Os milhões enviados da Polônia para radicais da TFP no Brasil e pelo mundo

Por Juliana Dal Piva, Julia Dauksza, Anna Gielewska, Konrad Szczygiel e Audrey Lebel, do UOL, em São Paulo, da Reporter’s Foundation Polônia, e colaboração da França

Os valores canalizados ao longo de vários anos pelos fundadores da Instituição Ordo Iuris da Polônia para organizações católicas radicais no exterior chegam a 10 milhões de euros. Só para o Brasil e a França, desde 2004, foram enviados anualmente 500 mil euros. É o que uma investigação internacional produzida pela Reporter’s Foundation, da Polônia, com parceiros na França e no Brasil descobriu. O dinheiro doado para rosários e imagens de Nossa Senhora de Fátima apoia o movimento global contra aborto, gênero, LGBTQ+ e valores compartilhados pelo mundo liberal.

Uma mansão luxuosa em São Paulo, um castelo majestoso na França, uma casa do século 19 em Kazimierz, um distrito histórico da Cracóvia: há algo que liga todos estes imóveis e endereços ao redor do mundo? Poderia haver alguma relação entre essas organizações e o endurecimento das leis de aborto na Polônia e o futuro referendo sobre a definição de casamento na Estônia?

Todas as instituições que funcionam nesses locais receberam fundos de uma pouco notada organização polonesa de católicos radicais: a Fundação Skarga, que deseja abraçar tradições medievais, apoia campanhas ultraconservadoras na Polônia e no exterior. Os fundos apoiam uma rede de entidades que organizam manifestações anti-LGBTQ+, petições e marchas antiaborto, campanhas contra a entrega da hóstia na mão. Mas também subsidiou a manutenção de uma organização no Brasil e a sede da TFP (Tradição, Família e Propriedade francesa), no Château de Jaglu, no sul da França, lar de um importante fundador do grupo.

Por anos, pouco se sabia sobre a estrutura financeira desse movimento internacional de radicais católicos, em especial, no Brasil. Nossa investigação revelou, entretanto, que o apoio vital foi fornecido por um centro operacional e financeiro baseado na Cracóvia, na Polônia, e, ainda, como funciona uma rede de entidades ligadas à TFP. O modelo de arrecadação de fundos se baseia em um conceito desenvolvido no Brasil e posteriormente expandido na França e reaplicado nos países centro-europeus.

Um sino que chama para a oração na capela

Higienópolis é um dos bairros mais nobres de São Paulo, o coração financeiro da região Sudeste do Brasil e endereço de diversos políticos e celebridades. Neste bairro, fica também o IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira), sediado em uma mansão charmosa cercada por jardins exóticos. A propriedade é aberta apenas aos membros da organização. Apesar de uma missa ser celebrada na capela nos fins de semana, seus moradores ouvem diariamente um sino que chama à oração.

Antes de se tornar sede do IPCO, o imóvel imponente serviu por muito tempo como espaço dos encontros organizados pela Sociedade para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) do Brasil. O movimento TFP foi fundado nos anos 60 por Plinio Corrêa de Oliveira, um católico devoto e anticomunista. Se estivesse vivo hoje (ele morreu nos anos 90), ele estaria orgulhoso de seu trabalho.

A TFP se transformou em uma rede global de organizações que promovem valores católicos ultrarradicais, como a condenação de relações de mesmo sexo, divórcio, contracepção e o direito ao aborto. Nos últimos anos, esta rede provou ser particularmente eficaz na Europa Central, inclusive em alguns países pós-comunistas que até 1989 faziam parte da União Soviética.

O IPCO é um clube de homens, de forma que as mulheres, em regra, não são autorizadas a entrar no prédio e não podem ser membros da organização. O Instituto foi criado em 2006, quando um grupo de associados entrou em disputa em torno do legado de Plinio Corrêa de Oliveira e do controle do nome da TFP.

O conflito que sacudiu a divisão brasileira da TFP teve início após a morte do fundador do movimento, em 1995. Seus membros mais velhos entraram em atrito com os líderes jovens, ávidos por poder. Os fundadores originais, expulsos por seus próprios alunos, formaram a Associação dos Fundadores da TFP e agora se concentram desde então na construção de alguma influência no mundo da política brasileira.

