Ativista condena exportação do amianto no Brasil: “A vida dos indianos vale menos”

Com aval de Caiado, Eternit retoma produção em Goiás; Rede Indiana de Banimento ao Amianto considera postura “desumana”

Pedro Stropasolas, Brasil de Fato

Banido em mais de 60 países e proibido no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta dos riscos à saúde humana, o amianto continua sendo explorado em Minaçu, no norte do estado de Goiás, onde há uma das maiores jazidas do minério no mundo.

O processamento é feito pela mineradora Sama, do grupo Eternit, única a manipular o Amianto no país, e está amparado pela lei estadual 20.514, sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM), em julho de 2019.

Desde fevereiro, a Sama já vem explorando o mineral usado para a fabricação de telhas e caixas d ‘água com base na lei estadual. Há poucas semanas, a mineradora foi além ao anunciar a retomada de escavações para a continuidade das operações.

O envio do produto para outros países é a principal justificativa dada pela empresa para seguir com a atividade. A exportação do minério também foi citada pela Procuradoria-Geral do Estado de Goiás (PGE) para tentar justificar a validade da lei controversa.  

Do outro lado do mundo, Pooja Gupta, coordenadora nacional da Rede Indiana de Banimento ao Amianto (Iban) afirma que a postura da Eternit de exportar o amianto produzido no Brasil é “desumana”. 

“A Eternit sempre soube que o amianto que promove é perigoso e ainda assim optou por fazer negócios. Eles viram o que aconteceu na Bélgica e como as pessoas ainda estão morrendo por causa do amianto. Eles consideram o lucro mais do que as pessoas e isso é a coisa mais desumana que qualquer um pode fazer”, aponta a ativista indiana.

Ao lado dos Estados Unidos, Indonésia e outros países asiáticos, a Índia é um dos lugares onde o amianto ainda é permitido para uso industrial. 

O anúncio da retomada, na opinião de Gupta, é preocupante, pois se dá em um contexto onde a Índia vinha de uma redução nas importações do amianto brasileiro, a partir de 2018. 

“A vida dos trabalhadores indianos é menos valiosa do que a dos brasileiros. É triste ver que o governo brasileiro não está pensando nos trabalhadores e nas famílias de outros países”, considera. 

Lei inconstitucional

A Eternit, que registrou um lucro de R$ 40 milhões no terceiro trimestre de 2020, ainda não informou a data da retomada das escavações.

Em entrevista recente ao jornal O Estado de São Paulo, o CEO da Eternit Luís Augusto Barbosa, afirmou que a empresa se prepara para abrir “um novo capítulo” em sua história, com investimentos na produção de telhas fotovoltaicas em substituição à matéria-prima cancerígena. 

Na avaliação de juristas, a lei goiana que libera o amianto no país é uma afronta ao STF. Em tramitação na Suprema Corte, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) de autoria da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) questiona a lei sancionada por Caiado.

Ao lado de Davi Alcolumbre, presidente do Senado e de uma comitiva de senadores, o governador de Goiás visitou a Sama pouco antes da lei entrar em vigor,  assumindo a missão de liberar o amianto no Brasil. 

Caiado chegou a receber a quantia de R$ 300 mil por parte da Sama para apoiar sua campanha ao Senado Federal na eleição de 2014, na qual saiu eleito. 

Para Mauro Menezes, advogado da ANPT, a lei é “vergonhosa” e admite que os prejuízos à saúde relacionados à nocividade do mineral “podem ser tolerados” por contaminar pessoas em outros países.

“É uma lei inconstitucional. O banimento, a proibição, ela é absoluta. Nós estamos diante de um desafio, de uma desobediência, de um ato, portanto, clandestino do estado de Goiás, que se valendo de sua competência legislativa, tenta suplantar e ignorar uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, explica. 

O recurso da ANPT ainda está em tramitação sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o que vem dando sobrevida à lei estadual até o julgamento final. 

Sama omite riscos à saúde

O antropólogo Arthur Pires Amaral morou por dez meses em Minaçu, investigando os casos de 13 ex-funcionários da Sama que se consultavam com a junta médica da mineradora – seis deles morreram. Da experiência foi publicada a tese de doutorado, Com o peito cheio de pó,  defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG). Os sintomas observados pelo acadêmico eram diversos.

“Insuficiência respiratória aguda e progressiva, tosse constante, cansaço extenuante. Muitos deles, à medida que a doença agrava, iam precisando de balões de oxigênio, até chegar ao ponto de ficar 24 horas inalando oxigênio. Eu conheci famílias que relataram que os maridos tiveram hemorragia interna, seja por conta de câncer de pulmão ou do fígado, então vomitavam sangue”, conta. 

Em fevereiro, uma reportagem publicada pelo site The Intercept Brasil, já havia revelado que médicos pagos pela mineradora ocultavam as doenças causadas pelo amianto nos trabalhadores. 

Além da asbestose e do câncer de pulmão, o minério também provoca câncer de laringe e câncer de ovário. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 107 mil trabalhadores morrem por ano em decorrência da exposição ao amianto — cujo setor representa 63% de todos os cânceres ocupacionais.

Em Minaçu, a extração do amianto é quem gera emprego e receita ao município. Pelas ruas, é defendida mesmo por trabalhadores da mineradora — que estão submetidos aos riscos. 

Para Arthur, a “culpabilização moral” do trabalhador pelo próprio adoecimento é uma dinâmica da cidade. 

“A culpa não é do trabalho com o minério cancerígeno, a culpa é porque ele não usava máscara, é porque consumia bebidas alcoólicas.  Evita-se falar do adoecimento, sabe-se através de rumores, ou pela própria experiência de um vizinho de um familiar que muitas pessoas morreram ao longo de todas essas décadas, mas é criado um pacto de silêncio”, afirma.

Outro lado 

Brasil de Fato entrou em contato com a Eternit, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Edição: Leandro Melito

Imagem: Extração de amianto em Minaçu, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

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