O preço da comida está “na boca do povo”

O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014 graças ao trabalho de milhões de famílias camponesas e de politicas públicas

Frei Sérgio Antônio Görgen*, Brasil de Fato

O preço da comida está na boca do povo. Uma reclamação só.

“Vejam como subiu o preço do arroz, olha como está o preço do feijão, não dá mais para comprar carne, etc e tal”. Voz corrente, conversa geral.

“Nos últimos 12 meses, o preço dos alimentos subiu 21,13%. A inflação dos alimentos costuma prejudicar, sobretudo, a população mais pobre”. Notícia de novembro de 2020. Como é que prejudica os mais pobres? Uma conta simples: alguém ganha R$ 1.000,00 por mês e gasta R$ 400,00 em comida, consume 40% de seu ganho; já alguém que ganha R$ 10.000,00 e gasta R$ 800,00 em comida (o dobro), vai gastar só 8% de seus ganhos.

“A fome voltou” já não sensibiliza tanto quem ainda tem “uns trocos” para escolher o que comprar, mesmo roendo parte dos ganhos mensais. “Fome volta a se alastrar no Brasil” foi notícia em outubro de 2020.

E se “a fome voltou”, pode afetar quem ainda come. Já se falou de insônia geral: “uns não dormem de fome e outros não dormem com medo dos que tem fome”.

Já quando se busca os culpados desta desgraceira toda, as concordâncias desaparecem. “É por causa da pandemia”, “foi a estiagem”, “o dólar”, “a China tá comprando tudo”, “dinheiro demais na mão do povo com o auxílio emergencial”. Facilita um pouco e aparecem Lula e Dilma, o Petê, como culpados.  

Vou tentar um pouco de racionalidade neste debate popular enviezado.

O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, com 200 milhões de pessoas comendo três vezes ao dia, alimento a preço acessível e exportando, não por fruto do acaso. Nem por prece de algum teólogo da prosperidade, ou “feijão abençoado”.

Foi resultado da combinação do trabalho devotado de milhões de famílias camponesas país afora – sim, 70% do que o povo come vem de mãos camponesas – com políticas públicas de apoio à produção e de formação de estoques públicos.

E isto foi desmontado sem piedade nem dó, desde 2016 com Temer, e, com mais intensidade, a partir de 2019, quando o “elemento” entrou palácio adentro. Extinção do Ministério que cuidava da produção de alimentos, desmonte da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) que faz estoques públicos, fim das compras públicas, crédito só para grandes produtores que cultivam soja, preços baixos para quem produz alimentos, importação forçando queda de preços aos agricultores.

Aplicaram uma receita para o desastre e o desastre veio.

A área plantada de feijão, arroz, mandioca, batata, trigo, produção de leite, verduras, frutas, despencou de 2016/2019 para cá. Área de soja subiu. Com a alta do dólar, causado pelo Guedes, a exportação explodiu e o mercado interno desabou.

Estoques públicos? É palavrão para os peões de banqueiros encastelados no Ministério da Economia. Feijão tem estoque público para um dia do consumo nacional.

Queriam o quê?

O resultado está aí. Desmonte do sistema produtivo, baixa produção, pouca oferta, mesmo com procura modesta, explode preço. E nenhum sinal de que algo melhore em 2021, pois nenhum dos fatores acima citados teve qualquer sinal de melhora, pelo contrário. Os movimentos do campo até quiseram ajudar o povo e o governo, com um projeto de lei para aumentar a produção e a oferta de alimentos, que virou Lei Assis Carvalho. Mas o “elemento” vetou e ampliou a crise.

O preço da comida está pela “hora da morte”, assim vai ficar e pode piorar. E também neste caso, a culpa não é do Lulinha. Procurem o culpado num lugar onde ele já morou: no Palácio do Planalto. E se ajudaram o “elemento” culpado da “comida cara” chegar até lá, antes de pagar a conta no supermercado, batam no peito, peçam perdão a si e a suas famílias e pensem melhor quando usarem a urna eletrônica.

E por ora, levantemos a fronte para lutar por renda, comida, vacina e emprego.

* Frei Franciscano, militante do MPA, autor de “O Plano Camponês”

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcos Corbari e Rogério Jordão

Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

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