Os rivais dos fundadores, que chamam a si mesmos de “Arautos do Evangelho”, se concentram em atividades religiosas. Eles foram reconhecidos como uma ordem secular e venceram a disputa legal, em duas instâncias jurídicas, pelo direito de chamarem a si mesmos de TFP na América Latina, em uma tentativa de dar continuidade ao legado de Oliveira. Um recurso dos fundadores da TFP aguarda julgamento no STF há anos.

Com isso, foi criado o IPCO, uma terceira organização resultante da divisão, após a derrota dos antigos fundadores na Justiça. Caio Xavier da Silveira é o verdadeiro tomador de decisões, uma figura chave desta história, cujo nome continuará reaparecendo em nossa reportagem.

Apesar dos anos de apogeu do Instituto terem acabado, ele ainda é influente no Brasil. Entre os diretores do IPCO encontramos Dom Bertrand Orleans e Bragança, que tem acesso informal às autoridades e assessores do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (inclusive seu filho, Eduardo). No encontro do G20, Bolsonaro citou as publicações de Dom Bertrand que contestam a mudança climática (enquanto a floresta amazônica estava queimando, Dom Bertrand argumentou que “não se trata de uma crise climática, mas sim de uma ofensiva contra a soberania“).

“Ajude-nos a libertar o Brasil do aborto, da agenda homossexual e do comunismo!”, é a mensagem usada pela organização em seus esforços de arrecadação de fundos, quando contata doadores potenciais em busca de apoio. Apesar dos relatórios financeiros do IPCO não serem publicamente divulgados, descobrimos que, entre 2004 e 2019, o instituto operou em grande parte devido a recursos provenientes do exterior. A verba vinha, especialmente, de um endereço na Cracóvia, a capital histórica da Polônia.

Movido pela boa vontade e pelo euro

Em maio de 2019, Slawomir Olejniczak escreveu um e-mail aos membros da TFP. O polonês é cofundador da divisão polonesa da TFP, o Instituto Fundação Piotr Skarga, com sede no distrito histórico de Kazimierz, na Cracóvia.

“Caros cavalheiros, Salve Maria!”, ele iniciou sua carta aos ativistas católicos ao redor do mundo. Nós obtivemos algumas das comunicações eletrônicas que circularam na rede da TFP. Como resultado, sabemos que papel a divisão polonesa exerceu no financiamento das organizações católicas no exterior.

“Por anos, guiados pela boa vontade e confiança de todos os membros do Conselho da Fundação, a pedido deles apoiamos financeiramente as organizações da TFP no Brasil e em muitos outros países. Ao todo, nosso apoio financeiro chegou a milhões de euros ao longo dos últimos anos. Graças ao nosso apoio fundamental, organizações da TFP foram criadas ou desenvolvidas em países como Austrália, Estônia, Eslováquia, Lituânia, Holanda e Equador. Na Polônia, estabelecemos a organização legal Instituto Ordo Iuris e o Centro pela Vida e Família pró-vida. Além disso, cofinanciamos a renovação das atividades da TFP no Canadá e na África do Sul.”

O Instituto Ordo Iuris e o Centro pela Vida e Família exerceram papel ativo no esforço para introduzir uma proibição quase completa do aborto na Polônia.

Por que Olejniczak enviou o e-mail a eles? A mensagem fez parte da disputa pela liderança da organização. Ele tinha sido afastado do conselho diretor da fundação polonesa pelo conselho supervisor presidido por Caio Xavier da Silveira, um brasileiro que fundou e continua sendo uma figura chave do movimento TFP na Europa.

Olejniczak também é uma figura importante. O ex-diretor da Fundação Skarga passou anos supervisionando o desenvolvimento do movimento na Polônia e na Europa Central. Caio Xavier da Silveira, com quem ele permanece em atrito, é ainda mais importante, já que é o fundador e supervisor da maioria das organizações TFP na Europa (incluindo a sediada na Cracóvia) e diretor da Fédération Pro Europa Christiana na França.

O atrito entre eles começou em consequência de uma disputa em torno de dinheiro e controle de ativos substanciais administrados pela Fundação Skarga que, chamando pouca atenção, se transformou em uma fonte de financiamento de toda a rede de entidades ligadas à TFP.

A certa altura, Olejniczak queixou-se a membros da rede que o escritório polonês teve que arcar com os custos de apoio à organização no Brasil e na França desde 2004. “Nosso maior fardo tem sido participar dos custos fixos de manter as organizações no Brasil e França de 2004 até hoje. Eles representavam valores anuais de cerca de 500 mil euros”, ele se queixou.

