei Jose Ferreira (PL), o “Django”, em Trairão (PA); Valmir Climaco de Aguiar (MDB), em Itaituba (PA); Altamir Kurten (PSDB), em Cláudia (MT); Toni Dubiela (MDB), em Feliz Natal (MT); Fernando Zafonato (DEM), em Matupá (MT); Edemilson Marino (PP), em Nova Monte Verde (MT); e João Batista Neto, o “João da Serraria”, em Pau d’Arco (TO). Climaco foi condenado em 2019 pela destruição de 764 hectares de floresta nativa. Dubiela já foi preso por crime ambiental. Django foi condenado em julho por operar serraria sem licença.

Os madeireiros perderam a chance de eleger mais um nome no dia 29, em uma das capitais mais importantes da Região Amazônica: o delegado federal Everaldo Eguchi (Patri) perdeu a disputa do segundo turno em Belém contra o ex-prefeito Edmílson Rodrigues (PSOL).

Eguchi sempre se orgulhou de sua boa relação com o setor. Antes de se tornar policial, advogou para diversas madeireiras. Aliado de Bolsonaro, ele tentou se eleger deputado federal em 2018. Depois, teve seu nome especulado para a Superintendência do Incra no estado. Na ocasião, gravou um áudio distribuído em grupos de Whatsapp em que se comprometia a interpretar as leis de maneira a não prejudicar produtores rurais, garimpeiros, a pesca e a extração de madeira: “O Ibama vai agir de acordo com a lei, mas a lei pode ser interpretada para prejudicar, ou para não prejudicar o produtor. E nós vamos utilizar a lei para ser usada de forma que não prejudique a produção”.

A pressão de políticos ligados ao setor junto ao Ibama e ao Ministério do Meio Ambiente tem sido uma das principais estratégias das madeireiras para regularizar as exportações. Em 6 de fevereiro, uma delegação da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex) reuniu-se com Ricardo Salles e com o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, para discutir a “exportação de madeiras nativas do estado do Pará”, conforme aparece na agenda ministerial. Os dirigentes da Aimex – entre os quais, donos de empresas que somam R$ 15,17 milhões em multas por desmatamento do Ibama – foram acompanhados pelo deputado estadual Victor Dias, do PSDB, cujo nome chegou a ser cotado para concorrer à prefeitura de Belém.

Foi essa a reunião que precedeu o “despacho interpretativo” assinado por Bim e publicado durante o feriado de Carnaval que, contrariando um laudo assinado por cinco técnicos de carreira do Ibama, eliminou a obrigatoriedade do órgão emitir uma autorização específica para a exportação de madeira nativa da Amazônia, contrariando laudos técnicos. Com isso, madeireiras puderam enviar as toras a outros países apenas com o Documento de Origem Florestal, originalmente usado apenas para transporte interno.

A decisão foi celebrada pelo Centro das Indústrias do Pará (CIP), entidade vinculada à Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), onde a Aimex é filiada. Dois meses depois, quando tornou-se pública a declaração de Salles, segundo a qual o governo deveria aproveitar o foco da imprensa na cobertura da pandemia para “ir passando a boiada” nas leis ambientais, o CIP retribuiu o favor publicando uma “nota de posicionamento, apoio e protesto”, na qual corroborava a fala do ministro e dizia que a divulgação da reunião interministerial de 22 de abril serviu para “constatarmos e consolidarmos que o Senhor Presidente [Bolsonaro] sonha com o bem do Brasil”.

Em 6 de novembro, os madeireiros paraenses voltaram a se encontrar com Salles, desta vez para discutir a construção conjunta do Programa de Fortalecimento do Setor Florestal da Amazônia, que visa, segundo as entidades, destravar os gargalos do setor florestal. A reunião foi intermediada pelo deputado bolsonarista Éder Mauro (PSD-PA) e pelo senador Zequinha Marinho, líderes da recém-criada Frente Pró-Floresta da Amazônia Legal, um grupo de empresários e parlamentares que busca pressionar pela adoção de medidas que beneficiem o setor. Além deles, integra a frente o ex-prefeito de Paragominas (PA) e vice-presidente da Fiepa, o madeireiro Sidney Rosa (MDB), um dos beneficiários diretos da flexibilização aprovada em março pelo Ibama.

Em 2011, quando era secretário de Desenvolvimento Econômico e Incentivo à Produção do Estado do Pará durante o governo Jatene, uma de suas empresas, a Rosa Madeireira Ltda, foi flagrada pela Polícia Federal extraindo ilegalmente árvores da espécie paricá (Schizolobium amazonicum) do Assentamento Abril Vermelho, em Santa Bárbara (PA). A carga tinha como destino a cidade de Coquitlam, no Canadá, sede da Panoply Wood Products, empresa que, desde 2007, importou ao menos 650 toneladas de madeira do Grupo Rosa. Derrotado nas urnas no último domingo, Rosa deve manter as atividades no lobby madeireiro. Isso porque o projeto da Frente Pró-Floresta foi abraçado por Salles, que encaminhou a criação de um grupo de trabalho para transformar a proposta em uma medida do governo.

Foto principal (Divulgação/Ibama): fiscais acompanham operação contra madeira ilegal em Óbidos (PA)

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