Carnificina brasileira

Ele agiu abertamente para sabotar o isolamento social e a busca pela vacina. Propagou a anticiência e foi omisso com a tragédia em Manaus. Tripudia sobre mais de 220 mil vidas perdidas na pandemia. Um criminoso está a solta — e é preciso pará-lo

por Alexandre Aragão de Albuquerque, em Outras Palavras

No dia 29 de outubro de 2020, dias antes da eleição passada, ladeado pela sorridente ministra da agricultura Tereza Cristina Dias (DEM-MS), como autoridade presente para avalizar suas palavras diante do capital agrário nacional, Bolsonaro, paramentado com o uniforme da agremiação futebolística Sampaio Correia (MA), exibindo o guaraná Jesus, realizou mais uma “live” semanal de 60 minutos, no Facebook, para seus seguidores, num rito estrutural sistemático de sua tática política, cujo objetivo é manter acesa a crença de seus fiéis em sua mensagem, como ocorre em todo e qualquer fenômeno religioso.

Por volta dos 20 minutos, ele iniciou mais uma homilia publicitária da hidroxicloroquina como tratamento eficaz, afirmando textualmente: “a cada dia aparecem mais e mais estudos dizendo que a hidroxicloroquina reduz o número de mortes (por covid-19): quem toma hidroxicloroquina, nem vai para o hospital, muito menos vai ser entubado” (minuto 28). No minuto 33 ele muda de tática, sai da defesa e parte para o ataque à vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria internacional com a biofarmacêutica chinesa Sinovac Biotech, afirmando textualmente: “Querido governador de São Paulo, ninguém vai tomar a tua vacina. Procura outro. E eu, como governo, não vou comprar a tua vacina também não. Tá ok? Procura outro para pagar tua vacina”. E a ministra Tereza Cristina, sorridente ao lado, avalizando em mídia nacional essas putrefatas palavras do seu mito.

A vacina sino-brasileira, produzida pelo Instituto Butantã, foi testada na vida real, no meio de uma pandemia e naquelas pessoas que eram as mais expostas ao vírus. De uma amostragem de 9,2 mil participantes, apenas um número irrisório de 85 apresentaram casos leves de covid. E, destes casos leves, apenas três pessoas necessitaram de receber alguma assistência mais específica. No dia 17 passado, o estado de São Paulo saiu na frente, deu o pontapé ao plano de vacinação, obrigando Bolsonaro a sair em público, completamente decepcionado, admitindo a derrota de sua necropolítica.

No dia 16, a jurista Deisy Ventura, especialista na relação entre Direito internacional e pandemias, foi entrevistada pela Rede CBN de rádio, afirmando textualmente que os atos normativos do governo Bolsonaro evidenciam a determinação de ir contra as medidas de isolamento como forma de prevenção contra o vírus. Somado a isso, registra-se o incentivo por parte do presidente da República para as pessoas saírem às ruas porque sua tese perversa é a de que a covid-19 deve ser disseminada em meio à população. Por fim, como anotamos acima, ele faz sistemática propaganda para tratamento preventivo ineficaz. E o gado bolsonarista, de todas as classes e grupos sociais, apoia enfaticamente essa orientação política genocida. Para ele, as mortes são absolutamente irrelevantes: “morre quem é maricas, quem é bundão, quem é infeliz”. Não se trata, portanto, de omissão, mas de uma determinação bem definida de naturalização e banalização das mortes pela pandemia.

Deisy assevera que a tragédia de Manaus é um agravamento desta orientação, porque se em abril do ano passado, naquela capital, já havia pessoas morrendo na rua, na semana passada estavam morrendo dentro dos hospitais pela falta de insumos. Isso é bastante grave, como bem lembrou o ex-ministro da Saúde Mandetta, “oxigênio não acaba repentinamente, do dia para noite”. Inaceitável. Como esse agravamento se explica? Como o Ministério da Saúde permitiu que isso se repetisse? Quem será responsabilizado por essas mortes? Cadê o Ministério Público?

Importante esclarecer, segundo a especialista, que o Supremo Tribunal Federal (STF), jamais isentou o governo federal pela responsabilidade do combate à pandemia. O STF apenas ratificou o que prevê a Constituição, em seus artigos 23 e 24, que há uma competência comum entre União, estados e municípios na proteção da saúde pública.Portanto, o Supremo nunca disse que a União não tem responsabilidade nesta matéria.

Para a carnificina brasileira acabar, esse governo federal não pode continuar agindo assim. O Congresso brasileiro precisa cumprir o seu papel e estancar com a necropolítica instalada no país desde 2019. São vidas ceifadas de forma perversa, dia após dia. Hoje já são quase 220 mil mortos (pelos dados oficiais). Infelizmente, especialistas da área calculam que este número seja no mínimo 50% superior.

*Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE) e especialista em Democracia Participativa (UFMG).

Imagem: site do PT

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