Olejniczak também sugeriu que já que os poloneses ajudaram a  sede  da  TFP em São Paulo a sobreviver por tantos anos, outras também deveriam participar no custo de manutenção da rede. Ele recusou o pedido de entrevista feito pela Reporter’s Foundation.

Em vez disso, ele optou por responder nosso e-mail. “A conversa por e-mail era privada”, ele escreveu. “Era destinada aos ativistas de organizações católicas que são próximas de nós e que cooperam conosco em outros países. Ela visava apresentar nossa posição na disputa com Caio Xavier da Silveira.”

As transferências internacionais de dinheiro sobre as quais Olejniczak falava em seu e-mail também podem ser confirmadas por documentos que obtivemos. Entre eles estão documentos judiciais e relatórios apresentados pela fundação baseada na Cracóvia, assim como documentos financeiros da TFP na França, Estados Unidos e outros países centro-europeus.

A informação está espalhada entre os países e permanece fragmentada, com algumas partes do quebra-cabeça financeiro ainda faltando, mas mesmo assim conseguimos montar parte de um quadro maior.

Os documentos financeiros da fundação baseada na Cracóvia revelam, por exemplo, que, em 2017, ela transferiu 295 mil euros ao Instituto Plínio Corrêa de Oliveira do Brasil. Em 2019, apenas em fevereiro e março, ela transferiu 67.500 euros ao IPCO. O dinheiro da Cracóvia também apoiou duas outras organizações brasileiras que podem ser associadas ao movimento TFP, a Associação dos Fundadores da TFP e a Associação dos Devotos de Fátima.

Nossas estimativas indicam que entre 2009 e 2019 (os dados aos quais tivemos acesso), a fundação com sede na Cracóvia transferiu mais de 9,3 milhões de euros ao exterior. Além disso, o e-mail de Olejniczak confirmou que ela já tinha enviado dinheiro ao Brasil e à França antes (desde 2004). Consequentemente, o valor total transferido da Cracóvia é muito maior.

A fundação com sede na Cracóvia criou uma máquina eficiente para obtenção de fundos em troca de rosários, imagens de Nossa Senhora de Fátima, livros e calendários que atendem aos anseios dos ultracatólicos. Esse “modelo de negócios” adotado pela rede da TFP, reproduzido em outros países ao redor do mundo, revelou ser particularmente bem-sucedido na Polônia católica. No que foi usado o dinheiro transferido para o exterior?

Um lustre luxuoso no alto

O majestoso Château de Jaglu fica situado a uma hora e meia de viagem de Paris. Situado no meio da floresta ao lado do tranquilo vilarejo de Saint-Sauveur Marville, ele é de propriedade da divisão francesa da TFP desde 1991. Caio Xavier da Silveira estava à procura de uma residência condizente com os conceitos medievais do movimento. O Château de Jaglu revelou ser o local perfeito para encarnar essas ideias.

Caio da Silveira, o homem de rosto severo que reside no Château de Jaglu, supervisiona as atividades das organizações que ele controla por toda a Europa. Ele evita publicidade e jornalistas. Quando tentamos marcar um encontro com ele para conversar sobre as finanças da TFP, ele se recusou a conversar conosco. Mas quando não estava ciente de que conversava com jornalistas (nosso repórter conseguiu entrar no castelo sob o pretexto de estar à procura de um local para realização de um casamento), ele rapidamente se abriu. Ele destacou orgulhosamente ser o presidente de uma organização presente em 25 países da Europa.

Lustres extravagantes, vasos de porcelana, poltronas Chesterfield, numerosas bibliotecas e uma capela. Um enorme retrato do guru e fundador do movimento TFP, Plínio de Oliveira, está pendurado no meio. Um dos moradores do Château de Jaglu nos conduziu em uma visita. Fora ele e Silveira, 83 anos, o castelo é lar de uma dúzia de outros associados.

“Foi na França que a TFP primeiro se estabeleceu na Europa”, disse Neil Datta, secretário do Fórum para Direitos Sexuais e Reprodutivos do Parlamento Europeu em uma reportagem chamada “Os Cruzados Modernos na Europa”.

“Este país (a França) serviu como base para a TFP se espalhar para outros países europeus e criar satélites na Alemanha, Áustria e Polônia no início dos anos 90”, ele acrescentou.

Mas os primeiros anos provaram ser difíceis. Quando a divisão francesa da TFP foi criada no final dos anos 1970, ela criou uma associação que abriu um internato para meninos. Dois anos depois, a escola fechou após pais acusarem seus funcionários de doutrinação.

