Garimpeiros ligados ao PCC atacam aldeia Yanomami

Presença da facção criminosa já é sentida na exploração de ouro em Roraima e eleva o conflito nas terras indígenas

Por Emily Costa, Elaíze Farias e Kátia Brasil, da Amazônia Real

Boa Vista (RR) e Manaus (AM) – Garimpeiros integrantes de uma facção criminosa atacaram com armas a comunidade Palimiú, na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, no fim da manhã desta segunda-feira (10). Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda. Eles relataram que o incidente foi distinto de tudo o que já haviam presenciado antes nessa zona de conflitos. Segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye´kuana (Considi-Y), Junior Hekurari, até mesmo a vestimenta dos invasores era diferente.

“Eles estavam de preto. A comunidade achou esquisito a roupa deles. Disseram que algumas roupas estavam escrito ‘polícia’. Muito estranho isso”, relatou o presidente do Condisi, que já na tarde desta segunda-feira foi à aldeia, logo após ser comunicado pelos indígenas de Palimiú sobre o ataque.

À Amazônia Real, Junior Hekurari contou que três garimpeiros morreram, cinco foram baleados e um Yanomami ficou ferido. “Os indígenas da comunidade me confirmaram que morreram três e esses corpos os próprios garimpeiros levaram para o acampamento deles”, relatou. Uma outra liderança, Dário Yanomami, afirmou que não houve mortes (Veja abaixo).

A reportagem apurou que os executores do ataque são ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena.

De acordo com Junior Hekurari, a comunidade relatou que os invasores chegaram por volta das 11 horas em diferentes embarcações numa barreira sanitária instalada pelos Yanomami na comunidade, que fica às margens do rio Uraricoera, em Alto Alegre. A barreira foi instalada cerca de seis meses atrás na região para impedir a passagem de garimpeiros.

“Primeiro, um grupo de garimpeiros chegou. Eles [os indígenas] barraram para que não passassem. Aí, depois de dez minutos, chegou outro grupo de garimpeiros. Atiraram de todos os lados e invadiram as comunidades. Os Yanomami também responderam com flecha contra os garimpeiros, com espingarda”, disse Junior. “Eles [os indígenas] estão muito assustados. Nunca viram [algo] como aconteceu hoje. Estão solicitando força tarefa, da Polícia Federal, do Exército, que façam segurança.”

O risco de mais ataques

Em ofício divulgado na tarde de segunda-feira, a Fundação Nacional do Índio (Funai) relatou que a situação na comunidade Palimiú é grave e alertou para o perigo iminente de novos conflitos.

A Frente de Proteção Yanomami e Ye’kuana, contudo, contesta uma diligência sem proteção. “Não será possível que a Funai diligencie até a comunidade para colher maiores informações sem que haja escolta das forças de segurança pública”, apontou o documento, que é assinado pela chefe da Frente, Elayne Maciel. A Frente de Proteção Yanomami e Ye´kuana faz parte da estrutura da Funai e é responsável pelo monitoramento de indígenas isolados no território indígena.

A nota não traz trouxe informações sobre mortes durante o ataque, mas confirmou que o fato aconteceu por volta de 11 horas, quando “sete barcos de garimpeiros portanto armas de fogo atiraram contra indígenas que revidaram, resultando em cinco feridos, sendo um indígena e quatro garimpeiros”.

Em outro ofício enviado às autoridades federais, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) solicitou urgência para impedir “a continuidade da espiral de violência no local e garantir a segurança para a comunidade Yanomami de Palimiú”. No documento, a organização denunciou que os homens das embarcações teriam ido embora, mas afirmaram que retornariam para se vingar. A HAY também não confirmou as mortes relatadas pelo Condisi Yanomami Ye´kuana.

Em áudio divulgado em grupos do Whatsapp, Dário Yanomami, vice-presidente da HAY, negou que tenha ocorrido mortes. “Acabei de falar na radiofonia lá no Palimiú sobre o boato que está saindo e as lideranças me informaram que os Yanomami estão tranquilos lá. Estão na proteção deles. Aquele tiroteio freou um pouco, esfriou um pouco e os Yanomami estão continuando na defesa lá. Aquele boato que saiu de oito, cinco pessoas baleadas [na comunidade] não procede essa informação”, disse.

Dário Yanomami ressaltou que a região do Uraricoera, onde houve o conflito, é intensamente afetada pelo garimpo ilegal. “Em cima da comunidade Palimiú tem garimpo e para baixo os garimpos são próximos. O rio está ocupado com maquinários, balsas dos garimpeiros. Eles usam esse rio todo dia, subindo e descendo, subindo e descendo”, disse ele à Amazônia Real.

