Situação Yanomani: aonde estão as Forças Armadas? Por Egydio Schwade

Forças Armadas estão diante de dilema cruel e definitivo: ou socorre o povo Yanomami ou se omite mais uma vez

Brasil de Fato

Sou um cidadão brasileiro de 85 anos de idade. Passei a maior parte de minha vida perambulando entre as populações mais fragilizadas do país: os povos indígenas e os agricultores familiares. E há anos me atormenta uma pergunta: AONDE ESTÃO AS NOSSAS FORÇAS ARMADAS? Onde se escondem as Forças Armadas com o poderio que ostentam nos desfiles, enquanto o povo brasileiro mais fragilizado vem sendo agredido e roubado?

Mais uma vez estamos à beira de um genocídio. Ou a humanidade misericordiosa se move e toma uma decisão urgente ou o segmento mais cruel da desumanidade, vai concluir mais esta ação de covardia. Em plena pandemia, o povo Yanomami está sendo atacado por milícias. E os acontecimentos têm vinculação com os donos das milícias que detém hoje o poder no país.

Veja o que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), denunciou em 17-06-1999: “O mais recente escândalo deste governo foi a nomeação, para diretor da Polícia Federal, de um delegado acusado de ser torturador no regime militar. A escolha do nome de João Batista Campelo foi do próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso. Coincidentemente, Campelo era Secretário de Segurança no Estado de Roraima e vem sendo ferozmente defendido pelos parlamentares que conformam o que há de pior no Congresso Nacional, no que diz respeito aos direitos humanos e aos direitos indígenas.: Elton Rohnelt (PFL-RR), Antônio Feijão (PSDB-SP), Jair Bolsonaro (PPB-RJ) e Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR). A Polícia Federal é o órgão responsável por questões de segurança envolvendo conflitos em terras indígenas.”

Há 6 anos, quando faltava um mês para completar 79 anos de idade, fui procurado para acompanhar um “batalhão” de 13 índios Yanomami, munidos de arco e flecha e 3 espingardas velhas, para uma arriscada ação de destruição de dois garimpos invasores do Parque Yanomami, no Rio Couto de Magalhães, próximo à Venezuela.

Dois dias de barco e duas horas a pé pela floresta. Só tive forças para carregar umas cartelas de ovos, espólio da destruição dos garimpos. Me perguntei naqueles dias: Por que este povo se sente mais seguro tendo ao lado apenas um velho de 79 anos, do que as Forças Armadas?

Será porque a ‘Justiça’ do Estado está em colapso? Está estruturada para defender outros interesses? O das empresas saqueadoras das riquezas naturais? Ou até, como insinua o momento: à instalação de milícias criminosas? Cadê o serviço à vida, sua razão de ser?

O meu primeiro contato com as Forças Armadas Brasileiras foi em 1959, como estudante jesuíta, quando servi durante um mês no Hospital Militar de Porto Alegre.  Ali conheci a situação dos servos mais humildes das Forças Armadas.

Chamou-me a atenção um velho soldado, sobrevivente do Batalhão das Forças Armadas que destruiu o levante do Contestado. Inconsolável. Uma mancha indelével cobria a sua consciência. Procurei consolá-lo, rezando com ele nos seus últimos momentos de vida.

Outra foi a experiência que tive, em companhia de D.Tomás Balduino, Presidente do CIMI, em abril de 1975. Vou contar em detalhes. Como Secretário do CIMI-Conselho Indigenista Missionário, junto com a jovem Silvia Bonotto, da OPAN-Operação Amazônia Nativa, havíamos contatado dezenas de lideranças de povos indígenas no Goiás, Maranhão e Pará, o P. Nelo Rufaldi, outro tanto no Amapá e Ivar Busato e P. Thomaz Lisboa, mais de uma dezena de povos do Mato Grosso.

E me surgiu a ideia de realizar uma assembleia dos povos indígenas de toda esta região. Uma utopia. O local mais central seria a Aldeia Cururu, dos índios Munduruku/Alto Tapajós. Fui com D. Tomás Balduino, Presidente do CIMI, na cidade de Goiás. Quando se tratava de iniciativa para uma população pobre, Tomás sempre tinha uma saída (nem que seja para levar um casal de araras vermelhas, presente dos índios Rikbaktsa, mil quilômetros, do rio Juruena para os Tapirapé, no rio Araguaia).

Relatei o nosso trabalho feito e a loucura que me veio à cabeça. “Simbora amanhã para Belém, falar com o Camarão, Comandante Militar da Amazônia.” Lá fomos nós no aviãozinho pilotado pelo bispo. O Comandante Camarão nos recebeu logo. Expusemos durante uns 10 minutos o nosso objetivo. Camarão nos escutou em silêncio, atento, o tempo todo sério. Ao final bateu com o punho sobre a mesa e exclamou: “É isto que estes índios precisam! Podem contar comigo!”

E enviou aviões, para todos os lados, recolhendo lideranças indígenas, do Goiás, do Amapá, do Mato Grosso e por todas as direções do Pará. Graças a este apoio da Força Aérea, se realizou uma das maiores assembleias indígenas acontecida no país. ‘É isto que as Forças Armadas precisam fazer!!!’

Muitos anos depois um amigo, estudante de História, fez o seu trabalho de mestrado sobre a atuação do Exército na Amazônia e foi entrevistar o ex-comandante em sua residência. Camarão comentou com satisfação aquele feito, uma das realizações mais importantes da sua vida.

A prática do Exército ao longo da História, vem sendo o inverso de sua razão de ser: aniquilar os movimentos pela vida. E nesta tarefa não tem pudor. No Rio Grande do Sul, destruiu os 7 povos das Missões ao lado do Exército espanhol. Onde quer que apareça um levante libertador contra a opressão, lá intervém as Forças Armadas para aniquilá-lo.

Assim ocorreu na guerra dos “Farrapos”; em ”Canudos”, do Antônio Conselheiro, uma experiência de autossustentação, inspirada nos povos nativos da região do semiárido nordestino; aqui na Amazônia destruiu o levante dos ‘Cabanos”, tentativa libertadora das populações oprimidas: índias, negras e caboclas; arrasou a guerrilha do Araguaia, matando os jovens guerrilheiros que desejavam um Brasil livre da opressão.

Durante o período da Ditadura Militar as forças Armadas rasgaram os territórios indígenas Amazônia afora, como se fossem “vazios demográficos”, “almoxarifados”, colocando-os à disposição para serem saqueados por mineradoras, madeireiras, agronegociantes…

Não é esta e jamais foi, a expectativa da maioria que paga os impostos!

O que faz para impedir a ação criminosa dos madeiros na Reserva Arariboia do Maranhão e dos agronegociantes do Mato Grosso do Sul?

E agora aqui está a situação Yanomami: o dilema mais cruel e definitivo para as nossas Forças Armadas: ou socorre este povo, ou  se omite mais uma vez, respaldando o segmento mais detestável, atuante no país: – as milícias. Não há mais meio termo.

Casa da Cultura do Urubuí, 20 de maio de 2021.

Edição: Vivian Virissimo

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