“A direção da escola, em sua maioria brasileira, conduzia um tipo de ação psicológica sobre os jovens alunos para que se tornassem apoiadores militantes de uma organização estrangeira”, informou a decisão do tribunal de 1982, que resolveu a disputa civil entre a TFP e o proprietário dos prédios da escola. Após os pais protestarem, a TFP perdeu seu contrato de locação.

Ao longo das décadas seguintes, mais organizações satélites brotaram da TFP francesa. Uma lutava contra a “depravação moral na mídia”, outra contra “o direito ao aborto”, uma terceira organizava eventos jovens. Todas as três foram criadas por Caio Xavier da Silveira.

Processo e busca policial

Em 1979, Caio Xavier da Silveira deixou o Brasil e se estabeleceu na França, dando início à missão de construir uma divisão europeia da TFP. Ele optou por arrecadação de fundos para fins religiosos e essa decisão revelou ser extremamente eficaz.

A divisão francesa da TFP decidiu organizar campanhas de grande escala pelo correio para arrecadação de doações de membros da Igreja Católica.

Nos anos 1990, Avenir de la Culture, uma das três subsidiárias da TFP, prosseguiu na luta contra os direitos LGBT e abarrotou de cartas as caixas postais de políticos. Em 1997, esforços semelhantes resultaram na retirada de apoio de patrocinadores da Parada do Orgulho Gay.

Os anos 1990 foram os anos dourados da TFP na França. Como resultado, dezenas de milhares de pedidos de doação entregues aos moradores do país soaram alarmes entre as instituições do Estado laico francês. Em 1995, uma comissão parlamentar de inquérito incluiu a TFP em um registro de movimentos que se comportam como seitas. Em 1999 e 2006, investigadores da comissão sobre seitas tentaram repetidamente determinar a atual escala e propósito dos empreendimentos de arrecadação de fundos da organização, porém com pouco sucesso.

Em resposta a novas reportagens, a TFP impetrou um pedido junto ao primeiro-ministro francês para que encerrasse a comissão sobre cultos. Ela também impetrou processo por difamação após circularem reportagens sugerindo uma natureza ilegal de suas atividades. Anos depois, em 2016, ela venceu o processo, pois a Justiça francesa decidiu que a agência do governo deveria ter exercido maior moderação em suas declarações.

Campanhas da TFP enfrentaram oposição de vários destinos religiosos na França. Eles incluem a famosa Capela de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, em Paris, quando a medalha foi enviada pela TFP para milhares de moradores do país, juntamente com uma carta pedindo doações. Os padres encarregados pela capela disseram que algumas pessoas acreditaram que suas doações eram destinadas a apoiar seu santuário.

Em 2005, a polícia entrou no Château de Jaglu e revistou a propriedade. A ação ocorreu após suspeitas de que a TFP tinha obtido ilegalmente informações e dados pessoais sobre as posições religiosas dos cidadãos. Mas a investigação foi posteriormente arquivada.

O desenho da medalha, assim como outras imagens religiosas, não é de propriedade de ninguém e qualquer um pode usá-la. Caio da Silveira, cujo apartamento no Château de Jaglu também foi revistado pela polícia, venceu um processo contra o Estado francês, por violação de seu direito de privacidade e de seus direitos profissionais de advogado, impetrado na Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo.

Enquanto isso, os sites da Basílica do Sagrado Coração de Paray-le-Monial e da famosa Basílica do Sacré-Coeur, em Paris, contém um aviso. Ele declara que as respectivas igrejas não devem ser associadas aos esforços de arrecadação de fundos de organizações como a TFP. Ele também alerta a comunidade católica que quaisquer medalhas milagrosas, calendários e outros itens devocionais usados nas campanhas não estão ligados às suas atividades.

Se pagar pelas medalhas, você alimenta a rede

Enquanto as autoridades francesas tentavam reprimir a TFP, o movimento expandiu suas atividades internacionais e fontes de arrecadação, tornando-se independente de doadores locais. No início dos anos 2000, ela era ativa não apenas na França, mas também na Alemanha, Áustria, Itália, Polônia e Portugal. Ela não deixou de usar sua marca, mas também se escondeu atrás de uma fachada de campanhas religiosas, associações cristãs ou grupos antiaborto.

