Em nota pública enviada ao Congresso, MPF e Copeduc afirmam que a proposta representa retrocesso na política educacional e risco ao desenvolvimento socioeconômico do país
Procuradoria-Geral da República
O Ministério Público Federal (MPF) e a Comissão Permanente de Educação (Copeduc) do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça enviaram nesta quarta-feira (24) à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal nota pública contrária à Proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que extingue a destinação constitucional de recursos mínimos para a educação por parte da União, dos Estados e dos Municípios. De acordo com a nota, além de representar um retrocesso na política educacional do país estabelecida pela Constituição de 1988, a PEC tem como consequência danosa o esvaziamento de todas as conquistas históricas alcançadas desde então nessa área. Pelo MPF, assinam a nota a Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral (1CCR) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
De acordo com as entidades, se aprovada, a PEC 186/2019 comprometerá o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), aprovado recentemente pela Emenda Constitucional 108/2020. “A natureza permanente da qual foi dotado [o Fundeb] não representará mais nada para o financiamento da educação, considerando que a matriz constitucional na qual se apoia perderá sua efetividade”, explica a nota pública, acrescentando que a proposta coloca em em risco o próprio direito à educação previsto nos arts. 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 e 224 da Constituição.
O Ministério Público ressalta que a proposta é inconstitucional e representa grande risco ao desenvolvimento socioeconômico do país. “É notório que a tentativa ofende princípios constitucionais como o da vedação de retrocesso e da aplicação de recursos no patamar mínimo, como cláusulas pétreas, remetendo-nos à década de 1980, quando o Brasil era considerado um país de analfabetos, justamente pela falta de definição legal de obrigações para que gestores públicos aplicassem verbas públicas em livros, merenda, remuneração de professores, infraestrutura, programas de alfabetização, entre outros”, destaca o documento.
A nota pública aponta ainda que um dos efeitos da atual pandemia é o aumento das desigualdades na educação, impedindo o acesso a esse serviço público essencial a mais de 600 mil brasileiros com idade de 15 a 17 anos, reduzindo-se drasticamente a nutrição de crianças e adolescentes, e deixando ainda muitos jovens órfãos em idade escolar. Para as entidades que assinam o documento, caso não existisse a vinculação orçamentária que a PEC 186/2019 pretende extinguir, as consequências desse flagelo seriam ainda piores. Assim, “seja qual for a estratégia normativa adotada pelo Executivo federal em seu enfrentamento, deve ser pautada por critérios racionais, sem atingir os já cambaleantes direitos sociais, sob pena de agravamento da situação”, alerta a documento.
Saúde x Educação – O Ministério Público pondera que nem mesmo a proposta alternativa de “unificação” dos pisos constitucionais da saúde e da educação pode ser aceita, uma vez que, como a pandemia tem demonstrado, a saúde possui necessidades e demandas crescentes e emergenciais que, se colocadas em uma desnecessária disputa orçamentária com a educação, implicarão, inevitavelmente, prejuízos a esta.
Tal conclusão, salienta o documento, além de lógica, foi comprovada por estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2020, o qual demonstrou que “em um contexto de concorrência por recursos, os gastos em saúde serão mais resilientes, uma vez que tendem a ser menos elásticos, e, por conseguinte, os recursos para a educação estão sob maior risco de perdas.”
A nota pública ressalta, por fim, que a proposta em tramitação no Congresso Nacional segue na contramão do fortalecimento do ensino universal e gratuito preconizado pela Constituição Federal, concorrendo sobremaneira para a precarização da educação pública e para a manutenção da dramática desigualdade social existente em nosso país. “Reafirmamos que a educação básica brasileira deve ser prioridade para o governo brasileiro, e como tal, deve ser adequada e suficientemente financiada, respeitando-se as regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal”, conclui o texto.