O ataque documentado

Algumas horas após o ataque, começaram a circular áudios em grupos de WhatsApp (ouça aqui). Em um deles, um homem, que não se identifica, fala sobre a presença de organização criminosa no Território Yanomami. Ele afirmou que “uma canoa da facção estava descendo com mais de 20 homens armados com metralhadoras e fuzis” para “pegar o pessoal que roubou combustível”.

Um vídeo que também foi encaminhado à Amazônia Real mostra uma embarcação se aproximando e disparos são feitos na direção da aldeia da terra indígena. Os moradores da aldeia Palimiú ainda levam alguns segundos até se darem conta de que eram tiros. As imagens mostram mulheres Yanomami com bebês e crianças correndo para se proteger do ataque, enquanto outras embarcações passam no rio fazendo vários disparos. 

Na comunidade, foram recolhidas dezenas de cápsulas. Segundo Junior Hekurari, “eram balas de fuzil, metralhadora, pistola 40, calibre 28, calibre 12, tudo misturado. É uma facção verdadeira que entrou na Terra Yanomami”. Na ida à aldeia, o presidente do Condisi gravou um vídeo ao lado de indígenas. Um deles se identificou como Jonatas e faz um apelo pela presença imediata da Polícia Federal, Funai e do Ibama. “Estamos com medo e precisamos que vocês venham aqui amanhã”, clamou.

Outro vídeo gravado por Junior Hekurari mostra um garimpeiro que foi detido pelos indígenas da comunidade Palimiú. Ele foi trazido a Boa Vista pelo Condisi, que o entregou à Funai e depois à Polícia Federal. Segundo Junior, o Yanomami ferido no conflito foi atingido de raspão na cabeça, mas não precisou ser removido.

Ainda segundo Hekurari, a comunidade acredita que o ataque foi em retaliação à barreira sanitária, que está em local estratégico e consegue bloquear o tráfego de barcos que sobem o rio com destino às zonas de garimpo. “Os Yanomami têm apreendido gasolina, quadriciclo, e impedido os garimpeiros de passar, por isso eles estão reagindo. Esse foi o terceiro ataque a tiros à comunidade em 15 dias, mas das outras vezes não houve feridos”, detalhou.

Em nota, o Ministério Público Federal em Roraima e a Funai em Brasília informaram que acompanham o caso, mas não deram mais detalhes. 

O interesse de Bolsonaro

Em março, o relatório Cicatrizes da Floresta, lançado pela Hutukara e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), mostrou a explosão do garimpo ilegal  no Território Yanomami. De acordo com o levantamento, a atividade cresceu 30%, gerando uma área degradada de 2.400 hectares e pondo em risco grupos isolados, como os Moxihatëtëma. 

Uma outra variável explosiva tem rondado a atividade garimpeira ilegal, porém com a chancela presidencial. Em sua live semanal de 29 de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que quer visitar pelotões de fronteira do Exército na região Norte do Brasil e ir a um garimpo nas próximas semanas. “Não vamos prender ninguém. Não vai ser uma operação para ir atrás. Eu quero conversar com o pessoal, como eles vivem lá, para começar a ter uma noção de quanto sai de ouro”, antecipou.

Desde a campanha presidencial, Bolsonaro já revelava interesse em apoiar a atividade garimpeira em terras protegidas, sobretudo as indígenas. Na live, que durou 1h06, o presidente estava acompanhado do presidente da Funai, Marcelo Xavier, que não esboçou reação alguma em defesa dos indígenas. Para Bolsonaro, após a legalização do garimpo deverão ser adotadas políticas públicas para a compra do ouro extraído pelos garimpeiros.

“Qual a minha ideia? Logicamente tem que legalizar a extração, o garimpo de ouro, tem que legalizar. Uma vez legalizando, gostaria de ter junto a pelotões de fronteira, um posto ali da Caixa Econômica Federal para a gente comprar ouro. Com valor justo”, afirmou Bolsonaro.

A legalização da ilegalidade mereceu o repúdio da Hutukara Associação Yanomami, que em nota divulgada em 6 de maio rechaçou a visita presidencial. Na Terra Indígena Yanomami, há três pelotões de fronteira. “Não queremos que Jair Bolsonaro venha conversar dentro do território, nem venha visitar o garimpo. Nós, lideranças tradicionais, não estamos interessados em discutir sobre garimpo ilegal, não queremos negociação de legalização de garimpo”, informou a nota.

Apenas 11 dias depois da live presidencial, a TIY foi alvo do garimpo que Bolsonaro sonha em legalizar.

Na imagem acima, indígenas Yanomami da aldeia Palimiú reúnem-se para contar como foi o ataque. Foto: Divulgação Condisi-Y

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