Carta de Repúdio à visita do Presidente Jair Bolsonaro à Terra Indígena Yanomami no Alto Rio Negro e à sua pauta anti-indígena em favor da mineração em terras indígenas

FOIRN

Comunidade Baniwa Tunuí-Cachoeira – AM, 26 de maio de 2021.

Nós, membros representantes legítimos do POVO BANIWA, família linguística Aruak da Terra Indígena Alto Rio Negro, representados juridicamente pela ORGANIZAÇÃO BANIWA E KORIPAKO NADZOERI e FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO, FOIRN, manifestamos nosso repúdio à visita do presidente Jair Bolsonaro à Terra Indígena Yanomami no Alto Rio Negro planejada para amanhã, 27 de maio de 2021, no nosso município de São Gabriel da Cachoeira/AM e à sua pauta anti-indígena e anti meio ambiente de abertura das terras indígenas à exploração mineral e outras atividades econômicas predatórias e destrutivas.

Manifestamos nossa total contrariedade a qualquer iniciativa de abertura das terras indígenas a atividades econômicas, políticas e culturais que venham ameaçar nossa paz e nossa tranquilidade de viver em nossas terras tradicionais conforme nossas tradições, culturas, nossos saberes, valores e modos milenares de vida e de existências.

Somos contrários à mineração que causa graves problemas socioculturais para nossos povos, comunidades e famílias, por meio da desestruturação social, cultural, familiar, exploração sexual, drogas, alcoolismo, doenças transmissíveis, alta de preços, outros males e violências.

Somos contrários à mineração que causa graves problemas ambientais, como a morfologia dos rios alterada por escavações de trincheiras e sociais, como a contaminação da água por metais como o mercúrio, amplamente utilizado na extração de ouro para separá-lo dos sedimentos.

As práticas ilegais de mineração e garimpo tem como resultado o desmatamento e a inviabilização da exploração sustentável das matas, mediante extração de produtos madeireiros e não madeireiros, até a desestruturação de serviços ecossistêmicos, como regulação climática, oferta de água e manutenção da biodiversidade. Sabemos que são necessários pelo menos 42 anos a 70 anos para uma região degradada por garimpo e mineração se recuperar, com um prejuízo de pelo menos R$ 3 milhões por quilo de ouro extraído.

Manifestamos nosso total apoio e reconhecimento à nossa atual Constituição Federal homologada em 1988 – Constituição Cidadã – que proíbe o garimpo em Terras Indígenas. A Constituição reconhece nossas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Assim começa o artigo 231 da Constituição Federal, no capítulo voltado aos direitos indígenas.

A Constituição concede também a nós “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Já o parágrafo terceiro condiciona à aprovação do Congresso Nacional “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluindo os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas”, após “ouvidas as comunidades afetadas. O parágrafo sétimo, por sua vez, veda a prática do garimpo em terras indígenas. E que o direito dos povos indígenas à terra é imprescritível.
Sabemos também que o Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, estabelecida por decreto no país em 2004 e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção determina aos governos “consultar os povos interessados por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”. Insere-se nisso o interesse de atividades como a exploração mineral e a necessidade de consulta prévia realizadas com “boa fé e de uma maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcançado.” Somos totalmente contrários à revogação da Convenção 169/OIT.

Ressaltamos a necessidade da lei proibir a exploração mineral onde há presença de povos indígenas em isolamento voluntário ou povos autônomos, evitando-se o risco de desaparecimento por razoes óbvias.

Para nós Baniwa é um equívoco entender que a exploração mineral seja solução para o desenvolvimento dos povos indígenas. A instalação de empreendimentos minerários provocaria um fluxo migratório para o interior das terras indígenas, deslocaria os povos tradicionais de seus locais de origem e impactaria o meio ambiente.

As práticas sustentáveis, como o extrativismo, já são realidade para os nossos povos, entretanto, entendemos que é necessário maior investimento do governo. Assim, no lugar de abrir terras indígenas à exploração mineral, o Estado deveria construir instrumentos jurídicos, administrativos e políticas públicas com recursos financeiros adequados para apoiar nossas iniciativas econômicas locais sustentáveis geradoras de renda para suprir nossas necessidades e contribuir com nosso município, estado e país.

Por fim, nos solidarizamos a todos os povos indígenas que já estão sofrendo com invasões de garimpeiros que se sentem empoderados com o discurso e a postura do governo federal, a exemplo do que está acontecendo com o povo Yanomami em Roraima e Mundurucu no Pará.

Assinam lideranças Baniwa:

  1. Juvêncio Cardoso – cla Awadzoro
  2. Irineu Laureano Rodrigues – clã Awadzoro.
  3. André Fernando – clã Walipere-dakeenai
  4. Bonifácio José – clã Walipere-dakeenai
  5. Gersem do Santos Luciano – clã Walipere-dakeenai
  6. Francineia Fontes- Clã Walipere –Dakeenai
  7. Dario Casimiro – clã Waliperidakenai
  8. Valdiney Farias – clã Waliperidakeinai
  9. Elso Kene Angelino Cordeiro – Baré
  10. Marivelton Barroso – Baré
  11. Estevão Olímpio – clã Komadaminanai
  12. Arcindo Guilherme Lucio – clã Waliperi-dakeenai
  13. Silvia Garcia da Silva – clã: Aadaro-dakeenai
  14. Jorginho da Costa Pereira – clã Arara
  15. Silvério Lopes Rodrigues – clã Walipere-dakeenai
  16. Joaquim da Silva Lopes – clã walipere-dakeenai
  17. Joseto Miguel da Silva – clã Walipere-dakednai
  18. Genilton da Silva Apolinario – clã Paraattana
  19. Gielson Paiva Trujillo- clã Dzawinai
  20. Rafael Garcia – clã Dzawinai
  21. Osimar Olivia da Silva- clã Maolieni
  22. Armindo Gomes de Souza- clã Padzowalieni
  23. Samuel Gabriel da Silva- clã Walipere-dakeenai
  24. Melvino Fontes – clã Pato
  25. Rogério Valentim Felipe – clã Walipere-dakeenai
  26. Ronaldo Baniwa – clã Parattanakantsa
  27. Cleunice Apolinário- clã Walipere-dakeenai
  28. Virgília Almeida – Tariana
  29. Basílio Romero custódio – clã Walipere-dakeenai
  30. Gerildo Miguel da Silva – clã Walipere-dakeenai
  31. Neuza Lisbão Da Silva – clã Walipere-dakeenai
  32. Plínio Guilherme – clã Kadaopoliro
  33. Dzodzo Sebastião Apolinário – clã Paraattana
  34. Jorge Ariel Velásquez García – clã waliperedakeenai
  35. Gracilene Florentino Bitencourt – clã Komadaminanai
  36. Orlando Garcia Goncalves – clã walipere-daqueenai
  37. Franklin da Silva – clã Awadzoro
  38. Paulo Farias – clã Moliweni
  39. João Claudio – Clã Moliweni
  40. Gracimar Custódio Paiva – clã Liedawieni

Mina ilegal na Terra Indígena Yanomami (RR). Foto: Chico Batata/Greenpeace

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