‘Racismo se combate em todo lugar’: a Defensoria Pública na luta antirracista

O sétimo episódio de Da Ponte pra Cá, série de lives da Ponte, recebeu as defensoras públicas Aline Mota e Rivana Ricarte para falar sobre a campanha da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos

por Elisa Fontes, em Ponte

O último programa Da Ponte pra Cá, do canal do YouTube na Ponte Jornalismo, transmitido nesta quinta-feira (20/5), trouxe um bate-papo sobre o papel da Defensoria Pública no combate ao racismo. O diretor de redação da Ponte, Fausto Salvadori, recebeu Rivana Ricarte, presidenta da Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos) e Aline Mota, coordenadora-adjunta da comissão temática da igualdade étnico-racial da Anadep. A associação lançou neste mês de maio a campanha “Racismo se combate em todo lugar: Defensoras e Defensores Públicos pela equidade racial”, em parceria com o Colégio Nacional de Defensores Gerais (Condege) e as associações de Defensorias dos estados e do Distrito Federal.

Rivana Ricarte também atua na Defensoria Pública no Estado do Acre, enquanto Aline Mota atua como defensora na Paraíba, onde coordena o grupo de trabalho pela igualdade racial da Defensoria do estado. Todo ano a associação faz uma campanha de educação de direitos. Além de prestar atendimentos jurídicos gratuitos ao cidadãos, a Defensoria é promotora dos direitos humanos.

A presidenta da Anadep explicou que, desde 2008, os defensores têm feito esse trabalho didático de apresentar à população quais são as funções da Defensoria, pois muitas pessoas confundem com o papel do Ministério Público. As temáticas são escolhidas de acordo com as demandas da sociedade. Neste ano, a questão do racismo se tornou ainda mais urgente com a pandemia, segundo Rivana.

Instituições racistas

Segundo Aline, a campanha busca combater o racismo presente não apenas na sociedade em geral e no sistema de justiça, mas também entre os próprios defensores. “A Defensoria Pública, como outras instituições de Justiça, como o judiciário e o Ministério Público, é composto majoritariamente por pessoas brancas. Considerando isso e o baixo letramento racial que constatamos entre os membros da nossa instituição, a gente entendeu que essa campanha precisava ser não só para a sociedade civil, mas também uma campanha interna”, afirma.

Para isso, algumas associações estaduais, como a dos defensores públicos de Goiás, estão promovendo seminários antirracistas, debates e capacitações internas. Rivana Ricarte comenta que esse aprendizado exige tempo, pois ainda há resistência da branquitude em reconhecer atos racistas.

Medidas para aumentar a diversidade dentro das instituições, de acordo com Rivana e Aline, parte de políticas públicas educacionais, a implementação de cotas raciais indígenas e quilombolas.

Como a Defensoria pode ajudar

A cartilha da campanha traz o histórico da discriminação racial no Brasil, explica quais são as leis relacionadas a esse crime e o que o cidadão deve fazer ao sofrer com agressões e injúrias raciais. Uma das etapas dessa denúncia consiste em procurar pela Defensoria Pública, se for necessário.

Rivana esclarece que cada caso pede um encaminhamento diferente. “Depende de que tipo de situação você está inserido e do que você necessita. Eu diria que nunca é ruim você procurar a Defensoria quando você é vítima de um crime”, pontua.

É possível procurar a Defensoria para buscar orientação, pedir indenização, resolver questões não só pela via da criminalização. Aline lembra que, apesar do racismo estar tipificado como crime, não houve mudanças estruturais concretas. “Muitas pessoas acabam sendo absolvidas, porque o juiz avalia que há intencionalidade na conduta e descaracteriza o crime doloso, como o racismo está no Código Penal. Muitas vezes as práticas racistas se dão de forma recreativa, por meio de brincadeiras”, exemplifica.

Racismo no judiciário

O diretor de redação da Ponte perguntou sobre os inúmeros casos de prisões injustas que são reportados, em que o reconhecimento irregular sempre atinge pessoas negras, jovens, periféricas e faveladas. “Desde as Ordenações Filipinas [que antecedem o Código Criminal em 1830], a gente verifica que as leis penais eram direcionadas para um público bem específico, que é a população negra, à época pessoas escravizadas”, analisa Aline.

A defensora lembra que também houve criminalização da cultura afro-brasileira, como por exemplo a capoeiragem e as práticas religiosas de matriz africana. “O sistema de justiça criminal sempre teve como fim o controle social e o controle social da população negra de forma punitivista. Na atualidade percebemos isso também. A Lei de Drogas deu continuidade a essa característica e aumentou o encarceramento da população negra”, explica.

A presidenta da Anadep aponta que, nas audiências de custódia, o papel da defensoria é ser questionadora do sistema penal. Ela afirma que a Defensoria se posiciona contra a realização dessas audiências por videoconferência, em vez de presencial. Para ela, a opção por evitar a presença física do preso “mostra claramente a intenção de manter o distanciamento da pessoa presa, do preto e do pobre porque essa pessoa fere o sistema”.

A Defensoria Pública faz críticas ao caráter punitivista que perpetua em diversas leis e decisões que aumentam pena e criminalização. “Sabemos que as maiores vítimas desse sistema tão opressor são as pessoas não-brancas, como população negra, indígena, quilombolas”, fala Aline.

Um dos trabalhos realizados pela instituição é o pedido de indenização. Rivana entende que “é preciso ampliar o conceito de reparação, que é o conceito de reparação integral, que a Corte Interamericana vem trabalhando há muito tempo”. Segundo ela, o objetivo tem que ir além da reparação econômica e buscar uma mudança para que as condutas criminosas não voltem a se repetir.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

quatro × 5 =