Pedestres negros são menos respeitados por motoristas, afirma estudo

Por Pauline Machado, no Portal do Trânsito

Um estudo realizado pela Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, identificou que pedestres negros enfrentam mais dificuldades no trânsito.

A pesquisa, publicada na revista científica Journal of Transport and Health, analisou o comportamento de 461 condutores para identificar, entre outras questões, se a cor da pele do pedestre influencia no comportamento do motorista.

Os pesquisadores perceberam, ainda, que os automóveis pararam mais para pedestres brancos (31,1%) do que para negros (24%).

De acordo com os estudiosos, o senso de superioridade dos motoristas em relação aos pedestres negros pode ser reconhecido como uma possível explicação para tais comportamentos por parte dos condutores flagrados durante a pesquisa.

Outros fatores a serem levados em consideração

Em sua análise sobre os dados citados acima sobre o estudo, a psicóloga  Andrea dos Santos Nascimento, professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, e coordenadora do Projeto Gestalt-Terapia e Acolhimento de Grupos e Membro da Comissão Científica da Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego – ABRAPSIT, ressalta que, primeiramente, é preciso saber qual é a cultura local em relação ao uso das calçadas, faixas de trânsito, educação para o trânsito, legislações, se o ambiente é sinalizado com faixas para pedestres, iluminações adequadas e placas sinalizadoras de preferencial para os pedestres, entre outras questões.

A psicóloga chama atenção, também, para o fato que ela caracteriza como interessante e provocador, referindo-se ao uso da terminologia senso de superioridade por parte dos estudiosos.

“O que seria isso, conceitualmente falando, quando o aspecto raça é apresentado como uma variável do próprio estudo?” – questiona.

Segundo ela, parece haver um desvio de análise. Se o aspecto raça – negros versus brancos não fosse uma variável importante, todos os pedestres seriam brancos, ou negros, ou mulheres, ou crianças, avalia.

“Acho que usar ‘senso de superioridade’ dos motoristas dos carros particulares versus pedestres, ciclistas, motociclistas, idosos, pode ser um possível fio condutor para a análise, mas para esse estudo é falho no aspecto que o atravessa em princípio, que é a questão da raça. Há de se analisar o comportamento dos motoristas pelo viés do racismo estrutural que também vai ter sua manifestação no trânsito, como por exemplo: quais corpos são respeitados e quais corpos não são? O que motiva que apenas 24% dos motoristas parassem para pessoas negras? Os motoristas também eram negros?”, explica.

Para a psicóloga existem muitas questões a serem respondidas

“Parece-me vago e superficial falar apenas em ‘senso de superioridade’, quando também não foi identificada a raça do motorista, por exemplo. Não posso afirmar se o bairro ou local onde a pesquisa foi realizada agrega pessoas mais ou menos preocupadas com as infrações de trânsito ou pessoas mais ou menos racistas. De todo modo, há que se analisar também que índices de 31,1% e 24% são preocupantes em ambos os casos”, analisa.

Crime de racismo

Qualquer situação em que uma das partes, seja motorista, pedestre, motociclista, ciclista venha a estar em desacordo com o que preconiza a Lei nº 7.716/1989, pode ser considerada crime de racismo, seja no trânsito ou não, haja vista que a legislação define como crime praticar, incitar ou induzir o preconceito ou discriminação – violência verbal ou física, por causa da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, regulamentando ainda o trecho da Constituição Federal de 1988 que torna inafiançável o crime de racismo.

Muitos exemplos podem ser citados, como recusar ou impedir acesso de negros ao transporte coletivo público, como também é proibido veicular símbolos ou propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, sendo possível a reclusão de dois a cinco anos e multa, ilustra a psicóloga.

No entanto, é preciso que sejam criados canais de denúncias e de estruturas políticas daqueles e daquelas que detêm o poder do julgamento e da execução, que acolham devidamente essas denúncias, pondera. “É preciso  levá-las a sério, pois muitas vezes ainda escutamos que racismo não existe no Brasil. É preciso entender que essas instituições e estruturas também fazem parte desse caldo cultural de estigmas, estereótipos, preconceitos, discriminação e que, muitas vezes, por desconhecimento, acabam fortalecendo a manutenção do racismo de todas as ordens – o que é lamentável”, considera a coordenadora da ABRAPSIT.

No Brasil

Mais da metade da população brasileira é composta por negros e pardos. Entretanto, Andrea Nascimento, enfatiza que o que observamos é uma evidência cada vez maior relacionada a quanto precisamos aprofundar essa temática, não apenas no trânsito, mas em relação ao mercado de trabalho, educação, saúde, lazer, moradia.

“É muito complicada a apropriação legal do que se constitui o crime de racismo, pois muitas vezes é confundido com o conceito de injúria, promovendo erros de diversas ordens na condução de um processo legal. Só nesse ano de 2020, quantas manifestações de racismo acompanhamos pela mídia? O jornal vende o crime de racismo, mas muitas vezes não vende, na mesma proporção, a educação das pessoas para erradicar com o racismo, o que acaba por contribuir com a sua disseminação. Na questão de mobilidade humana ainda temos muito a discutir, como as cidades são estruturadas, como certos ambientes excluem pessoas negras, indígenas, mulheres, crianças, idosos, etc… Temos muitos locais no Brasil que nem sequer possuem faixas de trânsito apropriadas para garantir a segurança dos pedestres. Em um país que nem se percebe racista, as dificuldades são ainda maiores”, salienta.

Campanhas educativas

Assim como para reduzir o número de acidentes no trânsito, as campanhas educativas e outras ações que levem as pessoas a terem mais empatia com os outros, também contribuem para diminuir comportamentos como os relatados no estudo.

De acordo com a psicóloga, em locais cuja educação para o trânsito e ações de respeito à vida são falhas ou ausentes, tendem a ter motoristas com condutas mais agressivas ou desrespeitosas em relação aos pedestres ou aos veículos menores. Bem como a tendência de que tenham maiores índices de acidentes de trânsito.

“Campanhas de educação para o trânsito, entendendo todos os atores que transitam e não apenas os que estão motorizados pelas cidades, que dialoguem com a população, sem estereótipos com julgamentos valorativos negativos de raça, gênero, idade, classe ou mesmo em relação às diversas orientações sexuais, não só podem ser implementadas com excelência, como são imprescindíveis. Além do mais, temos muitos profissionais capacitados para tal no Brasil”, afirma e finaliza.

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