Queiroga empurra para estados crise do kit intubação

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

TIRANDO O CORPO FORA

Cobrado por estados e municípios pela ausência de respostas adequadas à escassez de medicamentos do kit intubação – que já dura mais de um mês –, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, decidiu responsabilizar governos estaduais pela crise.

“Não adianta ficar só enviando ofício (…). Os estados também têm que procurar esses medicamentos, sobretudo grandes estados. Existem estados que têm economia maior do que de países, que têm condições de buscar esses insumos. Não é só empurrar isso para as costas do Ministério da Saúde“, disse ele, em coletiva de imprensa ontem. Dirigia-se obviamente ao governo de São Paulo, que afirmou já ter enviado nove ofícios à pasta solicitando medicamentos, sem obter nenhuma resposta. 

Em março, o ministério tomou medidas para centralizar a compra e a distribuição desses remédios, como lembra o Nexo. A decisão foi por conta da escalada das internações e do consequente aumento da demanda por essas drogas: o governo federal tem capacidade para realizar compras grandes, o que evitaria uma competição entre governadores e prefeitos num cenário em que o país inteiro precisa dos mesmos itens. 

Porém, o ministério não está conseguindo adquirir as drogas. O Estadão obteve uma nota técnica da pasta, do dia 12, mostrando que o governo tentou comprar 186 milhões de doses dos medicamentos, que durariam seis meses. Acabou só conseguindo 17% do planejado: 32,48 milhões. 

Esses números ajudam a pôr em perspectiva o impacto dos remédios que empresas brasileiras conseguiram importar para doar ao governo. Como dissemos ontem, o total é de 3,4 milhões de unidades. O primeiro lote, com 2,3 milhões, foi comprado pela Vale e chegou ontem. Vai ser distribuído “em menos de 48 horas“, segundo o ministério. Quanto tempo irá durar? Depende. A quantidade destinada a São Paulo, por exemplo, deve ser suficiente para atender à demanda por 3,5 dias

Neste momento, 11 estados admitem que estão com os estoques do kit intubação em níveis críticos ou abaixo dos patamares recomendáveis para o tratamento de pacientes graves de covid-19. São eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas, Rondônia, Roraima, Pernambuco, Tocantins, Acre e Amapá. Na maioria dos casos, a previsão é de que os itens armazenados durem de quatro a cinco dias. 

DOSES A MENOS?

Vários estados e municípios têm denunciado o recebimento de ampolas de vacina com menos doses do que a quantidade informada, em geral da CoronaVac. Algumas prefeituras informaram ter recebido frascos com material suficiente para apenas sete aplicações, em vez das 10 doses previstas. A Anvisa está apurando.

Segundo o Instituto Butantan, o problema é a extração incorreta do conteúdo antes da aplicação, o que faz sentido. No mês passado, ficou autorizado o uso de ampolas de 5,7ml, em vez de 6,2 ml – reduzindo a sobra “de segurança” para que se consiga vacinar mais gente. “É importante que os profissionais de saúde estejam capacitados para a aspiração correta de cada frasco-ampola, além de usar seringas e agulhas adequadas, para não haver desperdício”, aponta a instituição, afirmando já ter investigado as notificações recebidas até agora. 

CLOROQUINA E ARMAS

Repórter Brasil mostra as consequências das indicações de militares ou de apadrinhados políticos para o comando dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) – cargo que pode ser comparado ao de secretário estadual de saúde por ser responsável pelo atendimento de territórios imensos, mas em alguma medida é mais complexo pela multiplicidade de etnias atendidas, pelos desafios operacionais e culturais envolvidos.  

Os casos relatados pela reportagem têm em comum a inexperiência dos indicados, as acusações de truculência na interação com as comunidades e a má gestão em meio à pandemia – e tudo isso é potencializado pelo cenário de cortes de recursos para a área, que recebeu R$ 1,39 bi em 2020, o menor orçamento em oito anos.  

No distrito de Parintins, Jose Augusto Souza – apadrinhado pelo deputados estadual do Amazonas, Josué Neto (Patriota) –, resolveu retirar o apoio à barreira sanitária que estava protegendo a terra indígena Andirá Marau na pandemia. A justificativa? Não seria papel do órgão atuar na barreira, montada no rio Andirá em março pelos próprios indígenas, mas que funcionou com apoio logístico do Dsei até maio.

