Sem perspectiva de chegar a um acordo no curto prazo com os EUA, o governo Bolsonaro tenta às pressas organizar alguma resposta para apresentar na cúpula climática da próxima 5a feira (22/4), resposta que seja capaz de conter as críticas crescentes da comunidade internacional à situação ambiental do Brasil. Um dos pontos que o Planalto deve seguir martelando nos próximos dias é a questão do financiamento.
Na Reuters, Ricardo Salles voltou a passar o caneco, dizendo que seriam necessários US$ 10 bilhões ao ano em recursos externos para que o país possa antecipar sua meta de neutralidade do carbono de 2060 para 2050. Segundo o raciocínio torto do ministro, o Brasil merece ser remunerado pela proteção ambiental das últimas décadas e, por isso, não caberia condicionar novos recursos a resultados imediatos no combate ao desmatamento. Ao mesmo tempo, a RFI destacou a entrevista de Salles à AFP, na qual ele prometeu mais uma vez que o Brasil poderia reduzir o desmatamento no próximo ano em até 40% caso receba US$ 1 bilhão. A BBC também repercutiu o pedido bilionário do ministro do meio ambiente.
No entanto, a indisposição de Bolsonaro de se comprometer internacionalmente com metas de redução do desmatamento torna qualquer negociação um exercício de futilidade. O governo dos EUA parece ter percebido isso e mudou a interação com as autoridades brasileiras. Um exemplo disso foi a passagem dos diplomatas Juan González e Julie Chung na América do Sul na semana passada. Segundo Janaína Figueiredo, n’O Globo, os dois representantes dos EUA ignoraram o Brasil não apenas no roteiro da viagem, mas também na agenda de conversas com os governos da Colômbia, Argentina e Uruguai.
O máximo que Brasília teve de dedicação especial do primeiro escalão da Casa Branca nos últimos dias foi um tweet do enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, no qual ele reconheceu a importância do “recomprometimento” do Brasil com a meta de eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030 feito por Bolsonaro em carta encaminhada na semana passada ao presidente Biden. Kerry também afirmou esperar que o governo brasileiro avance com “ações imediatas e engajamento com populações indígenas e sociedade civil para que esse anúncio possa oferecer resultados tangíveis”. A cobrança de Kerry foi destaque de Agência Brasil, CNN Brasil, Deutsche Welle, O Globo e Valor.
Comentando a tal carta, Pedro de Camargo Neto ofereceu a Jamil Chade no UOL uma análise dura: para ele, o documento foi uma oportunidade perdida para recuperar a confiança internacional no Brasil, já que insistiu no “mais do mesmo”. O Fakebook.eco fez um raio-X das falsidades escritas por Bolsonaro na carta. Já o embaixador Rubens Ricupero disse ao Estadão que ainda enxerga alguma possibilidade de sucesso para o Brasil nesse esforço diplomático, mas apenas se o governo Bolsonaro deixar de fazer “chantagem” com os países em torno da Amazônia. No entanto, como bem lembraram Míriam Leitão n’O Globo e Elio Gaspari na Folha, falta seriedade e vontade política efetiva no Palácio do Planalto para restaurar o prestígio internacional do Brasil.
Em tempo: Na Folha, Mathias Alencastro afirma que “obrigada a se reinventar diante do declínio dos sindicatos e das formações partidárias, a sociedade civil [brasileira] viu na mobilização em torno da defesa da Amazônia uma oportunidade para ampliar a sua atuação internacional e pressionar EUA contra acordo com Bolsonaro”. Para Alencastro, “independentemente do resultado final, a dinâmica das últimas semanas mostra que a [“indomável”, segundo ele] sociedade civil terá um papel central nos próximos embates internacionais de Bolsonaro.