Silvio Almeida escreve sobre “Raça, nação e classe”, de Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein, clássico sobre a questão racial que mostra de uma perspectiva dialética como a formação das classes é racialmente orientada ao mesmo tempo em que a constituição das raças é economicamente determinada, tendo a nação como ponto de mediação histórica entre ambas.
Por Silvio Luiz de Almeida*, no Blog da Boitempo
Raça, nação e classe nos oferece uma das mais sofisticadas e radicais análises já feitas acerca da questão racial. A força do livro está na análise estrutural do racismo, o que significa dizer que, para além dos diferentes contextos históricos e das diferenças culturais em que a “raça” se manifesta, há um esforço para que questões identitárias saiam da flutuação ideológica e sejam conectadas com o processo de reprodução da sociabilidade capitalista, com seus conflitos, seus antagonismos e suas permanentes crises.
Por esse motivo, o leitor e a leitora irão se deparar com dois conceitos-chave na organização das teses de Raça, nação e classe: “sistema-mundo” e “forma-nação”. É, portanto, com o manejo de tais conceitos que Balibar e Wallerstein colocarão o racismo como relação social cujas determinações atendem às condições históricas em que se realiza o processo de valorização do valor. Assim, o racismo é tratado como uma condição universal da sociedade contemporânea, ao mesmo tempo que chama atenção para as distintas formas com que as tensões raciais podem historicamente se apresentar.
O tratamento conceitual do racismo e o uso de categorias que indicam uma perspectiva de “longo prazo” não afasta – pelo contrário, reforça – a necessidade, nas palavras de Étienne Balibar, de um “estudo da singularidade das situações históricas a partir da especificidade de suas contradições e das restrições que as estruturas globais das quais fazem parte lhes impõem”.
O livro repõe o dilema “raça ou classe?” a partir de uma perspectiva dialética, ao demonstrar que a formação das classes é racialmente orientada e que a constituição das raças é economicamente determinada. Com efeito, os autores se afastam de explicações economicistas e também daquelas incapazes de ultrapassar as camadas da ideologia. Nesse sentido, o conceito de nação será o ponto de mediação histórica entre os raça e classe e funcionará como o amálgama ideológico que unificará indivíduos e grupos sociais nos limites dos “Estados-nacionais”, ao mesmo tempo que os conecta com o “sistema-mundo”. A nacionalidade é constituída pela fixação no imaginário social e pela reiteração de práticas sociais que enfatizam a especificidade da língua, da cultura e de certas características físicas de um povo, nas condições de universalidade da forma mercantil. É desse modo que este livro nos mostra como a nacionalidade é definida pela construção da identidade racial, pela identidade sexual e pelo racismo e como nada neste processo se separa lógica e historicamente do capitalismo.
Raça, nação e classe é uma publicação indispensável e que nos ensina de forma rigorosa que racismo e capitalismo não podem ser compreendidos separadamente.
Lançado originalmente há trinta anos e publicado no Brasil pela primeira vez, Raça, nação, classe traz ao leitor um profícuo debate sobre o racismo e sua relação com a luta de classes, o capitalismo e o nacionalismo. Como é possível que o racismo ainda seja um fenômeno crescente? Quais são as características específicas do racismo contemporâneo?
Esta obra tenta responder a essas perguntas fundamentais por meio de um diálogo entre o filósofo francês Étienne Balibar e o historiador e sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein. Ambos os autores desafiam a noção de que o racismo é uma continuação ou um retorno da xenofobia de sociedades do passado e o analisam como uma relação social indissoluvelmente ligada às estruturas sociais atuais – o Estado, a divisão do trabalho e a divisão entre centro e periferia – que são constantemente reconstruídas.
Apesar de naturais divergências durante o diálogo, Balibar e Wallerstein enfatizam a modernidade do racismo e a necessidade de entender sua relação com o capitalismo contemporâneo. Acima de tudo, a obra revela as formas de conflito social presentes e futuras, em um mundo em que a crise do Estado é acompanhada por um aumento alarmante do nacionalismo, do chauvinismo e da xenofobia.
*Silvio Luiz de Almeida é natural de São Paulo, capital. Jurista e filósofo, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco)
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Imagem: Valdir de Oliveira /FotoArena