Invasores devem ser retirados da Terra Indígena Urubu Branco, confirma STF

Após disputa judicial de quase vinte anos e com parte do seu território tradicional ocupado por não-indígenas, decisão foi comemorada pelo povo Apyãwa

Por Tiago Miotto, no Cimi

Uma luta antiga do povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, pode finalmente estar chegando ao fim. No dia 10 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, confirmou a decisão que determina a retirada dos não-indígenas do interior da Terra Indígena (TI) Urubu Branco, em Mato Grosso, pondo fim a uma disputa judicial que se desenrola desde 2003.

“A notícia da decisão e determinação do STF em relação à retirada dos invasores não-indígenas do nosso território nos deixou muito alegres, após 18 anos de luta. A gente agradece muito as instituições que nos ajudaram na luta por essa desintrusão até agora. Ficamos muito contentes com essa decisão, que vai deixar a terra indígena para os Tapirapé, nos livrando dessa invasão que sempre nos deixou muito preocupados. Agora, é fazer com que isso aconteça de fato”, comemora Kamoriwai’i Elber Tapirapé, cacique-geral do povo Apyãwa.

O ministro Luiz Fux confirmou a decisão que havia sido concedida em julho do ano passado pelo ministro Dias Toffoli, então presidente da Corte, suspendendo os efeitos da liminar que impedia a retirada dos não-indígenas da TI Urubu Branco.

A origem da disputa no Judiciário remonta a 2003, quando o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública pedindo a retirada dos não-indígenas de dentro da TI Urubu Branco, homologada e registrada pela União no ano de 1998 com cerca de 167,5 mil hectares.

A Justiça Federal determinou a desintrusão da terra indígena, mas os fazendeiros recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e e obtiveram uma liminar que suspendeu a remoção e garantiu sua permanência no interior da terra demarcada.

No ano passado, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, solicitou a suspensão da liminar do TRF-1, e teve seu pedido acatado pelo ministro Dias Toffoli. Os fazendeiros que ocupam a porção norte do território Apyãwa recorreram da decisão do STF, e a recente decisão de Fux negou o recurso dos fazendeiros.

Ao longo dos anos de morosidade no processo, idas e vindas da Justiça acabaram fomentando novas invasões ao território Tapirapé e gerando insegurança e preocupação para o povo.

“Teve pessoas que foram indenizadas, mas voltaram para a área. Alguns até hoje estão no território, mas outros voltaram somente para comercializar a posse deles, acabaram vendendo para outras pessoas que hoje estão lá. Alguns lotearam uma das partes do nosso território, aproveitando a carona do pessoal que estava segurado pela liminar. Houve a grilagem e teve até problema entre eles, mesmo com o território já demarcado e homologado”, relata Kamoriwai’i Tapirapé.

O cacique-geral do povo Apyãwa conta que o desmatamento, o arrendamento para criadores de gado, a destruição de locais sagrados, a poluição dos córregos e até ameaças ao povo estão entre os principais problemas causados pela presença dos não-indígenas.

O risco de conflitos violentos, inclusive, é abordado pelo ministro Luiz Fux em sua decisão (leia aqui), na qual afirma que a situação poderia se agravar “em caso de não efetivação da decisão judicial” de desintrusão, com “risco de grave lesão à ordem pública”. O presidente da Suprema Corte também destaca  a “existência de demarcação e reconhecimento oficial da tradicionalidade da ocupação” da TI Urubu Branco pelos Tapirapé.

Madeira apreendida em operação da Polícia Civil na TI Urubu Branco, em maio de 2020. Foto: povo Tapirapé

A retirada ilegal de madeira também é um problema constante e continuou ocorrendo mesmo durante a pandemia de covid-19. Em maio do ano passado, uma operação de fiscalização apreendeu madeireiros no interior da terra indígena, num acampamento com motosserras e muitas toras de pau-brasil.

“Nesse tempo de pandemia, mesmo após o início da vacinação a manutenção dos invasores tem gerado uma insegurança para o povo, tanto pela questão da contaminação quanto, principalmente, por conta da exploração do seu território”, avalia Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso.

“A decisão do STF garantindo a retirada dos invasores da TI Urubu Branco é de extrema importância, tendo em vista que a manutenção desses invasores por década, praticamente, com liminares, tem significado a destruição de parte da terra indígena pela exploração de madeira, desmatamento para pastagem, com a construção de casas, inclusive, numa parte da área norte onde está invadida há algum tempo a terra indígena”, destaca o missionário.

A consolidação das invasões com a construção de infraestrutura dentro da terra indígena foi uma das motivações para que o MPF movesse uma nova Ação Civil Pública, em 2019, pedindo à União e à Funai indenização pelos danos causados ao povo Tapirapé.

O MPF também ingressou com uma ação contra a Energisa, empresa que forneceu energia elétrica ilegalmente aos invasores da TI Urubu Branco. Segundo o órgão, a eletrificação gerou “uma percepção de regularidade para os ocupantes desta área, o que contribui para a valorização das posses, ainda que ilícitas, e sua negociação por parte dos grileiros”.

“Esse referendo pelo STF traz enfim um pouco mais de tranquilidade para o povo Apyãwa, que vem denunciando por várias vezes a exploração do território por esses invasores, e também a questão do fogo, que nos anos de 2019 e 2020 prejudicou o povo, por ter se alastrado em boa parte dessa área onde há invasão, mas também em alguns outros pontos da terra indígena”, avalia o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso.

“A esperança é que a decisão seja cumprida o quanto antes e o povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, possa ter o usufruto exclusivo e total do seu território depois de tantos anos, podendo transitar dentro dele com tranquilidade”, reitera.

Em 2019,  as queimadas atingiram 17% da TI Urubu Branco e, junto às invasões e ao desmatamento, fizeram o cacique-geral afirmar que o futuro do povo Apyãwa estava em risco. Agora, a recente decisão traz ao povo a perspectiva de finalmente ter o território livre e seguro.

“Apesar da morosidade que sempre acontece na decisão judicial, o povo Apyãwa sempre acreditou na Justiça, até porque a Constituição brasileira sempre nos garantiu esse direito. A gente sempre acreditou que a gente iria ter esse direito de ter nosso território tradicional, em que nossos avós estiveram. Isso fez com que a gente sempre sonhasse que um dia iríamos ter esse território livre dos invasores. Agora, acreditamos que isso de fato vai acontecer”, afirma Kamoriwai’i Elber Tapirapé.

Imagem: Devastação causada pelas queimadas na TI Urubu Branco, em setembro de 2019. Segundo os indígenas, incêndios foram iniciados por ação de fazendeiros e posseiros que ocupam a terra demarcada. Foto: povo Tapirapé

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