Em 2002, Caio Xavier da Silveira estabeleceu outra organização na França chamada Fédération Pro Europa Christiana (FPEC). A entidade consiste de organizações de outros países. Na Europa, Da Silveira ou seus associados na época controlavam uma rede de organizações, a maioria das quais promove campanhas de arrecadação de fundos em grande escala.

Segundo Victor Gama, um historiador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a TFP estabeleceu uma rede internacional de associações. Algumas, porém, não revelam seus laços com o movimento.

“Pessoas em muitos países encontram imagens de santos em suas caixas postais e uma carta pedindo a realização de doação para fins religiosos. Elas acham que estão apoiando instituições católicas locais, mas caso decidam doar, o dinheiro delas alimenta a TFP global. O dinheiro é então canalizado para pessoas associadas ao movimento e às suas divisões. A TFP então recruta novos membros, pessoas jovens”, revela Gama.

Segundo Neil Datta, a TFP criou um tipo de franquia internacional para campanhas antiaborto que visam a sexualidade e reprodução.

Uma rede de organizações ligadas à TFP na Europa coletou doações de forma tão eficiente quanto uma corporação religiosa. Ela lançou imensas campanhas postais, nas quais enviavam medalhas ou rosários baratos, calendários (geralmente de aparência quase idêntica) ou imagens de Nossa Senhora de Fátima para pessoas em seus bancos de dados. Elas também pediam para que fizessem pequenas doações.

O sucesso está no tamanho do banco de dados, que inclui doadores potenciais. O modelo pioneiro de arrecadação de fundos foi inspirado por políticos republicanos americanos e ativistas associados ao American Leadership Institute, onde membros da TFP foram treinados e também compartilharam sua experiência realizando palestras. O assunto será tema da segunda parte de nossa reportagem.

Milhões gerados pelo coração de Jesus

O Château de Jaglu, onde vive atualmente Da Silveira, não é o único imóvel de propriedade da organização. A sede oficial da Fédération Pro Europa Christiana (FPEC) fica na Villa Notre-Dame de la Clairière, em Creutzwald. O imóvel, situado no leste da França, inclui um parque de 3,5 hectares. Até meados de 2019, a organização também alugava um escritório de representação em Bruxelas para realização de atividades de lobby junto às instituições da União Europeia, para promoção de sua agenda ultracatólica.

A manutenção desses imóveis, a organização de comícios para atrair membros de organizações de todas as partes do mundo para eventos em um ambiente medieval, o treinamento de jovens e a luta contra os valores liberais realizada em várias dezenas de países, tudo isso gera despesas consideráveis.

Fora a arrecadação de doações em países individuais, as organizações que fazem parte da rede enviam dinheiro umas às outras. Uma fonte importante de renda para o movimento TFP inclui “doações de membros e sociedades associadas”. Como resultado, o dinheiro que circula ao redor do mundo (grande parte provavelmente não tributado) é canalizado para entidades ultracatólicas.

Os informes financeiros da Fédération Pro Europa Christiana mostram que, desde 2012, a receita da organização triplicou. As contribuições de doadores individuais continuam crescendo: elas somaram 604 mil euros em 2012, enquanto em 2019 chegaram quase a 2 milhões de euros. No ano passado, a FPEC arrecadou um total de mais de 2,3 milhões de euros, 345 mil euros (cerca de 15%) provenientes de “taxas de adesão e fundos de associações relacionadas”.

As fontes incluem a Fundação Skarga, com sede na Cracóvia, da qual Caio Xavier da Silveira é membro do conselho supervisor. Os documentos que obtivemos junto a registros poloneses revelam que a Fundação Skarga transferiu centenas de milhares de euros por ano à FPEC, uma organização com sede em Creutzwald, na França.

Em 2017, as transferências totalizaram 220 mil euros, enquanto entre janeiro e maio de 2019 elas chegaram a 74 mil euros. Uma parte das transferências foi rotulada como taxa de adesão e parte como “doações contratuais”. As sete fatias seguintes, cada uma no valor mensal de 15 mil euros, seriam transferidas pela divisão da Cracóvia para a FPEC até o final de 2019 (totalizando 105 mil euros).

Disputa interna pôs fim às transferências

Mas não ocorreram. Quando estourou um conflito em uma organização polonesa em maio de 2019, um dia antes de Olejniczak ser demitido do conselho diretor, as transferências para as organizações estrangeiras controladas por Da Silveira foram suspensas.