Nós acompanhamos no ano passado a longa novela envolvendo essas barreiras, reivindicadas pelas organizações indígenas e que tiveram de ser impostos pelo STF ao governo federal em agosto – que não cumpriu a decisão em três casos, e teve de ser acionado judicialmente em dezembro. O caso do Dsei Parintins ilustra sua importância: os casos aumentaram 107% depois da retirada da barreira.

No distrito Leste, localizado em Roraima, o capitão Tárcio Alexandre Pimentel está sendo investigado por distribuir cloroquina às comunidades indígenas. Ele, que assumiu o comando do Dsei em maio do ano passado, também é acusado por autorizar a entrada de pessoas estranhas sem autorização das comunidades indígenas. O distrito também sofre com o troca-troca de indicados: foram cinco coordenadores em um período de um ano e oito meses, que coincidiu com a pandemia. Segundo a reportagem, alguns desses coordenadores foram indicados pelo senador Chico Rodrigues (DEM-RR) – aquele do dinheiro na cueca. Ele está sendo investigado pela PF e pelo TCU por fornecimento de equipamentos de combate à covid-19 superfaturados ao distrito…  

No Dsei Yanomami, o major Francisco Dias Nascimento Filho andava armado e intimidava funcionários e representantes do movimento indígena. Foi exonerado depois de um ano no cargo – e nem a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde nega os problemas. Mas o próximo indicado, Rômulo Pinheiro Freitas, que assumiu em julho de 2020, nem renovou uma licitação a tempo, prejudicando a transferência de doentes das aldeias, como também é acusado pelos indígenas de tentativa de desvio de doses de vacina. 

EXPECTATIVA

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), confirmou ontem os nomes que vão compor a CPI da Pandemia. Não houve surpresas. A oposição na comissão deve ficar por conta de Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Tasso Jereissati (PSDB-CE) Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A defesa do governo ficará a cargo de Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos- CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC). Os ‘independentes’ –Omar Aziz (PSD-AM) e Otto Alencar (PSD-BA) – serão os fiéis da balança. Alencar pende para o lado da oposição ao governo. 

Nesse sentido, o Planalto está trabalhando para que Aziz seja eleito presidente da comissão. Mas, além dos governistas e do seu próprio partido, ele pode contar também com o apoio do MDB. Na teoria, cabe ao presidente escolher o relator. Na prática, a escolha é fruto dos acordos prévios entre partidos – e Renan Calheiros já teria costurado com os senadores do PSD a dobradinha para que ele assuma a relatoria. Para completar, Randolfe Rodrigues, autor do requerimento da comissão, deve ficar com a vice-presidência. A instalação da CPI deve acontecer na próxima quinta-feira, depois do feriado. Segundo Rodrigues, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello serão os primeiros intimados. 

SUBIDA VERTIGINOSA

A curva recente de novos casos de covid-19 na Índia parece uma linha reta. Dez dias após o recorde de 100 mil casos em 24 horas, ontem foram 200 mil. O número de mortes continua relativamente baixo para o tamanho da população, com uma média móvel de cerca de mil – algo cujas razões ainda não estão bem estabelecidos por cientistas ­–, mas necrotérios e espaços de cremação em grandes cidades estão superlotados, com cadáveres esperando do lado de fora de hospitais.

Reuters mostrou ontem imagens do colapso em um dos hospitais de Nova Délhi, onde pessoas dividem leitos de enfermaria. 

Lá, como aqui, existe sempre uma suspeita de que variantes do coronavírus estejam por trás da escalada das infecções. Além da B.1.1.7 (inicialmente identificada no Reino Unido), que parece dominar o país, em março descobriu-se outra, sobre a qual ainda não há muitas informações. Mas, mesmo que isso seja verdade, especialistas não têm dúvidas de que o problema principal é a total desconsideração por medidas preventivas, como distanciamento social e uso de máscaras. Nas últimas semanas, comícios pré-eleições e o maior festival religioso do hinduísmo aglomeraram milhões de pessoas

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