TRF-3 determina veiculação de resposta de vítimas da ditadura a postagem em que Secom exalta major Curió

O desembargador André Nabarrete deu 10 dias para que a Secretaria de Comunicação do Governo Federal informe nas redes sociais que “o governo brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações durante o combate à guerrilha do Araguaia”, entre as décadas de 1960 e 1970.

Por Léo Arcoverde, GloboNews 

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região concedeu nesta quarta-feira (16) o direito de resposta a vítimas e a parentes de vítimas da ditadura militar em face de uma postagem feita pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República ter exaltado o Sebastião Curió, o Major Curió, de 81 anos, oficial do Exército que comandou a repressão à Guerrilha do Araguaia (PA). A decisão é do desembargador federal André Nabarrete.

No documento, o TRF-3 deu um prazo de 10 dias para que a Secom poste a seguinte resposta: “O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A SECOM retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”

A postagem original da Secom foi feita no dia 5 de maio deste ano, após o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ter recebido o Major Curió no Palácio do Planalto, no dia anterior. O encontro aconteceu às 10h20 e não constava da agenda oficial do presidente (foto acima).

Na publicação, a Secom dizia o seguinte: “A Guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada. A dedicação deste [Major Curió] e de outros heróis ajudou a livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade: o totalitarismo socialista, responsável pela morte de aprox.. 100 MILHÕES de pessoas em todo o mundo”.

G1 procurou o órgão federal para comentar a decisão do TRF-3, que respondeu apenas que “a União ainda não foi intimada” no caso.

Publicação da Secretaria de Comunicação do Governo Federal no Twitter. Foto: Reprodução Twitter

O pedido de direito de resposta foi feito por um grupo de vítimas e parentes de vítimas da ditadura militar, como Maria Amélia de Almeida Teles.

Na decisão, o desembargador diz que “fica evidente que a nota da SECOM está em flagrante descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele, sobretudo no caso “Guerrilha do Araguaia”. Afasta-se, assim, a possibilidade de versões alternativas. Enseja, outrossim, o direito de resposta dos autores, na condição de vítimas ou parentes de vítimas”.

Pela decisão, a resposta das vítimas deve ser “divulgada e publicada em 10 dias”.

No pedido, aceito pelo TRF-3, as apelantes solicitavam a veiculação “no mesmo horário e sem restrições de destinatários, com o mesmo destaque do agravo (art. 2o, § 2o da Lei 13.188/15) e em todas as redes sociais em que houve a publicação ofensiva (conta oficial da SECOM no Twitter, Instagram e Facebook, além de outros meios possivelmente não identificados pelas vítimas) (art.3o, §1o, Lei13.188/15), a seguinte resposta, proporcional, em suas dimensões, ao agravo (art.2odaLei13.188/15), devendo a resposta ser mantida, de forma permanente, nas redes sociais da SECOM(art. 4o, I, da Lei 13.188/15)”.

Guerrilha do Araguaia

Guerrilha do Araguaia foi um movimento contrário à ditadura militar, que atuou entre as décadas de 1960 e 1970.

O combate entre guerrilheiros e militares ocorreu no na divisa dos estados de Goiás, Pará e Maranhão, deixando mortos 67 opositores à ditadura.

Major Curió, que passou para a reserva como coronel, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por homicídio e ocultação de cadáveres durante o combate à guerrilha. Em 2009, ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Curió afirmou que o Exército executou 41 pessoas no Araguaia.

Segundo o Ministério Público, Curió e os militares subordinados a ele chegaram a matar pessoas mesmo estando rendidas e sem apresentar resistência a eles.

“[Os crimes] foram comprovadamente cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964, por meio da violência”, afirma o MPF.

Serra Pelada

Em maio de 1980, Major Curió foi designado pelo regime militar interventor em Serra Pelada (PA). Na ocasião, ele se tornou a única autoridade civil e militar da região.

Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho. O revólver dele, como costumava dizer, era o que “cantava mais alto”. Em 1982, Curió foi eleito deputado federal pelo Pará.

Em 2000, Major Curió foi eleito prefeito de Curionópolis (PA), assumindo o mandato em 2001.

Imagem destacada: mulheres que foram assassinadas na repressão à guerrilha do Araguaia. Jana Moroni, Helenira Rezende e Dinaelza Santana Coqueiro

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