Em caráter de urgência, MPF pede abastecimento de água para terra indígena localizada em Antônio João (MS)

Mais de 2 mil pessoas vivem em condições insalubres de desabastecimento hídrico nas 11 aldeias que compõem a TI Ñande Ru Marangatu

Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

Cerca de 489 famílias indígenas, com aproximadamente 2 mil pessoas, enfrentam uma situação de descaso por parte do Poder Público e sofrem com o desabastecimento de água potável no município de Antônio João (MS). Elas integram as 11 aldeias que compõem a Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu e recorrem ao improviso para arranjar água, muitas vezes buscando em poços no brejo ou em córregos e rios poluídos, sem o mínimo de dignidade e de saneamento básico a que têm direito.

Buscando resolver a situação, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública (ACP) contra a União, em caráter de urgência, em que pede: no prazo de 72 horas, o fornecimento emergencial de, ao menos, 40 litros de água potável por pessoa a cada dia, até o estabelecimento do fornecimento de água de forma perene. No prazo de 30 dias, o fornecimento de caixas d’água, bombas elétricas ou manuais, além da perfuração de poços compatíveis com a demanda de cada uma das aldeias que compõem a TI. No prazo de seis meses, a condenação da União ao pagamento de multa diária de R$ 1 mil para cada uma das casas não providas de rede de água. E, finalmente, a condenação da União ao fornecimento de água potável e tratada, de forma perene e intermitente, em quantidade não inferior a 110 litros de água por pessoa a cada dia.

As informações que embasam a ação são provenientes de inquérito civil instaurado pelo MPF em 2016 e de reunião realizada em 6 de abril, com participação do procurador da República em Ponta Porã (MS) Marcelo José da Silva, de representantes da TI Ñande Ru Marangatu e do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (Dsei/MS).

Na ACP, o MPF pontua sobre o quanto se fala da necessidade de higienização e de medidas sanitárias adequadas em tempos de pandemia, de modo que qualquer detalhamento adicional sobre a importância da água para a saúde e para a vida é insistir no óbvio. “As únicas considerações realmente importantes a serem feitas é que não se está falando, inicialmente, em pedido de fornecimento de água encanada ou, muito menos, em patamares de comodidade ou luxo; trata-se, tão somente, de acesso ao mínimo de água potável, ainda que, em casos extremos, fornecida em caixas d’água coletivas”, reforça o documento.

Ñande Ru Marangatu – A TI em questão é composta pela aldeia Campestre, área regularizada com apenas 8 hectares, e por outras 10 aldeias adjacentes (Marangatu/Morro Alto, Cedro, Fronteira, Itaquiray, Soberania, Primavera I, Primavera II, Piquiry, Casa Branca e Salto Estrelinha) que, juntas, somam 9,3 mil hectares de área não homologada.

A situação da TI Ñande Ru possui uma peculiaridade: ela chegou a ser homologada por decreto presidencial em 2005, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da homologação no mesmo ano. Enquanto o processo referente à homologação ainda tramita, passados mais de 16 anos, em fevereiro de 2020 o STF determinou a “manutenção da situação fática da ocupação atual”, ou seja, a manutenção da ocupação indígena em uma área que já chegou a ser demarcada como indígena.

Para justificar a omissão indevida, ilegal e inconstitucional do Dsei/MS no tocante ao fornecimento de água para a comunidade, ele alega estar “impedido de atuar em áreas indígenas não demarcadas”. O MPF destaca, entretanto, que a União é obrigada, por lei, a assegurar e promover o acesso à água para as populações indígenas, inclusive àquelas que habitam terras não demarcadas (Lei Nº 14.021/2020).

Já houve, inclusive, a perfuração de poço com energia elétrica e encanamento um uma das aldeias da região. Mas, durante manutenção feita pelo Dsei nas mencionadas aldeias, uma das bombas d’água foi derrubada dentro do poço por servidores do próprio distrito sanitário, mas nunca foi retirada. O poço segue desativado com o argumento de que, por se tratar de área não homologada, o Dsei nada pode fazer. Para o distrito sanitário, a única área passível de ser atendida em toda a extensão da TI é a aldeia Campestre, por encontrar-se regularizada. Mas, mesmo ali, na aldeia Campestre, que abriga a única escola e o único posto de saúde da região, a vazão dos poços é insuficiente e faz com que os moradores cheguem a ficar semanas sem abastecimento.

O MPF destaca: “o dever do Estado não se restringe a assegurar um mínimo de dignidade aos cidadãos, mas também a assegurar a igual distribuição dessas prestações. O fornecimento de água potável é uma das mais elementares prestações de serviços públicos do Estado, o que se traduz no que a doutrina denomina de ‘mínimo existencial’, segundo a qual não haveria dignidade humana sem um mínimo necessário e indispensável para a existência”.

E frisa: “negar a uma determinada parcela da população a prestação de serviço público tão essencial como o fornecimento de água potável, que no caso em apreço é ainda mais grave, tendo em vista as deletérias e degradantes condições a que estão submetidos as famílias que vivem nas aldeias da Comunidade Indígena Ñande Ru Marangatu, é negar a própria cidadania a elas. É uma grave violação de direitos humanos, entendendo a cidadania como direito a ter direitos. Não se pode deixar de prestar um serviço público que se consubstancia, em última análise, em um direito humano/fundamental, em virtude de um comportamento da ré”.

ACP nº 5000797-58.2021.4.03.6005

Arte: Secom/MPF

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