Fora as organizações da França e Brasil, o dinheiro da Cracóvia há muito era usado para apoiar cerca de uma dúzia de organizações por todo o mundo, a lista que agora estamos revelando. A maioria delas é controlada por Da Silveira. Os documentos aos quais tivemos acesso revelam que entre 2009 e 2019, as transferências de dinheiro às organizações supervisionadas por Da Silveira totalizaram mais de 6,8 milhões de euros.

A quantia anual desse tributo aumentou de 358 mil euros em 2009 para cerca de 1 milhão de euros por ano em 2015, 2016 e 2017. Na época, as transferências, rotuladas como “doações para as organizações controladas por Da Silveira”, representavam quase metade de todas as doações feitas pela Fundação Skarga para entidades associadas.

No início de 2020, Caio Xavier da Silveira abriu sua própria empresa de consultoria. Por que precisava dela? Teria algo a ver com a disputa interna de poder na TFP? Nem ele e nem o porta-voz da FPEC, Jean Goyard, chefe da TFP francesa, aceitaram falar. Goyard desligou o telefone assim que perguntamos sobre as finanças da organização.

Perguntamos aos representantes da Fundação Skarga sobre as transferências para organizações estrangeiras, incluindo a Fédération Pro Europa Christiana da França e o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira do Brasil. Essas contribuições foram canalizadas para o movimento TFP internacional? “As doações feitas a essas organizações não diferem das feitas a outras entidades apoiadas ou criadas pela fundação na Polônia e em outros países”, respondeu de forma vaga Piotr Kucharski, porta-voz da Fundação Skarga.

Os doadores poloneses estavam cientes de que o dinheiro foi transferido para organizações estrangeiras associadas ao movimento TFP? “Nós informamos sobre o envolvimento da fundação em vários projetos internacionais por meio de nosso site e publicações”, respondeu Kucharski em um e-mail.

Ele também disse que os projetos incluíam o patrocínio da anual Academia de Verão para (jovens) Católicos e “outros tipos de treinamento para membros de organizações sociais e religiosas da Polônia e outros países”.

Uma nova abertura

Em agosto de 2020, os membros da TFP da França, Itália, Holanda, Polônia e Belarus chegaram à França para a Escola de Verão Europeia da TFP, organizada na propriedade em Creutzwald. Este é o encontro mais recente, com Escolas de Verão anteriores tendo sido realizadas nos três anos anteriores no sul da Polônia, no Castelo de Niepolomice.

Caio da Silveira foi o foco durante um evento realizado na mansão. Ele usava a capa vermelha tradicional estampada com um leão dourado, o emblema do movimento TFP. Durante um momento para fotos, Ferdinand Aldunate, membro da nova administração da Fundação Skarga, que está processando o grupo de Olejniczak para recuperar o controle financeiro de milhões de euros e propriedades da organização na Cracóvia, posava orgulhosamente na primeira fila.

A velha administração transferiu os ativos mais valiosos para a Associação Piotr Skarga de Cultura Cristã, uma organização irmã, que ela ainda controla. Hoje, ela se tornou uma fonte de financiamento para organizações que permanecem na esfera de influência do grupo de Olejniczak. Durante a foto de “família”, Da Silveira sorriu com uma visível reserva, uma indicação de que pode não ser capaz de defender sua posição dominante na TFP.

Seus antigos alunos da Cracóvia superaram o mestre do Château de Jaglu. Foram eles que construíram, financiaram e posteriormente assumiram a nova rede de organizações ultracatólicas, que agora exercem crescente influência sobre o pensamento das sociedades da Europa Central.

“Falando de forma geral, a velha TFP na França, Alemanha e Itália era mais uma forma de ganhar dinheiro do que uma ideologia. Ela fornecia estabilidade e conforto para seus principais membros. A nova geração que vem da Polônia é muito mais profissional”, explicou Neil Datta durante uma entrevista.

Recentemente, o grupo celebrou a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional da Polônia. No final de outubro, ele reduziu drasticamente o caminho para o aborto legal. Agora, a rede centro-europeia está se preparando para defender os valores cristãos no futuro referendo constitucional na Estônia.

Foto: Marcha para Família com Deus pela Família/Arquivo

Comments (1)

  1. Temos que resgatar com bravura e determinação a moral a ética , os bons costumes , a família e a propriedade . NO início da minha adolescência vi surgir aTFP ! É hoje vejo quão importante é estar nesta luta , não podemos esmorecer , resgatar pra salvar a civilização humana .

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